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08/03/2010

Marcador pode indicar evolução cardíaca da doença de Chagas

Bruna Cruz


Dez a 20 anos. Este é o tempo que pode levar para a fase crônica mais comum da doença de Chagas – a indeterminada (não apresenta sintomas) – se manifestar e evoluir para as formas clínicas cardíaca ou digestiva. Ao tentar entender melhor porque alguns pacientes desenvolvem uma das formas sintomáticas da doença, pesquisadores do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães (CPqAM/Fiocruz Pernambuco), identificaram marcadores imunológicos que podem ser usados para predizer que forma clínica sintomática o paciente tem tendência a desenvolver. “Quanto mais cedo isso acontecer, melhor para o paciente, pois ele poderá ser acompanhado e receber o tratamento adequado desde o início dos sintomas”, comentou a biomédica Virgínia Lorena, vice-coordenadora do Serviço de Referência em Doença de Chagas da Fiocruz PE.


 Virginia: as análises demonstraram a produção de um alto nível das citocinas IFN-γ e TNF-α nas amostras que tinham a forma cardíaca grave, quando comparado aos portadores da forma indeterminada

Virginia: as análises demonstraram a produção de um alto nível das citocinas IFN-γ e TNF-α nas amostras que tinham a forma cardíaca grave, quando comparado aos portadores da forma indeterminada


Durante a realização da sua tese de doutorado em saúde pública pela Fiocruz PE, ela analisou a relação da produção de citocinas e as formas crônicas cardíaca e indeterminada da doença de Chagas. As citocinas são proteínas encontradas nas nossas células, que são responsáveis por desencadear as defesas do organismo. O sangue de 39 pacientes foi cultivado com os antígenos recombinantes CRA e FRA, específicos do Trypanosoma cruzi, parasito causador da doença.


“Nossas análises, por meio de uma técnica chamada citometria de fluxo, demonstraram a produção de um alto nível das citocinas IFN-γ e TNF-α nas amostras dos pacientes que tinham a forma cardíaca grave da doença, quando comparado aos indivíduos portadores da forma indeterminada”, explicou Virgínia. Ela conta que o próximo passo é continuar acompanhando os indivíduos que tem a forma indeterminada. “Precisamos fazer isso por mais alguns anos para confirmar se realmente as citocinas IFN-γ e TNF-α têm a capacidade de funcionar como marcadores de prognóstico, ou seja, se, durante esse período, apresentam-se em níveis mais elevados e se esses indivíduos (que atualmente estão assintomáticos) começam a apresentar sinais de doença cardíaca”, comentou Virgínia. Os voluntários que participaram da pesquisa são pacientes do Ambulatório de Doença de Chagas do Hospital Oswaldo Cruz (Huoc) da Universidade de Pernambuco (UPE), parceiro da Fiocruz PE nos estudos sobre a enfermidade.


O teste, que precisará ser aperfeiçoado nos próximos anos, é considerado prospectivo e pode vir a ser uma ferramenta de indicação de tratamento precoce e de melhoria de qualidade de vida dos pacientes chagásicos. O estudo faz parte do projeto que está investigando marcadores de prognóstico para as formas severas da doença de Chagas, com financiamento de Biomanguinhos/Fiocruz e do CNPq. O trabalho, orientado pela pesquisadora Yara Gomes, do Departamento de Imunologia da Fiocruz PE, foi apresentado no Simpósio Internacional Comemorativo do Centenário da Descoberta da Doença de Chagas, realizado em julho, no Rio de Janeiro.


Doença precisa de vigilância em Pernambuco


Pesquisa recente realizada pelo CPqAM/Fiocruz mostrou que Pernambuco ocupa o segundo lugar em número de casos de doença de Chagas registrados no país. Dos 2.476 casos confirmados de 2001 a 2006, 302 foram no estado, que ficou atrás da Bahia (501) e na frente do Rio Grande do Norte (245), Rio Grande do Sul (182) e Pará (177). Os dados analisados foram coletados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.


Os municípios pernambucanos com maior número de  casos no mesmo período são Carnaubeira da Penha (25), Salgueiro (13) e Serrita (10), com Recife apresentando apenas quatro casos notificados. Contudo, o registro das mortes pela doença demonstra maior concentração em Recife (260 dos 1.340 casos) do que em outros municípios.


“Essas informações precisam ser vistas com cuidado, pois os registros da ocorrência e do óbito pela doença nem sempre correspondem ao local onde ela foi contraída, como mostra o elevado número de óbitos no Recife, que não é área endêmica. Os pacientes moram ou são encaminhados para a capital do estado para receber tratamento”, comentou Suellen Braz, mestranda em saúde pública do CPqAM. O trabalho também foi apresentado no Simpósio Internacional Comemorativo do Centenário da Descoberta da Doença de Chagas, realizado em julho, no Rio de Janeiro.


Mortalidade


Mesmo tendo recebido a certificação internacional da eliminação da sua transmissão em 2006, a doença de Chagas continua sendo uma das importantes causas de morte no país. Em Pernambuco, pouco se sabe sobre o perfil dos que morrem com a doença. Pesquisa realizada pelo CPqAM/Fiocruz mostrou que de 2000 a 2006 ocorreram 738 óbitos no estado, uma média de 123 casos/ano. O trabalho recebeu menção honrosa do Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva.


A maioria dos óbitos ocorreu em pessoas acima de 60 anos (61,2%) e na faixa etária de 40 a 60 anos (31,7%). Os homens (61,1%) faleceram mais do que as mulheres (31,9%). “A mortalidade elevada de idosos indica que chagásicos nessa faixa etária devem receber atenção prioritária”, explica Romero Vasconcelos, integrante do Serviço de Referência em Doença de Chagas do CPqAM/Fiocruz.


De acordo com Vasconcelos, as informações são importantes para o planejamento da atenção ao portador da doença no estado, pois 37,9% das mortes ocorreram na Região Metropolitana do Recife, 29% no Sertão e 18% na Zona da Mata. “Recursos e treinamento de pessoal devem ser destinados ao cuidado dos pacientes em todos os níveis de atenção para que haja um melhor acompanhamento e redução de mortes de pacientes que provavelmente se contaminaram nos anos 1960 e 1970”, concluiu. Os dados da pesquisa foram coletados no Sistema de Informação sobre Mortalidade da Secretaria de Saúde de Pernambuco. O trabalho foi orientado por Yara Gomes e Clarice Lins.


Publicado em 5/3/2010.

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