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11/11/2015

Debate sobre gênero e violência encerra seminário

Amanda de Sá, César Guerra Chevrand e Erika Farias


As questões de gênero e violência no Brasil deram o tom do segundo e último dia de debates do 1° Seminário Pedagógico do Dicionário, realizado no campus da Fiocruz em Manguinhos, no Rio de Janeiro. O encontro que marcou o lançamento do Dicionário Feminino da Infâmia, da Editora Fiocruz, contou com a participação de diversas autoras dos verbetes do dicionário.

A pesquisadora Neuma Aguiar explica em detalhes os verbetes que produziu para o Dicionário Feminino da Infâmia (foto: Peter Ilicciev)

 

Na manhã de terça-feira (10/11), a pesquisadora e professora emérita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Neuma Aguiar explicou em detalhes os verbetes que produziu para o Dicionário Feminino da Infâmia. Responsável pelo tema Estatísticas, Neuma lembrou que o Brasil é o sétimo país do mundo em violência contra mulher e lamentou a falta de um levantamento estatístico confiável sobre o estupro. 

A pesquisadora também comentou a retomada pelo feminismo do conceito de “Patriarcado” e destacou o conceito de “Empoderamento” das mulheres na contemporaneidade. “O empoderamento quer dizer a tomada de conhecimento de si. Na medida em que as mulheres se fortalecem, elas retomam o poder sobre a sua própria vida”, afirmou Neuma.

Organizadora do Dicionário Feminino da Infâmia, ao lado de Stela Meneghel, a pesquisadora Elizabeth Fleury citou os trabalhos do filósofo Max Weber (1864-1920) para falar do verbete Dominação Patriarcal. De acordo a coordenadora do Comitê Nacional Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz, a “dominação patriarcal ainda é um tipo de poder arcaico que se exerce até hoje nas sociedades contemporâneas”.

Sobre o verbete Conselho dos Direitos da Mulher, Elizabeth Fleury lembrou o empenho pelo reconhecimento público da temática, que antecede, inclusive, a Constituição Federal de 1988. “A luta das mulheres para construir as primeiras políticas públicas se expressa na construção dos Conselhos dos Direitos das Mulheres durante a redemocratização”, disse Elizabeth.

Convidada a escrever o verbete Mídias, a professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Patrícia Saldanha, especialista na área de Comunicação Comunitária, criticou as estratégias de naturalização da violência contra a mulher encontradas tanto no jornalismo quanto na publicidade brasileira. “A mídia não é mera transmissora. A mídia é uma ferramenta de construção de sentido que segue um padrão estético que perigosamente ameniza e suaviza as ideias transmitidas”, afirmou Patrícia.

Citando a notícia de lançamento de um sutiã para meninas de apenas quatro anos nos Estados Unidos, Patrícia Saldanha acrescentou que a mídia é uma importante peça que movimenta a engrenagem da construção da hegemonia: “Sem se dar conta, o sujeito receptor acaba absorvendo e reproduzindo tais mensagens como verdades”, declarou.

Violência e suas consequências 

A penúltima mesa do seminário contou com a presença da pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Stela Meneghel; da coordenadora da linha de pesquisa Direito, Saúde e Gênero do Grupo de Direitos Humanos & Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Vera Lucia Marques e da pesquisadora do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/Ensp) Kathie Njaine.

Stela, que também é responsável pela organização do Dicionário, falou sobre o verbete Ciclos da violência, que para ela representa uma espiral ascendente, em que cada etapa da violência vai se tornando mais grave. Os efeitos emocionais da violência, outro verbete escrito pela médica, também foi discutido. “A depressão é consequência em cerca de 60% das mulheres vítimas de violência”, afirmou.

Já Vera Lucia falou sobre orientação sexual, termo que faz referência ao desejo sexual de cada indivíduo. “Este significado se distancia da ideia de que a homossexualidade é uma opção”, disse. Segundo a pesquisadora, foi somente na década de 1990 que a homossexualidade deixou de fazer parte do conhecido Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM). Ou seja, até bem recentemente, era vista como uma doença, passível de cura.

Ainda em sua palestra, Vera comentou alguns números divulgados por relatório do Grupo Gay da Bahia. “A cada 28 horas, um gay brasileiro é morto. Só em 2013 foram contabilizados 312 assassinatos, mortes e suicídios de LGBTs brasileiros, vítimas de homofobia”, afirmou. 

A pesquisadora do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/Ensp) Kathie Njaine falou sobre banalização da violênica (foto: Peter Ilicciev)

 

Fechando a mesa, Kathie discursou sobre a banalização da violência, que, segundo descreveu no Dicionário, é a aceitação fácil de atitudes violentas. “Não avançamos tanto no sentido de ficarmos completamente indignados com a violência que as pessoas ou as coletividades sofrem”, falou, complementando que o senso comum compartilha ideias que ainda contribuem para a perpetuação da violência. “Questões de gênero, por exemplo, ainda estão muito internalizadas nas relações sociais”, afirmou.

Dupla jornada de trabalho e menores salários

Quantas horas você cumpre de trabalho doméstico? Esse foi o questionamento feito em uma pesquisa de 2001 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que tornou possível a contabilização das horas de trabalho das mulheres em casa. A partir desse quantitativo, a professora de economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) Hildete Pereira, em parceria com o professor Cláudio Considera, da mesma instituição, constatou que, em uma década, os afazeres domésticos geraram uma riqueza superior a um PIB brasileiro. 

Presente na última mesa do seminário de lançamento do Dicionário Feminino da Infâmia, Hildete, que é autora dos verbetes Mulheres Operárias e Exploração do Trabalho na publicação, rebateu os argumentos contrários à aposentadoria antecipada das mulheres em cinco anos em relação aos homens, e criticou o pagamento de menores salários. “Quem inventou a aposentadoria diferente para homens e mulheres foram os militares na Constituição de 1969. A justificativa foi que a mãe do capitão era professora. Então, na legislação, eles fizeram essa diferenciação. Para nós, mulheres, essa medida paga pelo nosso trabalho reprodutivo”, opinou.

Além da antecipação da aposentadoria, outra justificativa dada por homens contrários ao salário igualitário para ambos os sexos é a de que as mulheres trabalham menos. Na opinião da professora, somente na produção de mercadorias, isso pode ser um argumento, mas, em contrapartida, a jornada de trabalho feminina é muito superior em relação à masculina, quando somado o tempo gasto em trabalhos domésticos, caracterizando a chamada ‘dupla jornada’. 

Esses e outros fatos relacionados à questão doméstica, como a violência, são importantes variáveis na saúde pública. Para tratar do tema, o seminário contou também com a participação da pesquisadora do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Escola Nacional de Saúde Pública (Cesteh/Ensp/Fiocruz) Márcia Agostini. Segundo a especialista, a depressão, o sofrimento psíquico, como a timidez e a insegurança, e o adoecimento psicossomático são alguns dos agravos à saúde relacionados ao trabalho. 

Conforme apresentou a pesquisadora, no trabalho, as mulheres não têm inserção na estrutura de poder, exercem atividades repetitivas, monótonas, desvalorizadas, preenchem posições julgadas “femininas”, como o caso do secretariado e da enfermagem, recebem salários mais baixos e são vítimas de assédios, moral e sexual. “Quando olhamos os agravos à saúde relacionados ao trabalho e à violência, a questão de gênero é muito importante. Neste caso, a categoria trabalho não só cruza com a questão da saúde como é uma alavanca para essa discussão de gênero. Esses debates e o lançamento do dicionário são ações cruciais para a promoção de mudanças”, concluiu.

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