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06/08/2019

Revista Radis de agosto debate o valor da universidade

Ana Claudia Peres (Revista Radis)


Patógenos, bacteriófagos e outros nomes esquisitos soavam como música aos ouvidos de Eduardo Volotão. Apaixonado por virologia, o garoto soube cedo que queria ser cientista, passar horas no laboratório, estudar os vírus e as bactérias. Fez isso por 23 anos no Brasil, desde que ingressou no curso de Microbiologia e Imunologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A aprovação em um concurso da Fiocruz, em 2006, o aproximou da epidemiologia e da saúde pública. Foi o momento mais significativo de sua carreira de pesquisador, ele diz. “Mostrou para mim que era possível sonhar cada vez mais alto”. O mais frustrante? “Ver o fim das bolsas de pesquisa em diferentes níveis e o contingenciamento das instituições de ensino e pesquisa no país”.

Há cinco meses, Eduardo trocou o Rio de Janeiro por Montevidéu, no Uruguai. Insatisfeito com a falta de investimento e a destruição das políticas públicas de ciência e tecnologia ligadas à formação de recursos humanos, decidiu acompanhar a esposa também cientista no pós-doutorado dela. Apesar da instabilidade financeir e das saudades de casa e da avó de 99 anos, Eduardo não pretende voltar. Quer tentar carreira acadêmica no exterior e trabalhar com novos projetos aplicados à realidade do Uruguai, país que vem mantendo um crescimento sustentável na sua área de interesse. “Está passando pela descentralização das universidades para o interior, o que permite maior acesso, além do foco na produção científica”, ele analisa. “A diferença maior é que eles estão em crescimento e nós, no Brasil, pegamos o caminho contrário”.

Ainda que não exista um levantamento sobre o número de pesquisadores que, como Eduardo, decidiram arrumar as malas e partir para outros países, são cada vez mais frequentes os relatos de um certo êxodo científico. Assunto recorrente no Brasil, a desvalorização da pesquisa voltou à carga este ano, desde que o Ministério da Educação (MEC) anunciou, em maio, um bloqueio de 30% no orçamento para despesas discricionárias, usadas para custear serviços como água, luz e limpeza, em todas as universidades do país (Radis 201). Ainda que o ministério tenha preferido o usar o termo “contingenciamento” e afirmado que o bloqueio era preventivo, a situação alterou a rotina universitária e atingiu em cheio os centros de pesquisa.

Some-se a isso a ameaça ao corte de bolsas de diversos níveis por parte das principais agências de fomento do país. Em todo o Brasil, cerca de 6 mil bolsas já foram cortadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), enquanto o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) — que responde pelo pagamento aproximado de 80 mil bolsistas, 11 mil projetos de pesquisa, 500 eventos científicos e 200 periódicos — informou o bloqueio de 42% de seu orçamento. Diga-se que o valor das bolsas de mestrado e doutorado estacionou em R$ 1,5 mil e 2,2 mil, respectivamente, permanecendo sem reajuste há exatos seis anos.

Para o professor e ex-reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Naomar de Almeida Filho, ouvido por Radis, enxugar orçamento, em um sistema de reduzida autonomia como as universidades, significa estrangulamento e desmonte. Na sua opinião, cortar bolsas é o mesmo que “matar o futuro”, uma vez que a reprodução de docentes e pesquisadores precisa contar com financiamento prévio para candidatos que irão repor os quadros da educação superior. “A médio prazo, teremos um êxodo de mentes talentosas e dedicadas ao ofício de produzir conhecimento”, calcula. Em alguns setores, é certo que esse êxodo já começou. No longo prazo, o professor enxerga apagões e crises, culminando “com o aumento da dependência política e econômica numa nova ordem internacional que valoriza a ciência, a tecnologia e a inovação”.

Em Montevidéu, Eduardo continua pesquisando virologia, enquanto se prepara para concursos. Estuda pelo menos quatro horas por dia e presta consultoria na área de biossegurança, mantém projetos em colaboração com grupos de pesquisa da Fiocruz-RJ e Fiocruz-AM e sente muita falta do podcast Microbiando — projeto de divulgação científica que ajudou a construir na UFRJ e que traz notícias e atualidades do mundo da microbiologia e imunologia, de maneira divertida e casual. “A grande força acadêmica está nas nossas universidades e nas instituições de pesquisa que cresceram nas últimas décadas”, diz, lamentando que projetos nacionais e internacionais tenham sido interrompidos. “Grupos se desfizeram e linhas de pesquisa foram deixadas de lado”, comenta. “O Brasil já ficou atrás na era da industrialização e corre o sério risco de também perder lugar na era tecnológica”.

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Confira também a edição completa de agosto da publicação.   

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