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19/10/2005

Prescrição de hemoderivado é feita em desacordo às normas protocolares

Sarita Coelho


A albumina humana - medicamento hemoderivado indicado para reposição de perdas do volume do sangue - é usada com freqüência sem que haja correspondência entre suas propriedades farmacológicas e as doenças. A informação vem de um estudo desenvolvido pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), uma unidade da Fiocruz, em um hospital da rede pública do Rio de Janeiro. De acordo com a pesquisa, mais de 60% das prescrições do medicamento foram consideradas inadequadas. As 8.000g de albumina humana mal-usadas totalizam gastos que variam entre US$ 16 mil a US$ 20 mil. Esta despesa poderia ter sido evitada nos casos em que não havia necessidade do uso do hemoderivado e naqueles em que um substituto terapêutico de custo mais baixo poderia ter sido empregado.


Os dados foram extraídos dos registros do serviço de farmácia e dos prontuários médicos de 99 pacientes que atendiam aos critérios de inclusão na pesquisa. Estes receberam 1.475 unidades de albumina humana, solicitadas em 498 prescrições entre março e agosto de 2001. A farmacêutica bioquímica Guacira Corrêa de Matos, responsável pela unidade de farmacodinâmica do Centro de Vigilância Sanitária do Estado do Rio de Janeiro, e a médica Suely Rozenfeld, da Ensp, analisaram criticamente as características de utilização da albumina humana e detectaram diversas distorções.

 


"Já existia a percepção pelos gestores de saúde do uso inadequado do produto, que é um medicamento biológico caro. A grande questão é como melhorar seus padrões de prescrição. O problema não é só o gasto desnecessário. Medicamentos biológicos são passíveis de gerar reações adversas. Pretende-se evitar também um risco desnecessário", explica Guacira, que publicou um artigo científico sobre o tema como parte de sua tese de doutorado na Ensp.


As clínicas que mais consumiram e prescreveram albumina humana foram a cirurgia geral, a cardiologia e a clínica médica. No entanto, houve discrepância entre o consumo registrado no serviço de farmácia e nas clínicas. Enquanto o primeiro dispensou 1.540 unidades do medicamento, o consumo registrado nos prontuários foi de 1.475 unidades. De acordo com a pesquisa, a cirurgia geral foi responsável pela diferença negativa de 50 das 65 unidades cujo consumo não foi localizado. As clínicas também encaminharam ao serviço de farmácia menos prescrições do que as registradas nos prontuários. A cardiologia solicitou albumina humana para 106 pacientes, mas utilizou o produto em 118 pacientes, de acordo com os prontuários.


A análise da adequação mostrou que apenas 33,1% das prescrições médicas foram consideradas apropriadas. As restantes foram classificadas como inapropriadas (61,8%), controversas (4,6%) e indeterminadas por carência de dados no prontuário (0,4%). A proporção de inadequações equivale a 8.000g de albumina humana. Os setores com maior número de inadequações foram a cirurgia geral, a cardiologia e a cirurgia vascular. No topo do ranking ficou a cirurgia geral, com 38% das prescrições inadequadas. Já a clínica médica apresentou a menor proporção de inadequação, com 15,5%.


Segundo as especialistas, os resultados indicam a necessidade de se realizar ações educativas sobre o uso da albumina humana principalmente entre as clínicas cirúrgicas. Em 2004, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou a Resolução de Diretoria Colegiada nº 115, que estabelece diretrizes para o uso terapêutico do hemoderivado. A divulgação de protocolos internacionalmente aceitos, na opinião das pesquisadoras, deve ser acompanhada por estratégias ativas de disseminação e por avaliações sobre eficiência e efetividade.


"Não adianta publicar um protocolo se você não tem estratégias de divulgação. O protocolo tem que ser aceitável, difundido e revisto periodicamente", comenta Guacira. "A valorização do protocolo e a definição de estratégias de implementação são instrumentos de melhoria da qualidade dos hospitais", completa Suely, orientadora da tese.


É possível que os dados obtidos estejam subestimados. Não foram incluídos no estudo pacientes do centro de terapia intensiva e da emergência, que consumiram juntos 44% do produto. A exclusão se deve ao fato de que seria necessária a participação de mais especialistas para avaliar a adequação do uso de albumina em pacientes críticos e também devido à ausência de prontuários médicos na emergência.


 

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