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02/01/2007

Validada técnica que reconhece bactéria causadora da meningite epidêmica

Fernanda Marques


Mais de 2.100 casos de doença meningocócica foram notificados no Estado do Rio de Janeiro de 2001 a 2005. No entanto, para 73% dos pacientes, os testes tradicionais de diagnóstico laboratorial não confirmaram a doença. Pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz validaram uma técnica capaz de identificar a bactéria causadora da doença nos casos em que os métodos usuais falham. Os resultados sustentam que a nova técnica deve ser usada rotineiramente. Afinal, a identificação da bactéria é fundamental para a escolha das melhores formas de tratamento e prevenção. Esse trabalho já rendeu duas publicações na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz e uma no Scandinavian Journal of Infectious Diseases.


 N. meningitidis (pequeninos pontos vermelhos) é a bactéria causadora da doença meningocócica

N. meningitidis (pequeninos pontos vermelhos) é a bactéria causadora da doença meningocócica


A doença meningocócica é causada pela bactéria N. meningitidis, que pode ser classificada em múltiplos sorogrupos, nem todos de importância médica. O habitat de N. meningitidis é a nasofaringe humana, isto é, a região da garganta. A bactéria resiste pouco tempo livre no meio ambiente. Portanto, a transmissão de pessoa a pessoa ocorre em locais onde os contatos tendem a ser mais próximos e prolongados, como nos domicílios e nas creches. Estima-se que uma em cada dez pessoas seja portadora de N. meningitidis em algum momento da vida. No entanto, somente um em cada mil portadores desenvolve a doença – proporção que pode chegar a um em cada cem durante grandes epidemias. Cerca de 60% dos doentes têm menos de 10 anos de idade. A meningite meningocócica pode deixar seqüelas neurológicas irreversíveis, sendo a surdez a principal delas.


A doença meningocócica se manifesta na forma de meningite, meningite com septicemia ou somente septicemia. Esta última forma é a mais rara e grave. Mesmo com tratamento adequado, ela leva mais de 30% dos pacientes ao óbito. Os que sobrevivem podem ficar com cicatrizes atróficas ou sofrer mutilações. Chamadas de petéquias, manchas vermelhas na pele são manifestações da septicemia. Essas manchas, acompanhadas de febre, indicam fortemente que o paciente contraiu doença meningocócica. “Se o paciente chega ao serviço de saúde com esses sintomas, o tratamento, feito com antibióticos, deve começar de imediato, mesmo sem a confirmação do diagnóstico. Isso porque a doença pode matar dentro de poucas horas, caso haja demora no início do tratamento”, explica o coordenador da pesquisa, o médico David Eduardo Barroso, especialista em doenças infecciosas e parasitárias.


Para a confirmação do diagnóstico, amostras do líquido cérebro-espinhal ou do sangue são colocadas em meio de cultura propício ao crescimento de N. meningitidis. O aparecimento de colônias da bactéria significa que o resultado é positivo. Contudo, mesmo em condições ideais, esse tipo de análise só é eficaz em 50% dos casos. O líquido cérebro-espinhal pode ser submetido a outras técnicas cuja eficácia não ultrapassa 80%. O teste do látex detecta um açúcar encontrado na cápsula da bactéria, enquanto a bacterioscopia consiste em visualizar N. meningitidis ao microscópio.


Os testes usados atualmente são limitados não só para detectar a bactéria, mas também para determinar a qual grupo ela pertence. Como alternativa, a equipe coordenada por Barroso propôs um ensaio de PCR, sigla em inglês para Reação da Polimerase em Cadeia. Trata-se de um método que reconhece e amplifica um determinado trecho do DNA do microrganismo. O PCR foi usado na análise de 76 amostras fornecidas pelo Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião. Eram 71 amostras de líquido cérebro-espinhal e cinco de sangue, coletadas de pacientes com meningite bacteriana não especificada ou septicemia, que apresentavam petéquias na admissão hospitalar. Esses pacientes não tiveram diagnóstico laboratorial confirmado pelos testes tradicionais. Os pesquisadores investigaram nas amostras a presença de N. meningitidis, Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae, outras duas bactérias causadoras de meningite.


Os resultados do PCR revelaram que N. meningitidis estava presente em 70 amostras de líquido cérebro-espinhal e em três de sangue, isto é, a técnica foi capaz de identificar a bactéria em 96% dos casos analisados. Um outro ensaio de PCR determinou o sorogrupo de N. meningitidis nas amostras. O grupo B foi o mais comum (60%), seguido pelo W135 (24%) e pelo C (7%). “Em casos não confirmados de meningite, o ensaio de PCR se mostrou uma importante ferramenta auxiliar na demonstração da etiologia da doença meningocócica, mesmo quando as amostras não são armazenadas e transportadas da maneira ideal”, afirma Barroso, pós-doutor em pesquisa biomédica e microbiologia pelo National Institutes of Health (NIH), em Maryland, nos Estados Unidos.


A informação sobre o tipo de bactéria responsável pela doença permite ao médico receitar o melhor antibiótico para o paciente e definir as estratégias mais adequadas para evitar a disseminação do microrganismo. Já existem vacinas para prevenir a doença meningocócica. A produzida no Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Biomanguinhos) da Fiocruz confere proteção contra os sorogrupos A e C. A vacina cubana, por sua vez, protege contra C e um subtipo específico de B. Já os Estados Unidos produzem uma tetravalente, contra os sorogrupos A, C, Y e W135.


Para saber qual vacina é mais apropriada em cada situação, é necessário conhecer a etiologia dos casos da doença. “Ainda existe uma lacuna em relação à vacina contra o sorogrupo B, muito comum no país. Isso porque, diferentemente dos outros sorogrupos, o grupo B não permite a produção de uma vacina única contra todos os seus sorotipos e subtipos. E a vacina hoje existente não confere imunidade contra certos tipos do grupo B que circulam no Brasil”, explica Barroso, que desenvolveu essa pesquisa no Departamento de Bacteriologia e hoje atua no Departamento de Virologia, mais especificamente no Setor de Meningites do Laboratório de Enterovírus.

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