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29/11/2024

Ecoansiedade: pesquisadora explica como mudanças climáticas podem afetar a saúde mental

Gustavo Mendelsohn Carvalho (Agência Fiocruz de Notícias)


Entre as diversas questões discutidas na 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29, realizada de 11 a 22 de novembro, em Baku, no Azerbaijão), também foram abordados os impactos da degradação ambiental na saúde mental das populações. Algumas pessoas estariam sendo acometidas por uma profunda sensação de perda, frustração e preocupação quanto ao próprio futuro e das próximas gerações. Vítimas de um sofrimento potencializado por um sentimento de culpa e impotência, ao perceberem que não podem fazer o suficiente para melhorar a situação do planeta. Esse conjunto de fatores caracterizam um quadro de desconforto mental, cujo alcance social se amplia cada vez mais. Foi descrito primeiramente, em 2017, pela Associação de Psicologia Americana, desde então é designado como ecoansiedade, e mais recentemente também é chamado de ansiedade climática.

Pesquisadora da Fiocruz explica que o termo ansiedade climática não é o mais adequado para caracterizar o impacto desses fatores na saúde mental das populações, uma vez que delimita sua origem às alterações no clima (foto: Getty Images)

 

A psicóloga Jaqueline Assis é pesquisadora do Núcleo de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas da Fiocruz Brasília, onde sua atuação profissional na área de psicologia clínica e políticas públicas, como ela diz, “sempre foi transversalmente perpassada pela reflexão sobre questões ambientais”. Esse interesse se intensificou a partir de 2012, quando trabalhou na Coordenação Nacional de Saúde Mental do Mistério da Saúde, dedicando-se especificamente à saúde indígena. A experiência consolidou a convicção de que “sem considerar as mudanças climáticas e outras questões relacionadas à terra e ao território, não é possível criar estratégias para que o [Sistema Único de Saúde] SUS garanta qualidade de vida e bem-estar dessa parcela da população, que tem uma existência muito mais próxima do meio ambiente que outras”.

Nesse período, Jaqueline envolveu-se cada vez mais com as questões agrárias, ampliando sua atuação junto a comunidades tradicionais do campo e das florestas. “Aí você vê porque atualmente os problemas ambientais são associados às mudanças climáticas: numa estação de seca muito grande, ou com chuvas muito intensas, o tempo de plantio, o tempo para construir uma casa, o tempo de pegar no batente, todos os hábitos de vida se modificam”. A partir de suas observações, ela questiona a utilização do termo ansiedade climática para caracterizar o impacto desses fatores na saúde mental das populações, uma vez que delimita sua origem às alterações no clima. Para a pesquisadora, o conceito de ecoansiedade permite ampliar a reflexão, incluindo o conjunto de questões ambientais envolvidas. “Não é o clima que interfere na Terra, que interfere nas águas, estamos falando também das ações humanas e de outros tantos fatores que geram mudanças no meio ambiente e na vida das pessoas”.

Ela enfatiza que os povos da floresta sofrem com essa interferência desorganizadora dos seus modos de vida há muito tempo, e que, atualmente, também as populações da cidade começam a sentir consequências muito fortes dessas mudanças. A pandemia da Covid-19, é um exemplo disso, que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertar que mutações de vírus podem ocorrer muitas vezes nos próximos anos devido às mudanças no meio ambiente, afetando a saúde e os hábitos cotidianos das populações. Jaqueline traz na lembrança a resposta de um líder indígena quando perguntado sobre sua visão do fim do mundo: “em nossa cosmovisão a gente não vê o mundo acabando, a gente não teme, mas as pessoas que acham que os alimentos vêm do supermercado devem sofrer muito nos próximos anos”. Para a psicóloga, “com ironia, ele diz que, se não cuidarmos das questões ambientais, vamos sofrer muito e começamos a sentir o efeito no mercado, já não compro frutas, legumes e outros alimentos do jeito que eu gostaria, o arroz, por exemplo, precisa ter o preço subsidiado pelo governo, porque o plantio foi afetado pela enchente no Rio Grande do Sul”.

Para compreender nosso papel diante das mudanças climáticas, a pesquisadora sugere a uma abordagem utilizando o conceito ecossistêmico de vida, defendido por autores como o neurobiólogo chileno Humberto Maturana (1929/2021) e o filósofo francês Edgar Morin (1921). “Eles falam de um modo de vida integrado, que é organizado de forma ecossistêmica, ou seja, não somos dominadores da natureza, nós vivemos, atuamos e somos parte dela”, explica. Na medida em que agimos sobre a natureza, ela encontra formas de reagir. Ela afirma que essa reação “pode ser harmônica ou tempestuosa, é um organismo vivo, em busca de sua autopreservação”. Mais uma vez ela recorre à sabedora dos povos tradicionais, “ouvi certa vez uma metáfora que ilustra bem essa situação: a tempestade não está no mundo para castigar o peixinho, é para garantir a saúde do oceano, só que o peixinho sofre com a tempestade”.

Estamos em um mundo que passa por grandes mudanças, “e mudar é ansiogênico”, afirma Jaqueline, “o termo ansiedade significa uma preocupação eminente, estar ansioso é estar preocupado, e isso traz algumas reações que podem ajudar a nos preservarmos do perigo, se essa preocupação se torna excessiva, se torna um fator adoecedor”. Isso provoca reações, inclusive fisiológicas, como: suor, palpitações, falta ou excesso de fome, insônia. Segundo ela, “as mudanças climáticas estão causando tantas preocupações que já podemos falar de um quadro de ansiedade climática ou de ecoansiedade, mas do ponto de vista da evolução da espécie, quando aprendemos a lidar com a mudança, ela deixa de ser ansiogênica e passa a ser parte do nosso cotidiano novamente”. 

Jaqueline defende que é possível encontrar modos de viver que reduzam os danos causados ao meio ambiente, há séculos, pelo modelo dominante em nossa organização social, cultural, política e econômica, “queremos evitar que a reação diante das transformações ambientais tome proporções de um transtorno de ansiedade generalizada e paralisante, com um nível de sofrimento psíquico muito alto”. Ela assinala que os sintomas causados pelas mudanças climáticas são os mesmos de outras formas de ansiedade, e que lidar com esses transtornos vai muito além da atenção à saúde individual. “Não basta recomendar um processo terapêutico, a consulta a um psiquiatra, ou o uso de ansiolíticos e outros tipos de medicamentos, como coletividade temos que entender os fatores envolvidos, manter a esperança e estimular a cooperação de todos, juntando forças e recursos para mudar a situação”.

Entre os fatores que contribuem positivamente para a recuperação e preservação da natureza, a pesquisadora cita a pressão dos ativistas de organizações e movimentos ambientalistas, as tentativas dos países para promover acordos multilaterais em encontros como a COP29, além dos esforços da comunidade científica para ampliar o conhecimento e desenvolver tecnologias para a superação dos desafios que ameaçam a vida no planeta. Ela também reconhece a atuação do SUS no acolhimento e atendimento de pessoas que sofrem com sintomas de ansiedade ambiental, ressaltando que é “necessário investir na adequação dos equipamentos e nos processos de acesso a informações e de capacitação das equipes envolvidas”.

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