Início do conteúdo

14/11/2006

Diretor do Instituto Novartis sugere associação com a Fiocruz

Pablo Ferreira


A Fiocruz recebeu nesta terça-feira (14/11) a visita de Alex Matter, diretor do Instituto Novartis para Doenças Tropicais (NITD) – uma importante instituição público-privada, localizada em Cingapura e considerada como inovadora na produção de medicamentos, sobretudo contra dengue, malária, tuberculose e Aids.


Matter veio ao Brasil para participar do 3º Simpósio Brasileiro sobre Química Medicinal, mas aproveitou a viagem para conhecer a Fiocruz, segundo ele “por sua tradição, tamanho e importância na pesquisa e produção de medicamentos, principalmente contra HIV”. Com isso, o pesquisador espera criar futuras associações com a Fiocruz para a pesquisa, desenvolvimento e produção de remédios. “O interessante seria elaborar tecnologias simples que pudessem ser produzidas em países subdesenvolvidos, como os da África, pois estes não poderão depender eternamente da doação de remédios”, completa.


 Matter (em pé) dá palestra na biblioteca do Castelo da Fiocruz (Foto: Ana Limp)

Matter (em pé) dá palestra na biblioteca do Castelo da Fiocruz (Foto: Ana Limp)


Na Fiocruz, Matter visitou as instalações de Biomanguinhos, conheceu o projeto do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS) e discutiu com pesquisadores, tecnologistas e dirigentes da Fundação possibilidades de colaboração institucional em pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação em doenças negligenciadas.


Abaixo, a entrevista que Matter concedeu ao site da Agência Fapesp:


A descoberta de novos medicamentos para doenças tropicais caminha a passos lentos. Há 30 anos não se coloca no mercado uma nova droga para a tuberculose, por exemplo. A doença, no entanto, atinge 2 bilhões de seres humanos – quase um terço da população da Terra – e mata 2 milhões de pessoas anualmente, segundo a Organização Mundial da Saúde.


Outro exemplo é a dengue, que atinge cerca de 50 milhões de pessoas em mais de cem países – 500 mil são internadas anualmente, principalmente crianças. A malária infecta de 300 a 500 milhões e ceifa 1 milhão de vidas todos os anos.


As três doenças, concentradas principalmente nos países em desenvolvimento, são o foco dos estudos feitos por um grupo de mais de cem pesquisadores no Instituto Novartis para Doenças Tropicais (NITD, na sigla em inglês), em Cingapura.


Para o médico e pesquisador Alex Matter, que dirige o Instituto, a descoberta de novos fármacos para as doenças tropicais exige parcerias entre governos e empresas, uma vez que os medicamentos para as doenças específicas de países pobres não seriam lucrativos para as indústrias farmacêuticas.


Antes de dirigir o NITD, onde está desde 2003, Matter foi chefe mundial de Pesquisa em Oncologia da Novartis, tendo colaborado com o desenvolvimento de diversas drogas contra o câncer.


Matter concedeu a seguinte entrevista exclusiva à Agência FAPESP nesta segunda-feira (13/11), no 3º Simpósio de Química Medicinal, que está sendo realizado em São Pedro (SP).


Agência FAPESP – Como é a atuação do NITD?

Alex Matter –
Somos um instituto de pesquisa dedicado à descoberta de fármacos baseados em pequenas moléculas. O objetivo é encontrar novos tratamentos para doenças tropicais. O instituto faz parte da política de responsabilidade social da Novartis, na medida em que se dedica a melhorar o acesso do mundo em desenvolvimento a medicamentos para dengue, febre amarela ou tuberculose. Funcionamos como uma parceria público-privada entre a empresa e a Comissão de Desenvolvimento Econômico de Cingapura.


Agência FAPESP – As pesquisas sobre doenças tropicais estão atrasadas em relação aos avanços gerais da indústria farmacêutica?

Matter
– A descoberta de novos fármacos tem feito enormes avanços nos últimos 20 anos em algumas áreas, que incluem em particular a pesquisa sobre câncer e Aids. Nesses dois campos, muitas novas tecnologias foram desenvolvidas e modernos conceitos de design de novas drogas têm sido criados. Essas tecnologias não foram aplicadas para as doenças tropicais por falta de incentivos comerciais. Os responsáveis pela indústria internacional acreditavam que não se poderia ganhar um centavo tratando de dengue e malária. Precisávamos de novos mecanismos de financiamento, criando parcerias entre setores de saúde pública, governos e organizações privadas.


Agência FAPESP – As parcerias com os governos são necessárias porque a indústria não alcança lucros suficientes com as doenças típicas dos países pobres?

Matter –
Sim. De modo geral, não se pode deixar problemas de saúde pública nas mãos do setor privado, que precisa de lucro para sobreviver. Sem lucro as empresas morrem e com essas doenças elas não conseguem lucrar. É preciso ser objetivo e focar onde estão as prioridades. O setor público deve decidir em que áreas investir. Para isso, deve colaborar com o setor privado, que pode fazer o trabalho, mas precisa de financiamento. Os mecanismos de financiamento, no nosso caso, vêm de fontes públicas, como o governo de Cingapura, uma série de organizações não-governamentais e grandes fundações privadas. Se todos atuam juntos, pode-se desenvolver pesquisas para as doenças negligenciadas.


Agência FAPESP – Como funciona na prática essa parceria?

Matter –
O ponto fundamental é que todos têm a ganhar. A empresa ganha sólida e vigorosa imagem em sua responsabilidade social. Ganha uma maneira de se consolidar como uma parceira respeitada da sociedade. Para o governo, a parceria significa novas tecnologias, novos conceitos e conhecimento científico em áreas que o país não possuía. Um projeto desses atrai conhecimento e talento, o que é um ponto central, por serem fatores limitantes nesse processo todo. Países como Cingapura vão atrás do talento em todo o mundo. Dinheiro é importante, mas o verdadeiro fator limitante é o talento. A lição que aprendemos, e que serve para países com dificuldades de financiamento como o Brasil, é que um investimento modesto pode ser muito significativo.


Agência FAPESP – Qual é o nível de investimentos feitos no instituto?

Matter –
O instituto recebe mais ou menos US$ 13 milhões por ano. É uma soma modesta para esse tipo de pesquisa, mas realizamos importantes projetos de desenvolvimentos de fármacos. Temos dois compostos em testes clínicos apenas quatro anos após o início do instituto. Teremos compostos no mercado já em 2012, com recursos relativamente pequenos.


Agência FAPESP – Esse modelo poderia ser replicado em outros países em desenvolvimento?

Matter –
Certamente que sim. Não há investimentos gigantescos, é algo focado. Se for bem administrado, bem controlado, pode ser um bom modelo para outros lugares, como o Brasil, com muitos benefícios.


Agência FAPESP – O que foi conseguido até agora pelo NITD?

Matter –
Temos dois compostos para tuberculose em desenvolvimento clínico e teremos os dois primeiros compostos para dengue em testes clínicos em 2007. Estamos andando relativamente rápido. Procuramos agora desenvolver novas ferramentas químicas, que compreendem diagnósticos, novos modelos químicos, biomarcadores e novas metodologias de experimentação clínicas. Estamos buscando isso.


Agência FAPESP – Quais são os maiores desafios para os países que tentam desenvolver fármacos para doenças tropicais?

Matter –
O grande desafio, além de recursos humanos, ou seja, do talento, é ter financiamento contínuo. Não adiantam apenas dois ou três anos de tentativas. É preciso, para construir algo, pelo menos dez anos de investimento contínuo. Não se pode parar e mudar de idéia depois de pouco tempo.

Voltar ao topo Voltar