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15/02/2007

Diretor de Farmanguinhos explica acordo com a Ucrânia

Taís Motta


Em entrevista à Agência Fiocruz de Notícias (AFN), o diretor do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos) da Fiocruz, Eduardo Costa, comenta a negociação com o Indar, instituto ucraniano que fabrica insulina humana recombinante, produto que é vital para cerca de 600 mil brasileiros. O produto está sendo registrado no Brasil por Farmanguinhos, que em março começará a suprir o Ministério da Saúde (MS), permitindo assim uma economia considerável aos cofres públicos. A estimativa é que em quatro anos a economia chegará a mais de R$ 300 milhões e, em 15 anos, a cerca de R$ 1,2 bilhão.


 O diretor de Farmanguinhos, Eduardo Costa

O diretor de Farmanguinhos, Eduardo Costa


AFN: A gerência responsável por inspeções externas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu relatório recomendando a certificação do laboratório do Indar, da Ucrânia, produtor da insulina humana recombinante que está sendo registrada em nome de Farmanguinhos no Brasil. Como foi costurado o acordo de transferência tecnológica entre o Brasil e a Ucrânia e o que ele poderá representar para a saúde pública nacional?


Eduardo Costa: O mercado mundial de insulina está oligopolizado, sendo que uma das indústrias detém de 50 a 60% do mercado e outras duas completam a lista dos grandes produtores mundiais. No Brasil atuam as três, sendo que uma delas só vende para a área privada. As duas que vendem ao MS participaram no passado da destruição da empresa brasileira - Biobrás - que produzia no Brasil, sendo que uma (Novo Nordisk) a comprou. Isso tem sido feito também em outros países por meio de operações de "dumping" e de outras práticas comerciais monopolistas. Comprada a Biobrás, a Novo Nordisk fez o que se esperava: elevou rapidamente seus preços de fornecimento ao MS e passou a combinar importação e produção local, dependendo de suas vantagens em função dos compromissos internacionais até acabarem fechando a produção dos cristais de insulina no Brasil para aqui fazer só envazamento. Ora, a insulina é estratégica para o país e vital para cerca de 600 mil brasileiros insulinodependentes.


Há cerca de três anos, uma missão da Ucrânia visitou a Fiocruz procurando estabelecer laços de cooperação científica e tecnológica. Eles procuravam, de nossa parte, poder contar com a cooperação para seus programas de controle de Aids e ofereciam entre outras coisas a insulina recombinante desenvolvida e produzida por uma empresa de economia mista com 70% das ações controladas pelo MS da Ucrânia. O protocolo de intenções e posterior contrato Indar/Fiocruz se deram dentro do acordo bilateral Brasil-Ucrânia, tendo a embaixada brasileira sido importante apoio para que se chegasse ao final desse processo que dará segurança para os diabéticos brasileiros e já começou a reduzir os preços oferecidos ao MS.


É importante acrescentar que embora, alegasse que a insulina da Ucrânia não tinha qualidade, a Novo Nordisk fez proposta de compra do Indar ao governo da Ucrânia, após a assinatura do protocolo de intenções Brasil-Ucrânia. Divulgaram também para dentro do governo brasileiro que essas tecnologias recombinantes e as formas de apresentação estavam arcaicas, que agora era implantação de células tronco etc, tudo para se locupletarem por muitos anos antes que se tornasse prática na saúde pública.

 

AFN: Quanto o país está economizando com a compra da insulina humana recombinante após a assinatura do contrato com a Ucrânia?


Costa: Um mês após a assinatura do contrato houve nova licitação para aquisição de insulina e, sem que nenhum outro fato justificasse, as duas empresas baixaram seus preços a quase a metade (R$ 17,35 para R$ 9,19, a Novo Nordisk e R$ 9,18 a Lilly). Claro que fomos sondados se valia a pena continuar com o projeto, pois essa era a meta de redução no preço que a Fiocruz objetivava alcançar para o produto. A Presidência e o MS, dada a história anterior com a Biobrás, e também de ter a experiência da reação das multinacionais da indústria farmacêutica, em particular com anti-retrovirais, resolveram manter o projeto. Só nessa licitação a economia foi de mais de R$ 80 milhões. Em quatro anos a economia atingirá mais de R$ 300 milhões e, em 15 anos, cerca de R$ 1,2 bilhão. O custo do investimento não chegará a R$ 100 milhões, com todos os custos, inclusive de construção de equipamento da fábrica de cristais. A economia deste ano já pode financiar os 15 anos à frente.


AFN: Quando Farmanguinhos começará a fornecer o produto para o Ministério da Saúde? E qual a capacidade máxima de produção?


Costa: Em março deste ano Farmanguinhos começará a suprir o MS, mas por razões igualmente estratégicas não suprirá mais do que 50% das compras do Ministério. Nossa capacidade de produção local será de 600 kg/ano de cristais de insulina, embora não se planeje produzir tanto. Essa quantia permite suprir todo o país em caso de crise de outros produtores.

 

AFN: Há outras propostas de cooperação entre os dois países na área de regulação farmacêutica? Quais?


Costa: Estamos trabalhando a questão dos antiretrovirais, mas há outros produtos na agenda. A presença de Norberto Rech, da Anvisa, em Kiev, permitiu também o estabelecimento de conversas para a cooperação entre a nossa agência reguladora e a da Ucrânia que participa de comitê de harmonização européia de critérios de regulação farmacêutica.

 

AFN: Na volta de Kiev o senhor encontrou-se, em Londres, com pesquisadores do Imperial College para discutir uma proposta de cooperação científica e tecnológica. o que é a chamada farmácia-ética defendida pelos ingleses Steve Brochini e Sunil Shaunak?


Costa: Esses pesquisadores estão trabalhando com a visão da necessidade de quebrar os monopólios para dar acesso mais barato às populações dos países menos desenvolvidos. Entre os produtos que já desenvolveram e colocam à disposição, é resultado de uma modificação interessante na molécula de interferon. Outro que já iniciamos os entendimentos para nos associar se refere à anfotericina b - na qual produziram uma modificação na molécula que permite dimunir de modo importante as reações tóxicas e aumentar a eficácia para o tratamento das leishmanioses.


Já articulamos um pesquisador de Farmanguinhos que está em Londres, em outro projeto, para fazer a ligação com esses pesquisadores e esperamos submeter ao DNDi uma proposta de financiamento do desenvolvimento da formulação final desse produto. Os testes clínicos possivelmente seriam na Índia e a formulação final em Farmanguinhos, que produziria para o Brasil e uma parte a ser acertada para o mundo.

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