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07/12/2007

Sofrimento faz mal à saúde e a solução pode estar no seio da própria comunidade

Fernanda Marques


Uma ação cidadã que transcende barreiras de classes sociais e profissões, partilha os diferentes saberes e competências e promove a formação de uma grande rede solidária, com o objetivo de buscar soluções para o sofrimento e o estresse: assim pode ser descrita a terapia comunitária, tema de palestra ministrada nesta quarta-feira (6/12) pelo psiquiatra e antropólogo Adalberto Barreto, da Universidade Federal do Ceará. Com atuação de mais de 20 anos na área, o médico já formou mais de 11 mil terapeutas comunitários, que estão multiplicando essa experiência em todo o Brasil e até no exterior. Barreto contou já ter levado a terapia comunitária para países como França e Suíça, onde, segundo o palestrante, os indivíduos sofrem de uma “miséria afetiva”.


 Salão terapêutico do projeto 4 Varas, em Fortaleza

Salão terapêutico do projeto 4 Varas, em Fortaleza


O perfil do terapeuta comunitário é muito variável: vai de doutores a analfabetos. O importante é saber escutar, fazer perguntas e conduzir os encontros da terapia, que podem reunir mais de uma centena de pessoas. A idéia é que o terapeuta não seja visto como um “salvador da pátria”. “Não somos missionários nem neocolonizadores. Mas temos fé, sim: a fé de que podemos ajudar as pessoas a acreditarem mais em si mesmas”, destacou Barreto.


Tampouco os participantes da terapia devem ser encarados como pacientes. Todos são protagonistas do processo, que coloca os conhecimentos científico e popular lado a lado e enfatiza o compartilhamento das competências e potencialidades de cada um. “O outro deixa de ser um objeto passivo para se tornar um parceiro ativo”, filosofou o psiquiatra.


Após as boas-vindas aos participantes, o encontro semanal da terapia comunitária começa com a apresentação da situação-problema, que não diz respeito a uma patologia (no sentido da medicina científica), mas a uma situação de sofrimento e dor. As pessoas contam seus problemas do cotidiano, aquilo que tem lhes tirado o sono ultimamente, como a educação dos filhos, as relações familiares, o desemprego ou a violência. Depois, conjuntamente, elas escolhem qual dos casos relatos será o tema da conversa daquele encontro.


“Essa escolha é subjetiva, depende do quanto o grupo se identificou com cada situação apresentada”, explicou Barreto. O indivíduo que teve sua história selecionada passa, então, a detalhar seu problema, respondendo às perguntas dos colegas. Na seqüência, o terapeuta estimula os participantes que já viveram problema similar a contarem o que fizeram para resolvê-lo. Eles podem, inclusive, lançar mão de músicas e poesias que julguem convenientes. “As soluções surgem da partilha de experiências e do respeito às diferenças e isso ajuda a comunidade a se tornar autônoma”, garantiu.


Existem regras na terapia comunitária, como fazer silêncio enquanto o outro fala; só falar de si, em primeira pessoa; não analisar, dar conselho nem julgar. “Ao expressarem com palavras suas emoções e sentimentos, as pessoas dão vazão a suas tensões e recebem o acolhimento e as contribuições da comunidade. A palavra é remédio para quem fala e para quem ouve”, resumiu o palestrante. A partir dos encontros da terapia comunitária, vai se formando uma rede de apoio social, importante na promoção da saúde.


De acordo Barreto, o sentimento de vulnerabilidade, a falta de amigos e a reduzida auto-estima têm efeitos nefastos na saúde, resultando, inclusive, em déficit do sistema imunológico. Por outro lado, ter acesso a recursos afetivos e pertencer a uma rede de apoio social fazem bem para a saúde, como demonstram os números de uma pesquisa que avaliou os impactos da terapia comunitária em uma amostra de 12 mil participantes: somente 11,5% deles necessitaram de encaminhamento para serviços de saúde. “A terapia comunitária é um valioso instrumento de intervenção psicossocial na saúde pública”, disse o psiquiatra. “Mas ela não tem a pretensão de ser uma panacéia. Seu objetivo não é substituir os outros serviços de saúde, mas complementá-los”.


Em um balanço de 2007, Barreto destacou dois momentos fortes: a visita da diretora da Organização Mundial da Saúde (OMS), Margaret Chan, ao projeto 4 Varas, em Fortaleza, onde se realiza terapia comunitária; e o convite do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, para uma parceria. Há um ano e meio a Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz está envolvida com a experiência da terapia comunitária, que foi incorporada aos projetos sociais da Fundação. Hoje existem três grupos: de mulheres das comunidades do entorno da Fiocruz, de agentes comunitários de saúde e de jovens.

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