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15/08/2018

Evento debate desafios no enfrentamento às leishmanioses

Lucas Rocha (IOC/Fiocruz)


Em alusão à Semana Nacional de Controle e Combate às Leishmanioses, celebrada anualmente no período que inclui o dia 10 de agosto, o Centro de Estudos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) realizou (10/8) uma edição especial sobre o tema. O encontro mediado pela vice-diretora de Serviços de Referência e Coleções Biológicas do IOC, Elizabeth Ferreira Rangel, abordou a epidemiologia das leishmanioses no Estado do Rio de Janeiro, políticas públicas e aspectos clínicos das doenças que podem se apresentar nas formas visceral, cutânea e mucocutânea. Para discutir os desafios e perspectivas sobre o assunto, a iniciativa contou com a participação da gerente da área de Doenças Transmitidas por Vetores e Zoonoses da Subsecretaria de Vigilância em Saúde (SES/RJ), Cristina Maria Giordano Dias, da gerente de Vigilância em Saúde de Barra Mansa, Ana Lúcia Torres Devezas Souza, e do pesquisador do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), Artur Augusto Junior. 

“As apresentações e discussões destacaram a necessidade de políticas públicas para o enfrentamento das leishmanioses, que são doenças negligenciadas. Outro pilar fundamental para o combate aos agravos é a educação em saúde, que precisa atingir a comunidade, agentes de saúde e demais esferas municipais”, destacou Rangel, pesquisadora do Laboratório Interdisciplinar de Vigilância Entomológica em Díptera e Hemíptera do IOC, que atua como referência nacional em vigilância entomológica, taxonomia e ecologia de vetores das leishmanioses.

As leishmanioses são doenças causadas por protozoários do gênero Leishmania, que podem ser transmitidos pela picada de fêmeas de mosquitos flebotomíneos, conhecidos popularmente como mosquito-palha, tatuquira ou birigui. No Brasil, a principal espécie responsável pela transmissão é a Lutzomyia longipalpis. No ambiente urbano, o cão é a principal fonte de infecção para o vetor.

Panorama das leishmanioses no Estado do Rio

Entre os anos de 2007 e 2018, foram notificados 100 casos de Leishmaniose Visceral e 746 casos de Leishmaniose Tegumentar Americana no Estado do Rio de Janeiro. Enquanto a primeira é responsável por danos aos órgãos internos, podendo levar a óbito na falta do tratamento adequado, a segunda pode afetar a pele e as mucosas do nariz e da boca. As informações epidemiológicas sobre as doenças, que são de notificação compulsória em casos suspeitos, foram apresentadas pela especialista da SES/RJ, Cristina Maria Giordano Dias. 

Dos 100 casos de Leishmaniose Visceral, 48 foram considerados autóctones, ou seja, contraídos em municípios do Estado. A maior parte atingiu homens, na faixa etária de 18 a 49 anos. Segundo as informações da SES/RJ, foram registradas 12 mortes, cujas principais causas incluem dificuldades para a realização do diagnóstico precoce e o desenvolvimento de novas infecções. Já em relação à Leishmaniose Tegumentar, dos 746 casos notificados no Estado, 477 foram autóctones, com maior incidência nos municípios do Rio de Janeiro, Paraty, Angra dos Reis e São Fidélis. Foram apontados, ainda, casos de origem dos Estados do Amazonas, Minas Gerais e Bahia. Não foram registrados óbitos por Leishmaniose Tegumentar no período. Quanto à manifestação clínica, o maior número de pacientes desenvolveu a forma cutânea da doença, caracterizada pela formação de lesões na pele que aumentam em tamanho e profundidade e podem levar à formação de úlceras. Uma parcela secundária apresentou a forma mucocutânea, que se expressa por lesões destrutivas localizadas nas mucosas das vias aéreas superiores. 

“Desde 2008, as ações de controle e vigilância têm sido intensificadas em municípios prioritários do Estado do Rio, em especial na capital e nas Regiões do Médio Paraíba, incluindo Volta Redonda e Barra Mansa, e da Baía de Ilha Grande, no Sul Fluminense”, destacou Dias. A atuação conta com estratégias de capacitação de profissionais de saúde, reuniões de grupos de trabalho e parcerias com o Ministério da Saúde e secretarias municipais e estaduais de saúde, além de instituições de pesquisa como o IOC.

Combate à doença em Barra Mansa

Gerente de Vigilância em Saúde de Barra Mansa, Ana Lúcia Torres Devezas Souza apresentou medidas adotadas para o enfrentamento das leishmanioses na cidade. O município localizado na Região Sul Fluminense registrou, nos últimos dez anos, quatro óbitos por Leishmaniose Visceral. A cidade ocupa, ainda, a 6º posição em número de casos de Leishmaniose Tegumentar no Estado. A especialista chamou a atenção para a importância do preenchimento detalhado das fichas de notificação do agravo, por parte de profissionais de saúde, tanto para a investigação dos casos quanto para cálculos de indicadores epidemiológicos.

Ações de identificação, controle e tratamento ganharam reforço na cidade a partir de 2012, quando foram registrados dois óbitos pela doença. Entre as estratégias seguidas está a realização de exames em cães. Os chamados ‘inquéritos caninos’ têm por objetivo determinar o papel dos animais no ciclo de transmissão da doença em uma região. As ações de controle abrangem visitas às residências e proximidades dos locais de ocorrência dos casos, e orientações em saúde para familiares e contatos próximos, que incluem métodos de prevenção e manejo ambiental. Com o objetivo de estimular a realização do diagnóstico precoce, médicos e profissionais de saúde do município são alertados sobre a ocorrência de casos e recebem informações sobre características e manifestações clínicas do agravo. “O programa de enfrentamento à Leishmaniose Visceral em Barra Mansa tem obtido bons resultados, considerando a triagem realizada e o apoio da Fiocruz. Atualmente, observa-se uma redução de até 50% de positividade em cães e em bairros e regiões endêmicas no município”, ressaltou Souza.

Animais como vítimas

Médico veterinário, Artur Augusto Junior atua no Laboratório de Pesquisa Clínica em Dermatozoonoses em Animais Domésticos do Instituto Nacional de Infectologia da Fiocruz, que realiza, entre outros estudos, a investigação de potenciais reservatórios naturais das leishmanioses tegumentar e visceral e suas associações com as espécies de flebotomíneos mais frequentes. No encontro, o pesquisador expôs aspectos clínicos e abordagens de casos de Leishmaniose Visceral Canina (LVC) no Rio de Janeiro. 

Os cães são os principais reservatórios do parasito causador da leishmaniose em área urbana. Atualmente, existe uma vacina antileishmaniose visceral canina em comercialização no Brasil. No entanto, pela falta de estudos que comprovem a efetividade da vacina na redução da incidência da doença em humanos, o seu uso está restrito à proteção individual dos cães e não como uma ferramenta de saúde pública. 

Entre os desafios para o controle do agravo, o pesquisador destacou a dificuldade para a realização do tratamento a longo prazo e acompanhamento dos cães tratados, a falta de fármacos que garantam a eficácia do tratamento, bem como a redução do risco de transmissão e a cura parasitológica (que elimina por completo o parasita do organismo), e o risco de indução à seleção de cepas resistentes aos medicamentos disponíveis. “Atividades de educação em saúde, a notificação e o tratamento dos casos em humanos e a realização de estudos entomológicos, parasitológicos e ecológicos também são ações fundamentais para o controle da doença”, reforçou. 

Sobre a semana

A Semana Nacional de Controle e Combate às Leishmanioses foi instituída em 2012, com o objetivo de estimular ações educativas e preventivas e promover debates sobre as políticas públicas de vigilância e controle dos agravos. O período que inclui o dia 10 de agosto faz referência à data de nascimento do médico e cientista brasileiro Evandro Chagas, responsável pela descoberta dos primeiros casos de leishmaniose visceral em humanos no Brasil.

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