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24/10/2006

Dos microbicidas à análise dos impactos econômicos, pesquisadores debatem os desafios da Aids

Bel Levy


O potencial do uso de microbicidas no combate à infecção, a busca de novos esquemas terapêuticos e a constatação de que o PIB de um país é inversamente proporcional à prevalência local da Aids foram alguns dos principais destaques do primeiro dia do Seminário Avançado sobre Patogênese em HIV/Aids, realizado de 23 a 27 de outubro pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz com apoio do Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde. O seminário é ministrado pelos pesquisadores David Watkins, do Departamento de Patologia e Medicina Laboratorial da Universidade de Wisconsin-Madison, e Mario Stevenson, diretor do Centro para Pesquisa em Aids da Escola de Medicina de Massachusetts.


Na abertura do evento (23/10), o vice-diretor de Desenvolvimento Institucional do IOC, Christian Niel, reforçou a intenção do seminário de aproximar jovens pesquisadores e especialistas e ressaltou a importância dessa interação para a produção do conhecimento e o avanço científico. David Watkins iniciou a sessão científica com a palestra HIV: sexo, sociedade e ciência, na qual divulgou dados epidemiológicos que reforçam o impacto da pandemia sobre a população mundial quando comparados a outras doenças de gravidade global, como malária e tuberculose, e ressaltou a expansão catastrófica da infecção no sul da África – onde, em alguns países, a chance de um jovem de 15 anos morrer por causas relacionadas à Aids chega a 90%. Watkins destacou também o impacto do HIV sobre a economia, ao constatar que o PIB de um país é inversamente proporcional à prevalência local da Aids.


O pesquisador discutiu o uso de microbicidas para o controle da infecção e destacou o potencial dessas substâncias a prevenção da doença. Além de controlar a replicação do vírus, os microbicidas permitem que mulheres possam se prevenir independentemente do uso preservativo por seus parceiros, recurso extremamente benéfico em algumas culturas repressoras quanto ao papel da mulher. “É preciso ter esperança”, o pesquisador finalizou.


Para Mario Stevenson, que deu continuidade ao debate, a esperança está na identificação de novos alvos terapêuticos, que possam intensificar e otimizar o tratamento atual. Durante a palestra HIV/Aids: overview e patogênese o pesquisador realizou uma revisão panorâmica da pandemia e discutiu os avanços e desafios da terapia anti-retroviral de alta atividade (HAART, na sigla em inglês). O pesquisador recuperou a origem zoonótica da infecção – informou que 40% dos macacos Sooty mangabeys, em que o subtipo HIV-2 teve origem, são soropositivos na natureza – e apresentou em gráfico o desenvolvimento clássico da infecção, em suas fases inicial (aguda e assintomática, com destruição de tecido linfóide no trato gastrointestinal e replicação maciça do vírus); intermediária, em que a carga viral do paciente é estável; e tardia, em que há replicação maciça do vírus. Na seqüência, Stevenson apresentou dados sobre a HAART e ressaltou a necessidade de novos esquemas terapêuticos, pois apesar de prevenir a infecção de novas células a terapia precisaria de um tempo superior à vida natural de uma pessoa para erradicar o vírus.


A parte da tarde foi dedicada à discussão sobre a transmissão do HIV. Watkins ressaltou a necessidade de aprofundamento de estudos sobre o tema para a produção de uma vacina contra a Aids. A constatação foi comprovada por três artigos apresentados pelo pesquisador, que demonstram a importância de se considerar o potencial de transmissão do vírus na fase aguda da doença, no qual a carga viral é mais elevada e a maioria dos pacientes é assintomática – o que constitui um desafio à prevenção da transmissão.


Watkins destacou ainda que é difícil estimar o risco relativo de infecção por relação sexual desprotegida, já que uma série de fatores influenciam a transmissão do vírus, como a quantidade de vírus nas secreções genitais, o número de “células-alvo” do HIV, a presença de outras doenças sexualmente transmissíveis, ou de inflamação do trato genital de causas não-infecciosas, o tipo de microflora que coloniza a vagina, características específicas da cepa viral e fenômenos fisiológicos que impedem o aumento da exposição da endocervix ao HIV, como o uso de contraceptivos hormonais. Por fim, Watkins citou uma pesquisa atualmente em curso em sua universidade que propõe a produção de uma vacina anti-HIV baseada na atividade de linfócitos CD8+. O estudo será apresentado com maior profundidade na sexta-feira, dia 27.


O evento é oportunidade também para que seus participantes, pesquisadores e jovens estudantes de pós-graduação de instituições de todo o país, apresentem seus projetos de pesquisa e discutam os resultados com especialistas da área. Na primeira sessão, foram apresentados os trabalhos Caracterização da co-infecção HIV-hanseníase: avaliação de fenótipos celulares envolvidos na imunopatogênese e monitoramento da restauração imune da doença, produzido pelos laboratórios de Aids e Imunologia Molecular e de Hanseníase do IOC, e Avaliação da influência do vírus anti-influenza na resposta imune do anti-HIV-1, desenvolvido na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.


Na sessão da tarde, foram discutidos os estudos Avaliação da imunidade celular de células T CD4+ e CD8+ em pacientes co-infectados por HIV e Leishmania, realizado entre a Universidade Federal da Bahia e o Laboratório Avançado de Saúde Público do Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz (CPqGM) da Fiocruz; Interações do HIV-1 – células hospedeiras: imunomodulação no modelo de co-infecção por HIV-1 e tripanosomatídeos, produzido pelos departamentos de Imunologia e de Fisiologia e Farmacodinâmica do IOC e pelos institutos de Biofísica e de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro; e Estudo da co-infecção por HIV e HTLV em Angola, do Laboratório de Genética Molecular de Microorganismos do IOC.


O Seminário avançado sobre patogênese em HIV/Aids está sendo realizado de 23 a 27 de outubro no auditório do Pavilhão Leônidas Deane do Instituto Oswaldo Cruz (Avenida Brasil 4.365, no Rio de Janeiro) e é coordenado pelos pesquisadores Mariza Morgado, Vera Bongertz, Luiz Roberto Castello Branco e Dumith Chequer Bou-Habib, do Departamento de Imunologia do IOC.


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