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20/04/2012

Pesquisador alerta para risco de extinção da toninha

Elisa Andries


Uma das menores espécies de golfinhos existentes no planeta, a toninha (Pontoporia blainvillei) está em risco de extinção. A captura acidental por redes de pesca desse tipo de cetáceo odontoceto – mamífero aquático que passa toda a sua vida na água e tem dentes – é a grande vilã. O Globo apoia o projeto de monitoramento das populações de toninhas, projeto da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) coordenado pelo biólogo e pesquisador Salvatore Siciliano, iniciando neste domingo (22/4) uma campanha de ampla cobertura, além de iniciativas de preservação do cetáceo, que incluem  divulgação de reportagens e atividades de conscientização nas praias do Rio. Para falar sobre as toninhas e a campanha de preservação, o Informe Ensp conversou com o biólogo Salvatore Siciliano, pesquisador da Escola, que comanda o Grupo de Estudos de Mamíferos Marinhos da Região dos Lagos (Gemm-Lagos), cujo propósito é avaliar os efeitos da poluição e da degradação dos hábitats sobre a fauna marinha. Abaixo, a entrevista com Siciliano e aqui mais informações sobre a parceria com O Globo.

 

Por que as toninhas estão em risco de extinção? Onde podem ser encontradas?

 

Salvatore Siciliano:
As toninhas estão em risco de extinção por causa das elevadas taxas de capturas acidentais em redes de pesca. Essa tem sido a principal razão da diminuição das populações ao longo dos anos. Apenas no litoral do Rio Grande do Sul, estima-se que pelo menos mil toninhas morram todos os anos em redes de pesca. Caso continue neste ritmo, as populações de toninhas entram em colapso em menos de 20 anos. Além disso, a degradação dos ambientes costeiros vem contribuindo ainda mais para aumentar esse risco. As toninhas são muito sensíveis à poluição das praias, ruído de embarcações e construções portuárias. As toninhas são exclusivas de uma faixa estreita de costa, e podem ser encontradas desde Itaúnas, no Espírito Santo, até a Bahía Blanca, na Argentina. Para um cetáceo, essa é uma distribuição relativamente pequena em uma região geográfica. A maioria dos cetáceos tem ampla distribuição pelos oceanos; ao contrário das toninhas, que se restringem até a profundidade de 30 metros.


Como surgiu a ideia de fazer das toninhas um dos símbolos da Rio+20?

 

Siciliano:
O Plano de Ação Nacional para a Conservação da Toninha, do Instituto Chico Mendes (ICMBio), publicado em 2010, já apontava como uma de suas ações a "promoção da inserção da toninha na mídia nacional". Eu sou o interlocutor dessa ação, ou seja, faço a articulação com vários veículos para a toninha entrar na mídia, uma espécie de bandeira. O que é isso? Todo mundo conhece o mico-leão-dourado, as tartarugas marinhas e o tamanduá-bandeira. Isso foi uma ação planejada de divulgação que rendeu bons resultados. Dessa forma, reconhecemos que a toninha trata-se de uma ilustre desconhecida da população em geral. Acho que chegou a vez dela. A parceria com O Globo foi muito feliz em identificar essa necessidade apontada no plano de ação e o nosso desejo de popularização da toninha.


Quais serão as principais ações dessa campanha que começa neste domingo?

 

Siciliano:
Vamos fazer a toninha ser conhecida; ela está aqui bem ao nosso lado e não sabíamos. E ainda corremos o risco de perdê-la em muito pouco tempo. Nossa "estrela" não gosta de barulho nem de água poluída, e as redes de pesca são um grande risco para elas. Não é por acaso que as toninhas estão na categoria mais elevada de risco de extinção. O momento de mudar o quadro é esse; ou revertemos esse cenário ou vamos entrar numa triste lista de países que não cuidam adequadamente da sua biodiversidade. Isso seria uma tremenda contradição com o próprio evento que iremos sediar em junho.


O Parque Nacional de Jurubatiba está fazendo 14 anos. Quais são seus principais objetivos? É aberto ao público?


Siciliano: O Parque de Jurubatiba é um dos maiores tesouros do nosso estado. Costumo dizer que ele será o testemunho do que já foi a região costeira do Estado do Rio no início do século passado. Quer imaginar o que já foi a Barra da Tijuca e o Recreio antes de toda a sua ocupação? Visite Jurubatiba e você vai entender. Parques nacionais servem ao turismo controlado, como o da Tijuca e Serra dos Órgãos. Além disso, as restingas são ecossistemas muito ameaçados. Em Jurubatiba se preserva um pouco mais de 40 mil hectares desse ambiente sem igual. E mais: a zona costeira adjacente ao parque abriga uma população de toninha que também precisa de proteção. Afinal, ali ainda se pesca regularmente com redes, e a área está sob enorme pressão dos empreendimentos costeiros em implantação no norte fluminense.


Como a sociedade pode contribuir para reverter o quadro de risco de extinção das toninhas?


Siciliano: Cuidamos daquilo que temos apreço, não é verdade? Quando a sociedade se der conta do que estamos perdendo em troca de um modelo de desenvolvimento bastante questionável, aí sim "amanhã vai ser outro dia" para as toninhas.


Caso elas desapareçam, quais são as consequências para o ambiente marinho?


Siciliano: Essa é uma pergunta difícil de responder. Algumas  espécies de baleias foram caçadas no século passado e chegaram quase à extinção, com reduções de mais de 90% da população original. Não conseguimos avaliar os efeitos dessa drástica redução nas populações de baleias no ecossistema antártico, por exemplo. Mas perder as toninhas significa tornar o ambiente mais pobre, sem um importante organismo que ali evoluiu e o mantém íntegro.


Quais são as atividades do Gemm-Lagos?


Siciliano: O Grupo de Estudos de Mamíferos Marinhos da Região dos Lagos (Gemm-Lagos) surgiu espontaneamente em novembro de 2002 com a reunião de vários pesquisadores e estudantes vinculados à Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz. Dedica-se ao estudo dos mamíferos marinhos da Região dos Lagos e norte fluminense, buscando avaliar os efeitos da poluição e da degradação dos hábitats sobre a fauna marinha. Nos anos subsequentes, os estudos passaram a contemplar as aves e os quelônios marinhos. Entendemos que os mamíferos, as aves e os quelônios marinhos formam um excelente grupo sentinela da degradação dos oceanos e, desse modo, podem igualmente contribuir para o entendimento dos efeitos nocivos da acumulação de poluentes pelo homem.


Publicado em 20/4/2012.

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