Um passo importante para o entendimento da dinâmica de transmissão das arboviroses, como dengue, zika e chikungunya, é conhecer a capacidade que os mosquitos possuem de se infectar e transmitir os vírus causadores das doenças, característica chamada tecnicamente de ‘competência vetorial’. Um estudo realizado por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) apontou que o Aedes aegypti apresenta baixa competência vetorial em relação ao vírus zika, quando alimentado diretamente em macacos infectados. O trabalho sugere que a transmissão do vírus seja muito mais impactada pela alta densidade do inseto numa determinada região do que pela capacidade vetorial do mosquito. Os achados reforçam a necessidade de se reduzir a quantidade de vetores como uma importante medida de prevenção. A pesquisa, liderada por especialistas do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários e do Laboratório de Desenvolvimento Tecnológico em Virologia do IOC, foi publicada no periódico científico Viruses [1].
'Aedes aegypti' apresenta baixa competência vetorial em relação ao zika quando alimentado diretamente em macacos que estão com o vírus na circulação sanguínea (foto: Josué Damacena, IOC/Fiocruz)Para chegar ao resultado, os pesquisadores utilizaram duas populações distintas de Aedes aegypti do município do Rio de Janeiro, das localidades de Manguinhos, na Zona Norte, e da Urca, na Zona Sul. Os insetos foram criados sob condições controladas de umidade e temperatura, na sede da Fiocruz, no Rio. Ao atingir a fase adulta, os mosquitos foram alimentados, em diferentes dias, diretamente em seis macacos rhesus (Macaca mulatta) infectados pelo vírus zika. O período de viremia, momento em que há vírus circulando no sangue do animal, se estendeu até oito dias após a inoculação.
A competência vetorial foi analisada após 3, 7 e 14 dias da alimentação dos mosquitos nos macacos com sangue infectado. Apenas em uma pequena parte dos mosquitos alimentados no pico da viremia, registrado no segundo dia após a infecção dos primatas, foi identificada com a presença do vírus. De um total de 366 mosquitos analisados, apenas 15 testaram positivo para o vírus, resultando em uma taxa global de infecção de cerca de 4%, independentemente da população de mosquitos testada. Dentre os positivos, cerca da metade registrou disseminação viral para a cabeça do inseto. No total, apenas dois dos 366 mosquitos apresentaram vírus na saliva – fator decisivo para a transmissão.
O estudo destaca que, considerados somente os mosquitos que conseguiram se infectar (15), tanto a taxa de disseminação quanto a taxa de transmissão (presença do vírus na saliva) variaram de 50 a 100%. Esse dado sugere que, uma vez infectado, o Aedes aegypti apresenta alta probabilidade de que o vírus se espalhe pelo seu corpo e possa ser transmitido.
“É provável que a transmissão do vírus zika seja mais impactada pela alta densidade do vetor do que pela capacidade de infecção do mosquito. Portanto, é fundamental o reforço da estratégia de combate à proliferação do vetor. Com dez minutos por semana é possível eliminar criadouros nas casas e interromper o ciclo de desenvolvimento do mosquito”, enfatiza o pesquisador Ricardo Lourenço, coordenador do estudo.
O pesquisador explica que quase todos os estudos de competência vetorial de mosquitos ao vírus zika são realizados com a utilização de alimentação artificial a partir de preparações de sangue de animais contendo altos níveis de vírus. No entanto, segundo ele, o presente estudo simulou o cenário mais comum da infecção dos humanos na natureza, ao realizar testes com a alimentação direta dos mosquitos em primatas, os macacos rhesus, considerados um modelo experimental mais próximo dos seres humanos para esse vírus.
O estudo também contou com a participação do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz) e do Instituto de Ciência e Tecnologia em Biomodelos (ICTB/Fiocruz). A pesquisa foi financiada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), National Institute of Health e pelo programa Horizonte 2020 da União Europeia, pelo consórcio ZIKAlliance.