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11/08/2017

Paternidade pode promover igualdade de gênero e saúde

Luiz Felipe Stevanim (Revista Radis)


- Filho, como você vê o mundo? Sente medo do futuro? Terá força e coragem para caminhar? Vejo você pequenino ainda sem nada compreender, mas a tudo sentir. Vejo sua brincadeira pela casa, seus cadernos de estudo, sua esperança, suas frustrações. Vejo você no futuro como um espelho. Sente-se aqui para ouvir algumas histórias de como a paternidade pode transformar vidas, modificar relações e olhares sobre o mundo. Pai que é pai cuida e sente. Mas o assunto muitas vezes é tabu: existem 5 milhões e meio de alunos sem o nome do pai no registro de nascimento, segundo o Censo Escolar de 2011. Além disso, muitos pais não conseguiram acompanhar o parto de seus filhos ou tiraram apenas cinco dias de licença paternidade (ou nem isso!), deixando de viver esse momento essencial para criar vínculos afetivos e de cuidado com suas crias. Falar de paternidade é também tratar de igualdade de gênero e de saúde, pois paternidade e cuidado fazem parte da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. Mas seus olhos têm esperança, meu filho! Vamos também falar dela.

De provedor a pai

“É um direito da criança ter ambos os pais envolvidos no seu desenvolvimento”. Essa é a defesa de Viviane Castello Branco, médica pediatra e mestre em Saúde Coletiva, coordenadora do Comitê Vida, criado no Rio de Janeiro em 2001 para promover políticas públicas voltadas para saúde e direitos reprodutivos. Um dos temas centrais abordados pelo grupo, que envolve diferentes áreas de atuação, ONGs e militantes do assunto, é a valorização da paternidade. “O que a gente vem tentando discutir é como a política pública pode contribuir para que o homem tenha mais envolvimento nas ações de cuidado. Às vezes ele participa de uma forma mais tradicional, apenas como provedor da família”, explica Viviane, que também integra o Movimento pela Valorização da Paternidade.

Uma das iniciativas realizadas pelo Comitê Vida é a promoção do Mês de Valorização da Paternidade, em agosto, que chega à sua 16ª edição em 2017. O grupo estabeleceu 10 passos para ampliar a participação do pai nas políticas públicas, que inclui acolher os homens, valorizando suas capacidades, e incentivar sua participação no pré-natal, no parto e no pós-parto. Segundo Viviane, mesmo aquele homem que quer participar encontra muitas barreiras nas unidades de saúde. “As pessoas às vezes têm histórias dolorosas sobre seus pais e isso se confunde no serviço. Além disso, normalmente as unidades estão sobrecarregadas e encaram esse envolvimento como mais trabalho”, destaca. Para ela, os profissionais de saúde têm dificuldade de enxergar que a presença do pai terá um impacto positivo para a criança, a mulher e o homem.
 
Homem também faz pré-natal

O vínculo do pai deve ir além daquela figura de autoridade do lar, que apenas provê o sustento. “O que essa proposta busca valorizar é que o pai tenha uma participação mais afetiva, que se envolva nas coisas concretas da vida, como dar banho, acordar de noite, levar à escola, conversar, ler um livro e ter preocupação com os sentimentos dos filhos”, explica a pediatra. Segundo ela, quando o homem se permite mergulhar um pouco mais no universo doméstico, ele também passa a entrar mais em contato com suas emoções e sentimentos e também se torna um exemplo melhor para os filhos. “Ele liberta a menina para ser o que ela quiser e educa o menino, por meio do exemplo, para ele fazer o mesmo no futuro”, reflete.

A participação do homem no pré-natal ajuda a melhorar as condições de saúde da mãe, do bebê e do próprio pai. Por essa razão, o Pré-Natal do Parceiro é considerado uma estratégia da Paternidade e Cuidado, um dos eixos da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem — que completa 10 anos em 2018. “A partir do momento que está envolvido no pré-natal, ele começa a ajudar na alimentação da mulher, a entender o que tem que fazer para cuidar da criança, que ele não pode fumar dentro de casa, isso vai mergulhando o homem no universo do cuidado com a saúde, que é tradicionalmente mais feminino”, pontua Viviane. 

Também é um momento para fazer com que os homens acessem o serviço de saúde, o que com frequência ainda é uma barreira. É hora de convidar o futuro pai a fazer exames de rotina, realizar o teste de HIV, sífilis e hepatite C e atualizar as vacinas. “Quando o pré-natal envolve o casal, ouvindo cada um, fazendo os exames e dando oportunidade de cada um ter também seu momento de privacidade, isso melhora os vínculos e a questão da saúde”, enfatiza. Para Viviane, em geral a abordagem dos serviços de saúde ao invés de “capturar” os homens, afasta. “É uma abordagem de cobrança e não de reconhecimento dos valores e das possibilidades desse homem. A discussão da paternidade aproxima os homens de uma forma mais desarmada, mais afetuosa, para esse envolvimento”.

Colocar mais uma cadeira na sala do pré-natal, destinada ao acompanhante da mulher, é um tipo de ação simples, mas que pode fazer toda a diferença no acolhimento dos homens nas unidades de saúde. Também é preciso vencer um paradigma de cuidado centrado apenas na questão materno-infantil, o que exclui os pais. “Um consultório com apenas duas cadeiras [apenas para o médico e a paciente] por si só já é excludente”, ressalta a pediatra. Porém, ela lembra que as ações de inclusão da presença do pai não podem ser burocráticas. “Se a gente entende que isso mexe com os sentimentos dos profissionais, com a cultura institucional, com as normas de gênero da sociedade, precisamos ser cuidadosos nessa abordagem”, considera.

Ainda assim, a maioria dos profissionais de saúde que realizam as consultas de pré-natal focam suas orientações principalmente na gestante. Esse é um dado da pesquisa Saúde do Homem, Paternidade e Cuidado no Brasil, de 2017, realizada pelo Ministério da Saúde com homens ou cuidadores que assumiram a figura paterna e que acompanharam o pré-natal, parto e pós-parto de crianças nascidas no SUS. A pesquisa revela que mais da metade dos homens (56,8%) diz que o foco do pré-natal é apenas a gestante, o que mostra a invisibilidade do pai, mesmo quando ele está presente. Outro dado importante é que 4 de cada 5 homens pesquisados não participaram de nenhuma palestra, roda de conversa ou curso sobre cuidados com o bebê durante o pré-natal, nem tiveram exames de rotina solicitados.

Os dados também apontam para a ausência do pai nesse momento da gestação e do parto. Um de cada quatro homens pesquisados não esteve ao lado de sua parceira nas consultas de pré-natal. O principal motivo foi que precisavam trabalhar (78,6%). Também cerca de um em cada três pais não acompanhou o nascimento do seu filho. Um dado alarmante é o principal motivo alegado: quase um terço (31,8%) disseram que o serviço não consentiu acompanhante, o que contraria a Lei 11.108 de 2005. Conhecida como Lei do Acompanhante, ela determina que hospitais e maternidades são obrigados a permitir a presença de um acompanhante indicado pela gestante em todas as etapas da gestação, no parto e no pós-parto.

Valorizar os afetos

No lugar da couraça de homem que não chora, entra o homem que está aprendendo a amar. “As gerações anteriores valorizavam a paternidade provedora e autoritária. É o momento de a gente incentivar a afetividade e as relações amorosas em nossa vida”, aponta a psicóloga e professora do Curso de Terapia Ocupacional da UFRJ, Maria Luiza de Carvalho. Ela estudou o tema da paternidade em seu doutorado e defende que a tarefa do cuidado não é inerente à mulher, como o senso comum costuma dizer, mas sim uma potencialidade humana. “Cuidar é uma potência humana, mas que precisa de condições para se desenvolver”, explica, ao dizer que é preciso superar a cultura de que o homem não sabe cuidar.

Segundo Luiza, para meninos e meninas, aprender com a afetividade de um homem é muito importante, porque possibilita o surgimento de futuros adultos com mais liberdade em seus sentimentos, o que pode trazer melhores condições de saúde. “A gente precisa superar a figura do pai como autoridade e que deve estar distante. Homem pode chorar e ficar abraçado com seu filho”, ressalta. Ela aponta que a sociedade contemporânea vive um momento de transição de gênero, porque ao mesmo tempo em que convivemos com modelos duros de masculinidade, surgem pais que carregam o bebê no colo e assumem as tarefas do cuidado.

Em sua pesquisa, ela acompanhou as histórias de 16 pais de diferentes classes sociais que assumiram o cuidado com os filhos, por alguma razão de ausência da mãe. A conclusão a que chegou ouvindo esses relatos de vida é que os homens em geral não aprendem a praticar as ações de cuidado, mas que podem explorar essa potência. “Todos eles diziam que não sabiam cuidar, não se sentiam capazes, pois não aprenderam desde cedo. Mas acabaram descobrindo que ‘levavam jeito’”, comenta. Um dos desafios para ela é que os homens não reconhecem a tarefa doméstica como trabalho. Com isso, o fato de cuidar de seus filhos pode com frequência afetar a sua autoestima, porque ele perde espaço na posição de provedor. “Cabe a nós, profissionais de saúde, ajudar esses homens a valorizar a tarefa doméstica, porque para muitos essa é uma tarefa menor”, analisa.

Ela conta ainda que cuidar dos filhos passou a ser a coisa mais importante para esses pais que entrevistou, até para arrumar uma namorada. “Eles contavam que para escolher uma companheira eles pensavam primeiro nos filhos. O vínculo com os filhos passou a ser prioridade, coisa muito comum entre as mulheres”. Ela enfatiza que esse tipo de cuidado é sempre delegado às mulheres, mas que é preciso abrir espaço no cotidiano para desconstruir os estereótipos de gênero. “O amor é transformador e ultrapassa as barreiras biológicas”, conclui.

Leia a reportagem completa no site da revista Radis

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