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06/08/2006

Agonia da Fome

por Sarita Coelho














Agonia da fome

Maria do Carmo Soares de Freitas

Editora Fiocruz e Editora da Universidade Federal da Bahia (Edufba)

281p. R$ 28,00





A fome crônica e coletiva do Brasil tem distintos significados na sociedade e no universo particular das pessoas atingidas. Concentrada em regiões de pobreza e miséria, ela causa incerteza da sobrevivência e é difícil de ser compreendida pelos que não a vivenciam. Para entender seu significado na vida dos famintos, a nutricionista Maria do Carmo Soares de Freitas fez um estudo de campo em um bairro popular de Salvador. Os resultados apontam para uma realidade cruel, que "corta o coração", "dá vergonha" e tira a dignidade e a esperança daqueles que sentem fome.


No primeiro capítulo, a autora contrapõe as teorias sobre a fome e a voz dos famintos do bairro. Ela mostra que a literatura sobre o assunto é sustentada por duas linhas gerais. A primeira, condicionada pela clínica, concebe a fome e suas seqüelas como uma doença física da pobreza; a segunda compreende esse fenômeno como uma condição do processo histórico-social.


A obra mostra que o faminto nem sempre tem consciência de sua fome crônica e muitas vezes não encontra palavras para expressá-la. Ele utiliza distintas metáforas, que põem a fome como "uma coisa que anda doida pelas ruas", "bate na porta de noite" e "derruba a pessoa", entre outras significações.


Por meio dessas diferentes falas, o cotidiano do Péla passa a ser conhecido no segundo capítulo. Nesse bairro, a autora fez um trabalho sobre desnutrição infantil durante os anos 80. Hoje, houve um aumento da violência e do tráfico de drogas. Ela narra a relação tráfico/fome e as horas em que esteve presa por J., um dos piores bandidos da região. Muitos dos rapazes e moças que hoje se ocupam da venda de drogas foram suas "crianças desnutridas do passado". Sem escolaridade, elas foram facilmente atraídas por esse comércio ilegal.


A autora também se surpreende com a quantidade de pessoas que vasculham os lixos ao redor do bairro em busca de comida em plena luz do dia. Em outros tempos, elas esperariam a noite chegar, por vergonha da mendicância.


No último capítulo, os distintos significados sobre a fome revelam-na como uma das piores agonias do ser humano. Nele, os famintos revelam o medo da fome. Ela, que é maldita, provoca arrepio, é um vento ruim, tira o sono, esmorece o corpo, dá vontade de se esconder e deixa o coração dolorido. Nenhuma dessas definições se assemelhe às encontradas na literatura médica. Essa é a visão de fome descrita por quem a sente, por aqueles que vivem em um bairro onde "a fome caminha".

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