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25/03/2020

Estudo analisa causas de óbito no Sistema Penitenciário do RJ

Informe Ensp


Um estudo inédito, realizado pelo grupo de pesquisa em Saúde nas Prisões da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), e coordenado por Alexandra Sánchez, por meio de cooperação técnica com o Ministério Público/RJ, analisou as causas de óbito no Sistema Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro (2016-2017). Os resultados apontam que as doenças infecciosas foram responsáveis por 30% das mortes na população carcerária, seguidas pelas doenças do aparelho circulatório (22%), causas externas (12%) e as doenças do aparelho respiratório (10%). Dentre as infecciosas, destacam-se HIV/Aids (43%), tuberculose (40,7%) e septicemias (13%). Considerando os óbitos com menção à tuberculose em outras linhas da declaração de óbito, esse porcentual se eleva para 52%.

Quando comparada às taxas da população geral do estado após padronização, embora as taxas globais de mortalidade sejam similares, o levantamento da Ensp/Fiocruz, financiado pelo Inova Fiocruz e pelo CNPq, mostrou que os óbitos por doenças infecciosas foram três vezes mais frequentes na população carcerária do que na população do estado. As pessoas presas têm risco de cerca de nove vezes superior ao da população geral de morrer por tuberculose (TB), cinco vezes maior de coinfecção TB/HIV e três vezes superior de morrer de HIV e suas complicações. 

“A pesquisa permitiu ainda dar visibilidade a agravos crônicos implicados nas mortes, porém totalmente ausentes nas declarações de óbito, como a diabetes mellitus, que, após nossa revisão, contribuiu com 7,7% dos óbitos, além dos transtornos mentais associados a mortes por agressão. O estudo da trajetória dos pacientes permitiu melhor compreender os aspectos que contribuíram para a evolução fatal desses casos, em especial naqueles portadores de doenças evitáveis, tratáveis e potencialmente curáveis”, destacou a autora.

O baixíssimo porcentual (0,7%) de casos que evoluíram para óbito em serviços extramuros (maior complexidade) ilustra a barreira existente para atendimento da população encarcerada nos hospitais públicos, mesmo para casos graves, tais como septicemia, cetoacidose diabética, traumatismo craniano, insuficiência renal, infarto agudo do miocárdio, o que contraria os preceitos do Sistema Único de Saúde (SUS) e as leis do país.

O ambiente confinado, mal ventilado e superlotado das prisões favorece a disseminação de doenças de transmissão aérea com o TB. A restrição ao uso da água, falta de material de higiene pessoal e de local apropriado para lavagem e secagem das roupas contribui de maneira importante para a proliferação de doenças de pele como micoses, escabiose que pode ser superinfectada por bactérias, além de furunculose, impetigo dentre outras, que não raro servem de porta de entrada para bactérias que irão originar as graves septicemia que levam muitos ao óbito. 

“Em relação à tuberculose, considerando que se trata de doença de fácil diagnóstico e tratamento, com teste diagnóstico de última geração disponibilizado de forma gratuita pelo [Ministério da Saúde] MS, evidentemente as más condições ambientais das prisões desempenham importante papel na disseminação da doença. Porém, o que é determinante para a evolução para o óbito é a dificuldade de acesso do paciente ao diagnóstico e tratamento e a falta de resolutividade do serviço de saúde intramuros, associado à impossibilidade de acessar serviços extramuros em casos de maior complexidade”, analisou Sánchez. 

Esse estudo evidencia um quadro grave de desassistência, com serviços intramuros insuficientes e pouco resolutivos, além do não acesso dos pacientes presos a serviços extramuros, resultando em um excesso de mortes por doenças potencialmente curáveis. Evidencia ainda a não inclusão da população encarcerada no SUS, apesar da existência de políticas com esse objetivo desde 2006 (Plano Nacional Saúde no Sistema Penitenciário – PNSSP e, mais recentemente, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Presas - PNAISP, 2014). 

Os resultados desse estudo têm contribuído, por exemplo, para a reorganização da atenção à saúde nas prisões do Rio de Janeiro, especialmente no que se refere ao acesso ao diagnóstico e tratamento da TB.  

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