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13/12/2007

Estudo pode ajudar a produção de fármacos para leishmaniose

Marcelo Garcia


Uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz verificou a existência de uma relação entre a produção de citocinas e a atividade das gelatinases em lesões cutâneas causadas pela leishmaniose tegumentar americana (LTA). Os resultados podem ajudar no desenvolvimento de novos fármacos para o tratamento dessas lesões e na determinação de indicadores de cronicidade da doença. O estudo, desenvolvido pela pesquisadora Ana Cláudia Maretti-Mira, aluna de doutorado no Laboratório de Imunopatologia do IOC, ficou em terceiro lugar no 20º Congresso Brasileiro de Parasitologia, realizado no Recife entre 28 de outubro e 1º de novembro.


 A pesquisa pode abrir caminho para o desenvolvimento de terapias tópicas, como as pomadas

A pesquisa pode abrir caminho para o desenvolvimento de terapias tópicas, como as pomadas


Maretti-Mira analisou in situ 39 fragmentos de tecidos provenientes das lesões cutâneas de pacientes com LTA coletadas entre 1994 e 2000. As amostras correspondem tanto a lesões agudas quanto crônicas da doença de pacientes que ainda não tinham sido submetidos a nenhum tipo de tratamento. Os casos foram escolhidos a partir da análise de evolução clínica dos pacientes, levando-se em consideração a resposta que apresentaram ao tratamento, o tamanho das úlceras e a localização das mesmas. “A proposta era estudar fatores variados que pudessem indicar como uma lesão poderia evoluir”, explica a pesquisadora. “Por isso, comparamos números parecidos de indivíduos com boa e má resposta ao tratamento ou com úlceras grandes e pequenas, por exemplo”. A LTA é uma doença causada por parasitas do gênero Leishmania, transmitidos por pequenos insetos, os flebotomíneos, e caracterizada por feridas cutâneas que podem levar meses para cicatrizar e, ocasionalmente, apresentar lesões de mucosa nasal ou oral, essas muito mais difíceis de curar.


A pesquisa, que é orientada pela pesquisadora Claude Pirmez, analisou a expressão e a atividade das gelatinases e de seus inibidores nas feridas decorrentes da infecção pelo parasito, através de métodos de PCR em tempo real e zimografia in situ, e a relação entre esses dados e a produção de citocinas pelas células presentes no local da infecção. As gelatinases são enzimas que atuam no processo de degradação e de síntese da matriz extracelular (estruturas que ocupam os espaços entre as células de um tecido, organizando-as). Portanto, são fundamentais nos processo de migração celular – locomoção das células dentro dos tecidos ou para outros tecidos.


Foram estudadas as gelatinases MMP-2 e a MMP-9, que têm grande importância nos processos regenerativos teciduais, e seus respectivos inibidores, TIMP-2 e TIMP-1. Também foi avaliada, por imunohistoquímica, a produção das citocinas IL-10, interferon-gama e TGF-beta pelas células encontradas na lesão. “As citocinas são proteínas de grande importância na resposta inflamatória e imunológica do organismo”, conta Maretti-Mira. “E sabe-se que o interferon-gama e o TGF-beta participam do controle da expressão e atividade das gelatinases e resolução da infecção pela Leishmania".


Os dados obtidos pelo estudo mostram que, desde o início da doença, as células dos tecidos danificados produzem grande quantidade de citocinas. Porém, entre os pacientes que desenvolveram respostas ruins ao tratamento, percebeu-se a produção de uma quantidade muito superior dessas substâncias. A PCR em tempo real mostrou que pacientes com boa resposta ao tratamento apresentam uma alta expressão de MMP-2 e baixa de MMP-9, não havendo diferenças significativas no caso daqueles que respondem mal à terapia com antimoniais. “O estudo mostra que, nos pacientes que reagiram bem ao tratamento, existe um ponto de equilíbrio nessa relação, que pode estar contribuindo para a cicatrização das lesões”, explica Maretti-Mira. “Porém, nos casos que apresentaram má resposta, houve uma mudança no equilíbrio dessa expressão.” A diferença de expressão também é acompanhada por uma diferença na atividade dessas enzimas.


 Ensaio de zimografia <EM>in situ</EM> mostrando a diferença entre a atividade das gelatinoses na pele normal comparada à lesão de LTA (Foto: Laboratório de Imunopatologia)

Ensaio de zimografia in situ mostrando a diferença entre a atividade das gelatinoses na pele normal comparada à lesão de LTA (Foto: Laboratório de Imunopatologia)


No entanto, quando se analisa a atividade in situ dessas enzimas por zimografia, ela é maior naqueles que indivíduos que responderam mal ao tratamento. “Nesses casos, pensamos que a atividade mais intensa dessas enzimas resulta em um processo de destruição muito acentuado, o que dificulta a reorganização do tecido e a cicatrização das úlceras”, esclarece Maretti-Mira. “Percebemos que a mudança de equilíbrio observado na expressão das gelatinases e de seus respectivos inibidores pode estar sendo refletida na atividade exarcebada verificada nas lesões grandes e de pacientes que responderam mal ao tratamento”.


Dessa forma, foi constatada uma correlação positiva entre a quantidade de células produzindo citocinas e a atividade das gelatinases. “Os pacientes que reagiram mal ao tratamento, produziram mais citocinas desde o início da infecção”, explica. “Isso provavelmente influi no desequilíbrio da expressão destas enzimas e inibidores, e, conseqüentemente, nas alterações em sua atividade.


“A produção maior ou menor dessas moléculas parece ser uma característica individual”, acredita. “Aqueles que produzem naturalmente maior quantidade dessas citocinas nas áreas lesionadas possuem maiores dificuldade de resolver a doença.” Maretti-Mira acredita, por isso, que o estudo pode ajudar a identificar marcadores de cronicidade para a leishmaniose. “Uma vez que os indivíduos que reagiram à infecção produzindo maior quantidade de citocinas, em geral, responderam mal ao tratamento, podemos pensar em indicadores que alertem previamente as dificuldades de cicatrização dessas lesões”, pondera.


Além disso, Maretti-Mira ressalta a importância da pesquisa de base para o desenvolvimento, por exemplo, de novos tratamentos para a doença. “Hoje não se conhece ao certo como atuam os poucos medicamentos que existem para o tratamento da LTA”, afirma. “Essa pesquisa pode abrir caminho para o desenvolvimento de alguma terapia tópica, como pomadas, por exemplo, que regulem a expressão ou a atividade das gelatinases, para que não ocorra um desequilíbro tão grande, mantendo as enzimas sob controle e auxiliando no processo de cicatrização, ao invés de prejudicá-lo”.

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