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30/04/2021

Vacina e a relação com os ODS da Agenda 2030 são tema de evento paralelo do STI Forum

Cristina Azevedo (Agência Fiocruz de Notícias)


Realizado anualmente, o 6º Fórum Multilateral de Ciência, Tecnologia e Inovação para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), também conhecido como STI Forum, ocorrerá nos dias 4 e 5 de maio, e, como todos os mais recentes debates mundiais, também sentiu o impacto da pandemia — desde o seu formato, que será virtual, até o reflexo nos temas tratados. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) marca presença não só com a participação de sua presidente, Nísia Trindade Lima, em uma sessão falando sobre As lições da pandemia de Covid-19, como com a organização de Paulo Gadelha, coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030 (EFA 2030), do evento paralelo Vacinas: um caso para a ciência, sociedade e interações políticas na das CT&I (Ciência, Tecnologia e Inovação) para os ODS

O STI Forum é convocado pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (Ecosoc) com o objetivo de discutir como Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) podem ajudar a alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, com análises e sugestões. Gadelha, que faz parte do Grupo dos 10 membros escolhidos pelo secretário geral da ONU para promover a integração dos CT&I e as ODS, explica que as recomendações do fórum não são mandatórias, mas que podem chegar ao plano político e mesmo à Assembleia Geral. E os chamados side events ampliam ainda mais essas discussões. Ele conversou com a Agência Fiocruz de Notícias sobre o evento organizado pela EFA 2030, o Conselho Internacional de Ciência (ISC, na abreviatura em inglês) e a Comunidade Global de Tecnologia e a Conferência Global em Tecnologia e Inovação Sustentável (G-STIC) sobre vacinas. 

AFN: Qual a importância para a Fiocruz participar dessa organização? 

Paulo Gadelha: Estamos na década final da Agenda 2030. Nós participamos da organização por uma razão especifica: como mecanismo de implementação da Agenda, foi instituído o Grupo dos 10, que reflete a diversidade de países, gênero, temáticas. Estou no final do meu último mandato, que foi estendido mais um ano, totalizando cinco anos. No sentido pessoal, mas que carrega toda a institucionalidade da Fiocruz, a iniciativa e o papel que o Brasil teve nesse processo, eu participo na organização formal do evento. As pautas desses eventos são constituídas a cada ano, mas atualizam com um recorte que vai fazendo uma abordagem das ODS. 

E este ano o evento está com alguns temas ligado à questão da pobreza, mas há também uma forte influência da questão da Covid-19, não só o efeito mais abrangente da pandemia como sobre as próprias metas da Agenda 2030. Então, este está sendo um dos temas centrais do STI Forum: pensar quais foram os aprendizados e a dinâmica da população entre CT&I e Covid. Nesse sentido, nós propusemos o nome da Nísia para um dos painéis sobre o assunto. 

Mas o fórum também permite a proposição de eventos paralelos muito ricos, porque possibilitam um aprofundamento temático, que uma questão possa ser tratada com perspectivas variadas e que gerem referências para a organização de debates e eventualmente a constituição de trabalhos conjuntos e redes entre os participantes. Esses eventos têm sido uma das grandes riquezas do Fórum, porque há uma oportunidade de trabalhar de maneira mais aberta e informal, mais dinâmica, a possibilidade de sair do referencial mais estruturado das representações dos países e trabalhar com a possibilidade de interações e reflexões sobre determinado tema. 

AFN: Como será tratado o tema das vacinas? 

Paulo Gadelha: Queremos abordar de maneira mais, eu diria, inovadora, com um encontro de perspectivas. Normalmente as vacinas são tratadas separadamente ou pelo campo da tecnologia, dos avanços, das barreiras, ou do ponto de vista do campo social. Teremos a Mariângela Simão (diretora geral adjunta da Organização Mundial de Saúde para Acesso a Medicamentos, Vacinas e Produtos Farmacêuticos. [Marco] Krieger (vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde - VPPIS/Fiocruz) vai falar da perspectiva mais do Sul e da experiência da Fiocruz, sobre como lidou com a questão das vacinas e os desafios da produção local. Na sequência vamos para uma abordagem mais no campo das ciências sociais. Stuart Blum é coautor de um livro sobre a história da vacina global. Heide Hackman é diretora-executiva do International Science Council, que produziu um trabalho bem interessante sob a perspectiva da academia, dos cientistas em relação à questão da Covid e das vacinas. E vamos falar ainda sobre essa atitude frente à aceitação ou não das vacinas, até a incorporação hoje das fakenews. Vamos falar também dos chamados grupos sub-representados, pelo lado étnico, de gênero, olhando também a forma de perceber o tema da vacinação. A gente quer revelar a vacina como um caso exemplar para várias dimensões, não apenas o desafio atual da Covid, mas também de como ela constitui um processo tanto de coesão social quanto de conflito, como foi o caso aqui da Revolta da Vacina, no Brasil, como um processo de constituição do Estado, de conformação de instituições e de plataformas científicas e de formas de organização da saúde pública.  

Quando se olha para a vacina, não é só uma questão de dizer avançamos na ciência, na tecnologia, temos a oferta e a capacidade de produção, como se não houvesse um contexto social, cultural, de estratégias em disputa do modelo de saúde pública. É esse contorno mais geral que a gente quer que venha à tona porque ele revela mais fortemente essas interfaces todas para analisar a CT&I frente ao seu processo de interação, tanto pra resolver problemas como para interagir com a sociedade e populações. 

Essa questão de uma resistência à vacina vem de antes mesmo da pandemia de Covid-19. Nos EUA, antes disso, já havia pais que se recusavam a vacinar os filhos...  

Quando se estuda essa evolução, vê-se que ela não é uma questão só de oposição entre ciência e anticiência, civilização e barbárie. Lá atrás, houve também debate em torno da eficácia e da segurança das vacinas. Em períodos determinados, houve acidentes vacinais sérios que reforçaram isso. Em alguns casos há componentes religiosos, ideológicos, de autonomia sobre o corpo, de restrição sobre a atuação do Estado, além de algumas visões fundamentalistas. Há quem pense: a pólio não me atinge mais, para que eu vou tomar a vacina contra pólio? Tem um lado do que é colocado como relevante para as populações naquele momento. Não é um tema simples. E a gente quer trazer à tona isto.  

A hesitação ou a adesão às vacinas é conformada por muitos determinantes. Vai desde um artigo na Lancet em que se colocava que vacina aumentava a chance de autismo e que deu legitimidade a todo o desdobramento da reação à vacina. Depois se comprovou que o estudo era totalmente incorreto, o autor perdeu a licença médica, Lancet se retratou, mas ficam essas marcas. Toda vacina tem efeito colateral. Aí veem que está dando efeitos tromboembólicos no caso da AstraZeneca. Então, as pessoas pegam aquilo e criam um imaginarium, quando os casos são em uma quantidade insignificante do ponto de vista estatístico e da relação custo benefício.  

AFN: Propostas sobre como evitar situações como um a”guerra das vacinas” em uma outra pandemia também entram em discussão? Há uma visão para o pós-pandemia? 

Paulo Gadelha: Esse é um tema constante nesse debate, a ideia de como se conforma e luta por um desenvolvimento sustentável pós-pandemia. Pode haver um retorno do do this is as usual, fazer o negócio de sempre, ou uma busca de alternativas. Alguns sinais interessantes estão acontecendo. A questão da resiliência é um tema constante, porque essa pandemia era uma morte anunciada. Sob todas as perspectivas do campo da saúde pública e de quem lidava com prospecção, sabia-se que alguma pandemia viria. Não se sabia qual seria a dinâmica e magnitude. E provavelmente acontecerão outras, porque há o esgotamento da biodiversidade, com o salto das doenças zoonóticas para doenças humanas, como é o caso da Covid, como foi o ebola. Você tem o modelo de produção, de cadeias produtivas de proteínas animais, a circulação mundial, o modelo de globalização, a baixa capacidade de vigilância genômica, a baixa existência de sistemas universais de saúde. Enfim, todos os condicionantes já mostravam, e os ensaios com essas outras epidemias que ficaram mais localizadas indicavam que em algum momento haveria uma pandemia.  

O debate sobre como se cria resiliência tanto de natureza da proteção social, da capacidade de lidar com crises que afetam fortemente a produção e a qualidade de vida, da capacidade de reação do sistema de saúde, tudo isso é um tema central. A questão da Agenda 2030, do papel central da CT&I é mais do que evidente. A Covid trouxe uma grande visibilidade para o tema saúde, que foi o gatilho dessa crise disruptiva mais ampla e ao mesmo tempo é onde se mede de maneira mais intensa os efeitos mais perversos da inequidade de condições de vida. O tempo revelou a centralidade dos dilemas da CT&I.  

Há a capacidade maravilhosa de em um ano desenvolver vacinas seguras e efetivas, coisa que demorava cinco, dez anos, mas tem ao mesmo tempo uma enorme inequidade do ponto de vista de acesso, poder de compra, da guerra das vacinas. O debate geopolítico está associado a esse processo. Então, a Covid exacerba tudo o que há de pior e, em alguns casos, o que há de melhor. É esse debate que está colocado. Como criar mecanismos, capacidade de agenciamento em nível local e mundial para lidar com esse aprendizado. 

 

STI Forum

O STI Forum acontece 4 e 5 de maio e será transmitido pelo canal da ONU. Nísia Trindade Lima participa no primeiro dia, às 10h45, com o tema As lições da pandemia de Covid-19

O evento Vacinas: um caso para a ciência, sociedade e interações políticas na das CT&I (Ciência, Tecnologia e Inovação) para os ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) acontece em 3 de maio, a partir de 12h (horário de Brasília) com tradução simultânea em inglês e português.

Com coordenação de Paulo Gadelha, participam Mariângela Simão, diretora geral adjunta da OMS para Acesso a Medicamentos, Vacinas e Produtos Farmacêuticos com o tema Desafio global no acesso a vacinas; Heide Hackman, diretora executiva, e Ines Hassan, gerente de projetos sênior, do International Science Council (ISC), com o tema As ciências na Covid-19; Stuart Blum, professor emérito de estudos de ciências e tecnologia da Universidade de Amsterdã, com A política de vacinação; Gwenetta D. Curry, professora de raça, etnia e saúde da Universidade de Edimburgo, com Engajamento de vacinas em grupos minoritários; e Marco Krieger, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, com A vacinação na região Sul global.

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