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22/01/2007

Anorexia e bulimia

Catarina Chagas


A anorexia nervosa e a bulimia nervosa são os principais tipos de transtornos alimentares, desvios do comportamento alimentar que podem levar ao emagrecimento extremo (caquexia) ou à obesidade, entre outros problemas. As duas patologias são intimamente relacionadas por apresentarem alguns sintomas em comum: idéia prevalente envolvendo a preocupação excessiva com o peso, representação alterada da forma corporal e medo patológico de engordar.


 A endocrinologista Kássie Cargnin (Foto: Cremerj)

A endocrinologista Kássie Cargnin (Foto: Cremerj)


Embora os dois transtornos afetem principalmente adolescentes e jovens do sexo feminino, sua incidência em homens está aumentando. Estudos recentes observaram também uma incidência maior dos distúrbios em crianças, sobretudo casos de anorexia. Profissionais como modelos, bailarinas, jóqueis e atletas olímpicos, que sofrem pressão constante para reduzir o peso corporal, podem ser consideradas grupos de risco, especialmente para a anorexia.


Pacientes com este distúrbio, mesmo estando magros, acreditam estar gordos e adquirem obsessão por emagrecer, deixam de se alimentar e passam a praticar exercícios físicos em excesso. Assim, acabam emagrecendo demais e atingindo taxas de Índice de Massa Corpórea (IMC) abaixo dos estabelecidos como saudáveis (18,5 kg/m2).


Já a bulimia é caracterizada por episódios de ingestão alimentar descontrolada (imensa quantidade de alimentos em curto intervalo de tempo), seguidos de comportamentos inadequados com o objetivo de perder peso, como vômitos provocados, uso excessivo de laxantes, uso de diuréticos e jejuns prolongados, entre outros.


A diferença básica entre os dois distúrbios é o estado de caquexia a que podem chegar pacientes com anorexia. Quem sofre deste distúrbio se recusa a comer, mas não por falta de apetite. Já os acometidos pela bulimia comem, mas procuram livrar-se da comida logo em seguida, vomitando ou tomando laxantes e diuréticos como uma forma de punição por não conseguir ficar sem comer.


Vigilância: familiares devem estar atentos aos sinais dos distúrbios


Tanto na anorexia quanto na bulimia, o diagnóstico precoce é essencial ao êxito do tratamento. Assim, é importante que as pessoas mais próximas ao paciente estejam atentas para os sinais das doenças. O reconhecimento de comportamentos alimentares inadequados, pressão exagerada para emagrecer, exercícios físicos excessivos, episódios de compulsão alimentar e métodos purgativos podem sugerir um diagnóstico de transtorno alimentar. Sintomas decorrentes dessas práticas, como ansiedade, depressão, dores de estômago, acidez estomacal, sangramento bucal, retardo puberal, interrupção da menstruação e queda de cabelos, entre outros, devem alertar a família e os médicos para a doença.


No caso específico da anorexia, devem chamar a atenção os seguintes sintomas: perda exagerada de peso em curto espaço de tempo sem nenhuma justificativa; recusa em participar das refeições familiares, com a alegação de que “já comeram e que não estão mais com fome”; preocupação exagerada com o valor calórico dos alimentos; interrupção do ciclo menstrual e regressão das características femininas; exercícios físicos excessivos; depressão; comportamentos obsessivo-compulsivos; visão distorcida do próprio corpo. Já na bulimia, os principais comportamentos observados são ingestão exagerada de alimentos em curtos períodos de tempo sem o aumento correspondente do peso corporal; vômitos auto-induzidos (os pacientes costumam trancar-se no banheiro logo após a refeição); uso indiscriminado de laxantes e diuréticos; dietas severas intercaladas com ingestão compulsiva de alimentos; distúrbios depressivos ou de ansiedade e comportamento obsessivo compulsivo.


Diversos fatores podem favorecer estas doenças. Entre eles, estão a predisposição genética, o conceito de moda que determina a magreza como símbolo de beleza e elegância, a pressão do grupo social e profissional – como no caso das modelos e atletas – e as alterações hormonais que ocorrem durante a puberdade e alterações de neurotransmissores cerebrais.


Há uma grande incidência destes distúrbios em adolescentes, que, com o objetivo de perder peso e ganhar a silhueta das modelos, iniciam por conta própria dietas com baixíssimo teor calórico,  fazem uso de laxantes ou provocam vômitos. Na maioria das vezes, uma história de dietas rigorosas está presente antes do início do quadro.


Alguns estudos têm identificado ainda que determinadas dinâmicas familiares alteradas, como envolvimento da criança em tensões familiares, pais ausentes e mães que competem com as filhas podem ajudar a manter comportamento de pessoas com anorexia ou bulimia.


Outro fator importante é o uso indiscriminado de anorexígenos e outros medicamentos com o objetivo de perda de peso, que podem contribuir para o desencadeamento destes distúrbios. Geralmente, os médicos que prescrevem estas “fórmulas emagrecedoras mágicas” até mesmo para adolescentes não têm a devida formação de endocrinologistas ou nutrólogos e devem ser denunciados ao Conselho Regional de Medicina para a abertura de uma sindicância, que pode se transformar em processo ético contra o médico.


Tratamento


O tratamento dos transtornos alimentares geralmente exige uma abordagem multidisciplinar que combine farmacoterapia e tratamento psicológico e nutricional. Na anorexia nervosa, vários medicamentos têm sido usados com o objetivo principal de ganho de peso. Podem ser usados antidepressivos, antipsicóticos e outros agentes, como a cipro-heptadina. A realimentação deve ser gradativa e, em muitos casos, exige internação hospitalar com controle médico e nutricional.  Já na bulimia, o alvo principal da ação dos medicamentos são os episódios de compulsão alimentar e os sintomas comportamentais associados, sendo os antidepressivos os fármacos mais utilizados.


Uma das maiores dificuldades no tratamento, no entanto, é que os pacientes reconheçam a necessidade de segui-lo. Geralmente, o paciente com anorexia não percebe o problema, pois acha ser normal querer controlar a alimentação. Apesar de amigos e familiares insistirem em dizer que está magro demais e que deve se alimentar melhor, o paciente nega a informação e se preocupa em emagrecer ainda mais, recusando-se a procurar um especialista.


Os bulímicos, por vergonha, freqüentemente escondem dos parentes, amigos ou médicos as formas de dietas usadas para perder peso e o uso de e métodos purgativos. Assim, muitas vezes o distúrbio passa despercebido, o que prolonga o tempo da doença e dificulta ainda mais seu tratamento.


Os pacientes devem ser conscientizados pelos familiares e pelos médicos de que a preocupação com a aparência deve ser saudável e não pode levar a extremos. Os transtornos alimentares podem levar a grandes prejuízos biopsicossociais, com elevada morbidade e mortalidade. Recentemente, como o assunto está em evidência na mídia, estes aspectos estão sendo divulgados nos sites das sociedades científicas e deveriam ser abordados também nas escolas.


Fonte: Kássie Cargnin, endocrinologista, coordenadora das Câmaras Técnicas de Nutrologia e Endocrinologia do Cremerj

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