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09/10/2019

Paulo Buss: ‘é delicioso ser professor’

Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)


Eleito presidente da Fiocruz por dois mandatos consecutivos (2001 a 2009), o médico sanitarista Paulo Buss é atualmente coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz). Pesquisador e professor-titular da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), da qual foi diretor por duas vezes (1989-1992 e 1998-2000), desde 1976, Buss é membro titular da Academia Nacional de Medicina e membro honorário da Academia Portuguesa de Medicina e da Academia de Medicina da Argentina. Ele é Doutor Honoris Causa pela Universidade Isalud, da Argentina e pela Universidade Nova de Lisboa. Homenageado com o título de professor-emérito da Fiocruz, Buss diz que o título é um reconhecimento não apenas a ele, mas a toda a geração que chegou à Fundação na década de 1970 e que, em suas palavras, “mudou o mundo da saúde no Brasil”.

O médico sanitarista Paulo Buss foi homenageado com o título de professor-emérito da Fiocruz (foto: Peter Ilicciev)

 

AFN: Como recebe a homenagem da Fiocruz?

Paulo Buss: Eu recebo com enorme emoção essa homenagem, porque sei que é um título muito importante em qualquer instituição. Recebo como o reconhecimento de uma geração, da minha geração na Fiocruz, não apenas a título pessoal. Eu não faria jus por merecer esse título, porque não conseguiria fazer as coisas que fiz, que eventualmente justificam o título, sem uma geração toda junta, com companheiros como Sergio Arouca, Mario Hamilton, Carlos Morel, Maria do Carmo Leal, Tania Celeste e tantos outros. Chegamos à Fiocruz com toda a esperança, com a ideia de mudar o mundo, como diz a música, e conseguimos mudar o mundo da saúde no Brasil, porque conseguimos realizar a reforma sanitária, ainda que com muitas pendências, fizemos um capítulo constitucional de direito à saúde dos mais avançados do mundo até hoje e fizemos o SUS respeitado, embora não seja reconhecido por aqueles que não o frequentam e por isso o criticam. A população que frequenta o SUS reconhece a qualidade do sistema. 

AFN: Pode citar os principais pontos de sua trajetória acadêmica e profissional?

Buss: Os principais pontos dizem respeito ao amor que tenho pelo ensino. Acho que me destaquei na Fiocruz, principalmente na Escola Nacional de Saúde Pública, pela dedicação ao ensino, com a criação da Escola de Governo e do doutorado. Uma dessas iniciativas, a da Escola de Governo, ocorreu em minha primeira gestão como diretor, juntamente com a colaboração de Cecília Minayo, e a outra com diversos colegas. Fazia pendular o compromisso com o ensino com os serviços da unidade.

Eu me identifico muito com ensinar, me preparar para dar aula, este é o ponto mais alto. Os cargos que exerci também foram pontos altos pelo reconhecimento que obtive da comunidade ao me dar esses títulos, como os de vice-diretor e diretor da Ensp, vice-presidente e presidente da Fiocruz. Nessas funções, acompanhado pela minha geração, pelos companheiros que trabalharam comigo, os vice-presidentes, os vice-diretores, os diretores de unidade, os chefes de departamento, dependendo da função em que eu me encontrava, esse trabalho coletivo fez com que tudo acontecesse.

Também posso destacar a criação da Editora Fiocruz e do Canal Saúde, o plano de carreira, que começou com [o presidente] Carlos Morel, o pagamento do Plano Bresser, ou seja, tem diversos pontos altos, alguns relacionados ao ensino e outros à gestão. Finalmente, nos dias de hoje, a questão da cooperação internacional, que é o último momento da minha carreira e que fazemos coletivamente, de uma forma bastante razoável. Seja a representação da Fiocruz, em organismos multilaterais, a cooperação Sul-Sul, são momentos aos quais tenho me dedicado com afinco e que tiveram destaque e reconhecimento.

AFN: Conte um pouco da sua atual função na Fiocruz.

Buss: Atualmente dirijo o Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz), responsável pela cooperação internacional da Fundação e pela Área de Saúde Global e Cooperação Sul-Sul na qualidade de Centro Colaborador em Saúde Global e Cooperação Sul-Sul da OMS e da Opas. São duas funções na mesma estrutura que eu dirijo, reunindo o Cris e o Centro Colaborador. Nessa função representamos a Fiocruz em eventos internacionais, fomentando a participação de pesquisadores, professores, gestores, tecnólogos e estudantes em eventos internacionais e difundindo esses eventos internamente. E também organizamos visitas de líderes internacionais, embaixadores, cientistas e diretores de instituições estrangeiras importantes, quando se referem à Presidência da Fiocruz, e colaboramos com as unidades da Fundação quando se referem a atividades delas nessa área.

AFN: Como professor, como vê a situação da educação no Brasil atual?

Buss: Acho que precisamos de muita educação no Brasil, ampliando a rede de atenção do Ensino Fundamental, facilitando o acesso às formas mais ecléticas possíveis, sobretudo na zona rural. Nosso ensino é muito ruim, precisa melhorar urgentemente. Para o Ensino Médio a mesma proposta. É importantíssimo reforçar o ensino profissionalizante, como temos na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Na área universitária, é fundamental retomar o investimento em todas os setores e garantir o respeito às universidades, que estão sendo desrespeitadas, como na questão da escolha dos dirigentes. A eleição dos reitores é uma bela e bem-sucedida experiência brasileira. É crucial ampliar o desenvolvimento tecnológico e a inovação, porque isso dará à universidade a capacidade de transferir esses avanços para os setores da população para o qual foram criados, como as tecnologias do campo da saúde. Também temos que retomar o apoio e o financiamento do CNPq e da Finep em níveis respeitáveis para um país desta dimensão, com universidades que têm a qualidade das nossas instituições e pelo número de pesquisadores e estudantes envolvidos.

AFN: Que mensagem deixa para aqueles que sonham ser professores?

Buss: A mensagem que dou é: sonhem e realizem esse desejo. Eu tenho uma paixão verdadeira pelo ensino, pela transmissão do pouco conhecimento que eu possa ter. E compartilho esse conhecimento com prazer, com felicidade, com orgulho, não apenas com os alunos, mas com os colegas de trabalho, os confrades da academia, os demais professores da Fiocruz. A quem me solicita, por exemplo, uma apresentação que eu fiz, eu mando e digo que pode usar sem problema. É muito importante que a gente sonhe e realize o compromisso que os professores têm com a sociedade, de formar novos cidadãos. Cidadãos responsáveis eticamente pelo seu trabalho e pela qualidade que esse compromisso dará à atividade de formação de jovens e novos pesquisadores. Sonhem e tornem realidade, com alguns parâmetros que eu mencionei anteriormente. É delicioso ser professor.

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