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20/04/2005

Neurocientista conta como macaca controlou braço mecânico com o pensamento

Adriana Melo


"Ser cientista é continuar a ser criança e ser pago para isso". Com esta frase o neurocientista Miguel Nicolelis começou sua palestra na cerimônia de abertura do ano acadêmico do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), na terça-feira (22/03). Médico formado pela Universidade de São Paulo, Nicolelis é hoje co-diretor do Departamento de Neuroengenharia da Universidade Duke, nos Estados Unidos. Ele lidera o laboratório onde, pela primeira vez, a atividade de muitas células neurais foi registrada ao mesmo tempo. A monitoração da atividade dos neurônios levou os cientistas a um feito ainda mais impressionante: ensinar macacos rhesus a controlar o movimento de um braço mecânico com a força do pensamento. "A ciência deve ser um meio de transformação social", disse Nicolelis. A aula sobre a pesquisa - que pode revolucionar o tratamento de pessoas com lesões no cérebro ou na medula - foi aplaudida por minutos seguidos por quem esteve no auditório do Pavilhão Arthur Neiva.


Até pouco tempo atrás só era possível medir a atividade de um neurônio de cada vez. "Era como ouvir uma única voz em uma ópera, ou estudar no Universo uma estrela de cada vez", comparou. "Para entender a sinfonia neural é preciso medir a atividade de muitas células ao mesmo tempo". Em 1995, a equipe de Nicolelis conseguiu monitorar os sinais de cerca de 50 neurônios; hoje já é possível monitorar 500 de cada vez.


Os pesquisadores começaram implantando microeletrodos - cada um menor que o diâmetro de um fio de cabelo - nos lobos frontal e parietal de Aurora, a primeira rhesus utilizada no experimento. Esses locais foram escolhidos porque controlam movimentos musculares complexos. A atividade das células neurais foi medida enquanto Aurora jogava uma espécie de videogame. "O macaco adulto adora jogar e joga para ganhar", disse Nicolelis. Aurora controlava um cursor com um joystick e tinha que acertar alvos que apareciam na tela fazendo a melhor trajetória no menor tempo possível. Ao acertar, ganhava um gole de suco de laranja. Enquanto isso, modelos matemáticos desenvolvidos pela equipe tentavam reproduzir num braço mecânico de precisão milimétrica os mesmos movimentos feitos pelo braço de Aurora. "A máquina aprendia ao mesmo tempo que a macaca", disse Nicolelis.


O passo seguinte foi retirar o joystick de Aurora. A partir daí, era o braço mecânico, em uma outra sala, que movia o cursor a partir das ordens dadas pelo cérebro da rhesus. No começo, ela continuava mexendo o braço no vazio para manipular o cursor. Mas, em um tempo surpreendentemente curto, percebeu o movimento do cursor não dependia disso. "Em poucos dias ela já fazia quase tudo certo e bebia litros de suco de laranja", contou Nicolelis.


Aurora aprendeu a assimilar o braço robô como se fosse seu próprio braço. Mas o mais impressionante foi que as propriedades das células mudaram: neurônios que se relacionavam com o movimento do braço passaram a não ter relação nenhuma com o movimento do braço mecânico. Em compensação, outras áreas que não eram ativadas passaram a ser. Isso mostra que, ao contrário do que se pensava, o cérebro adulto tem uma capacidade de adaptação tão grande que permite incorporar um artefato externo como se fizesse parte do corpo.


"Aurora passou a agir como se tivesse três braços. Ao mesmo tempo em que jogava com o braço robô, se coçava ou cutucava o dedão do pé com os outros", disse. O tempo inteiro incorporamos ferramentas como se fossem parte do nosso corpo. A raquete é a extensão do braço do tenista, o piano é a extensão dos dedos do músico. A diferença é que o braço robô é controlado apenas pela vontade, sem trabalho muscular.


A mesma técnica poderá ser usada para tratar pacientes que sofreram lesão irreversível na medula espinhal. É uma alternativa às pesquisas que tentam reconstruir axônios danificados. "Poderemos retirar sinais da região motora do cérebro e realizar movimentos com artefatos robóticos". O cientista vai além de braços mecânicos. "Podemos desenvolver um exoesqueleto, como se fosse uma segunda pele: o robô carrega o paciente", sonha o pesquisador. E reitera a frase do começo da palestra: "Para ser cientista é preciso acreditar que o impossível é factível".

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