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05/02/2015

Artigo analisa as epidemias nas notícias em Portugal

Danielle Monteiro


Na segunda metade do século 19 e início do 20, doenças como cólera-morbo, peste bubónica, tifo exantemático, gripe pneumónica e varíola dizimaram percentagens elevadas da população de Portugal. No período, as imagens das epidemias na imprensa mostravam os conhecimentos científicos em um país considerado periférico, mas que dispunha de estudos e pessoal especializado entre os mais avançados da época. Um artigo publicado na revista História, Ciências, Saúde - Manguinhos, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), analisou uma base de dados de 6.700 notícias, artigos e anúncios, que revelam o conhecimento médico e farmacêutico da época, o modo como era transmitido e divulgado ao público e as soluções apresentadas pelas autoridades sanitárias em Portugal.

A partir da hipótese de que a imprensa do século 19 tinha como intenção formar audiências e disseminar o conhecimento, foram utilizadas notícias, artigos e anúncios sobre as epidemias de cólera de 1853-1856 e de 1865, de peste bubónica em 1899 e de tifo exantemático, gripe pneumónica e varíola de 1918. Os temas sobre saúde e higiene foram os que tiveram maior destaque, ocupando 64% das notícias e anúncios sobre ciência e tecnologia, tanto em períodos de epidemia declarada como nos de normalidade. Nas épocas de epidemia, divulgar as informações era uma questão de sobrevivência. “Ao longo do século 19 tomou-se consciência, pela experiência traumática das sucessivas pandemias, que a prevenção e cada vez mais a higiene eram os meios mais eficazes para lidar com as crises sanitárias em geral e as doenças em particular”, explica a autora do artigo e pesquisadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (ISCTE/Instituto Universitário de Lisboa), Maria Antónia de Almeida.

Apesar de a comunidade médica produzir conhecimento científico especializado, havia ainda mal entendidos em relação a doenças muito diferentes. É o que era observado, por exemplo, na publicidade de medicamentos. “Ainda em 1918 o medicamento Histogenol Naline anunciava a cura de 38 doenças tão diversas como tuberculose, lúpus, cancro, anemia, raquitismo, escrófulas, crescimento irregular, fastio, más digestões, azia, asma, bronquites crónicas e até mesmo irregularidades na menstruarão”, conta a investigadora.

Cólera e peste bubônica

Durante a epidemia de cólera de 1855, a imprensa alegava que os pobres tinham culpa de contrair a doença, por adotar vícios e comportamentos repreensíveis. “Era verão, estava calor, e eles se expunham ao sol que era mortífero. Assim, todas as medidas sanitárias decretadas pelas autoridades, especialmente no Porto, onde se impôs a quarentena aos navios e ao trânsito e a proibição dos mercados, foram vistas como desnecessárias”, narra a pesquisadora. Na época, cresceu o número de artigos com conselhos de higiene para limpeza das casas e das ruas e os anúncios de livros e tratados práticos de medicina. “Em geral, a imprensa desse período tentou encontrar explicações científicas e racionais para o flagelo a que se assistia e criticou vigorosamente os costumes populares, em especial os religiosos. Entre as causas conhecidas para a doença, a pobreza parecia ser a que reunia maior unanimidade”, conta Maria Antónia.

No caso da epidemia de peste bubônica, iniciada em 1899, os jornais da época detalharam todo o processo científico de investigação dos diagnósticos, como autópsias e tratamentos. “Isso revela o interesse dos jornalistas na divulgação dos métodos científicos, com o objetivo de alertar os leitores para o perigo real da doença, que não foi bem aceito na cidade”, narra a investigadora.

O ano de 1918 foi marcado pela epidemia de gripe pneumónica, que dizimou entre cinquenta e cem milhões de pessoas em todo o mundo. Os cuidados de higiene ocuparam espaço na publicidade, que alertava para o uso de medicamentos, sabonetes, desinfetantes e até casacos para o frio, fazendo uso de grandes títulos com as palavras gripe e epidemia. “Um xarope, que em agosto curava tosses, em setembro já curava a gripe”, conta a pesquisadora.

A higiene na imprensa

Durante todas essas epidemias, o fator comum destacado em todas as notícias era a higiene. Preocupações com a limpeza e arejamento das casas, das roupas, dos móveis e do corpo dos doentes estavam comumente presentes. Exceto o cuidado com as mãos, que, curiosamente, ocupa somente dez das 6.700 notícias analisadas. “Durante a epidemia de cólera, por exemplo, há apenas uma referência ao estranho comportamento dos médicos do hospital de Roma que não se aproximavam dos doentes senão com a cara coberta com máscara e luvas nas mãos”, narra Maria Antónia.

Durante a epidemia de peste, a publicidade se tornou uma ferramenta de incentivo para a higiene, com anúncios recorrentes de sabonetes desinfetantes e da necessidade de lavar as mãos após o contato com objetos contaminados. “Enquanto não havia qualquer alerta de médicos ou autoridades sanitárias para a necessidade de higiene oral, foi nos anúncios que se encontraram as primeiras referências à lavagem dos dentes”, narra Maria Antónia. No entanto, segundo a investigadora, ainda era longo o caminho da higiene rumo à prevenção correta das epidemias.

Além da evolução dos conhecimentos e das práticas médicas, da falta de higiene e do comportamento socialmente repreensível, outro fator presente na imprensa da época, segundo a pesquisadora, é a injustiça da aplicação das medidas sanitárias e suas falhas, que decorriam em ineficácia. “O medo e o terror são também fatores recorrentes, assim como a questão moral da doença e o fator comportamental: a epidemia como castigo para comportamentos excessivos e desregrados”, complementa a investigadora. “Em todos esses casos, a imprensa revelou-se uma fonte histórica indispensável. A hipótese de que a imprensa generalista portuguesa do século 19 e início do século 20 tinha a intenção de educar e formar o público leitor e ouvinte nos parece perfeitamente identificada e comprovada”, conclui Maria Antónia. 

Leia o artigo na íntegra. 

Imagem retirada do artigo.

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