20/04/2020
Ninguém tem dúvidas sobre a importância dos profissionais da saúde em prestar uma ampla gama de cuidados, seja na atenção primária seja nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Ainda mais agora. No entanto, profissionais de saúde em todo o mundo estão adoecendo e morrendo pela Covid-19. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), foram relatados 22.073 casos do novo coronavírus entre profissionais de saúde, em 52 países, até o dia 8 de abril. Notícia recente dá conta do afastamento de 7 mil profissionais de saúde brasileiros por sintomas respiratórios, sendo que, dos testados, 1,4 mil deram positivos para a doença e 18 morreram.
Não há, segundo a OMS, notificação sistemática de adoecimento de profissionais de saúde pelo novo coronavírus, o que leva a crer que este dado está bastante subestimado. Dados sobre a porcentagem de casos em profissionais de saúde no total de casos de Covid-19 divulgados pela OMS citam 3,8% para a China; 14%, na Espanha; e 11%, na Itália, onde 60 médicos morreram. Nos Estados Unidos, estados divulgaram porcentagens variando de 16 a 28%.
No Brasil, publicação recente do Conselho Nacional de Saúde aponta que até 365 mil profissionais de saúde podem sofrer contágio pelo novo coronavírus, o que representaria mais de 10% do total de profissionais de saúde atuando no país. Levantamentos iniciais de universidades públicas brasileiras, que testam profissionais de saúde, encontraram positividade paraonovo coronavírus entre 25 e 50% dos indivíduos.
Reconhecer o valor e abnegação dos profissionais de saúde é importante, mas não salvará suas vidas. A proteção adequada, essa, sim, pode reduzir seu risco de contágio, adoecimento e morte, assim como a transmissão da Covid-19 dentro dos serviços de saúde. Possivelmente, aqui, o ditado popular também caiba: melhor prevenir do que remediar.
Profissionais de saúde se contagiaram em casa e circulando em transporte coletivo? Sim, é possível, mas isso não explica a intensidade de seu contágio e adoecimento. Provavelmente, vamos encontrar respostas em como os profissionais de saúde se expõem durante o cuidado de pacientes da Covid-19 e como as instituições de saúde se organizam para cumprir suamissão de cuidar.
Um exemplo de notícia do mundo real vem de São Paulo, a maior cidade do Brasil e a mais atingida pela pandemia. Pesquisa do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo, realizada com 627 servidores municipais, mostra uma disponibilidade abaixo de 50% para itens relevantes para prevenção da transmissão da doença. Quase um terço dos profissionais afirmou ter 60 anos ou mais — ou seja, também pertence ao grupo de risco.
Os fatores contribuintes para aumentar o risco dos profissionais de saúde seriam, entre outros: trabalhar em ambientes de alto risco, falta ou uso inadequado dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs); não valorização da higienização das mãos nos cinco momentos preconizados pela OMS (problema antigo que, agora, tornou-se ainda mais grave); longas horas de plantão, e reconhecimento tardio ou baixa suspeição quanto à ocorrência da Covid-19 em sintomáticos respiratórios; além da sobrecarga de trabalho e estresse significativo. Também são fatores importantes a insuficiência ou inadequação de capacitações na prevenção de infecções associadas ao cuidado e a existência de ambientes com ventilação, refrigeração e exaustão inadequados, além de fluxos únicos de movimentação de pacientes sintomáticos e não sintomáticos,eambientes de cuidado sem área suficiente para o distanciamentomínimo seguro.
Proteger os profissionais significa disponibilizar EPIs em quantidade e qualidade suficientes e capacitá-los para seu uso adequado; oferecer segurança psicológica aos trabalhadores da saúde, respondendo claramente às suas preocupações, dúvidas e medos; facilitar ao máximo a higienização das mãos; e avaliar se os serviços de saúde existentes respeitam as normas da Anvisa e de órgãos de referência (CDC/UA; OMS/Opas). A Organização Mundial da Saúde propõe a estruturação de centros de atendimento a sintomáticos respiratórios, com entradas diferentes de profissionais e pacientes; manutenção de distâncias seguras em salas de esperaede triagem e acolhimento; uso de paredes de vidro ou plástico, e separação de pacientes suspeitos dos confirmados com Covid-19, seja na atenção primária, pronto atendimento ou na internação.
Por outro lado,érelevante responder ao subdimensionamento de equipes de saúde na atenção primária,nas Unidades de Pronto Atendimento e nos hospitais. Uma resposta efetiva à pandemia depende de equipes mais completas, ainda mais considerando que parte da força de trabalho em saúde já está adoecendo.
Profissionais que estejam protegidos e seguros são um pré-requisito para a saúde dos trabalhadores da saúde, da população em geral e para a manutenção dos serviços, constituindo um dever primário dos gestores de saúde. Devem ser prioritários na testagem, e isso também é proteção. A colaboração entre todos gestores públicos, em todos os níveis e desses com o setor privado é fundamental. É necessário reduzir assimetrias preexistentes e que, se mantidas, produzirão, por sobrecarga do SUS, além do adoecimento dos profissionais, maior iniquidadeno cuidado.
Oferecer condições adequadas para o exercício profissional é responsabilidade dos gestores, que devem assumir esse compromisso em todos os níveis, na Saúde e fora dela. Sim, é possível proteger os profissionais de saúde contra a Covid-19.
*Victor Grabois é pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) e presidente da Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (Sobrasp)
Texto originalmente publicado no Correio Braziliense (20/4/2020).