Início do conteúdo

27/09/2007

Artigo de pesquisadores da Fiocruz sobre doenças negligenciadas sai na 'Nature'

Fernanda Marques


O modo como a pesquisa, o desenvolvimento tecnológico e a inovação têm sido conduzidos no Brasil precisa mudar e essas atividades devem ser coordenadas nacionalmente, no âmbito de uma sólida estrutura de política industrial. Este é o diagnóstico feito por cinco especialistas da Fiocruz em artigo publicado agora em setembro em uma das mais prestigiadas revistas científicas do mundo, a britânica Nature. Voltado, principalmente, ao setor da saúde, o trabalho destaca o desafio de transformar os resultados das pesquisas em produtos como medicamentos contra doenças negligenciadas – aquelas que atingem, sobretudo, populações de baixo poder aquisitivo e, por isso, não são alvo das grandes corporações farmacêuticas.


 Capa da edição de setembro, que traz o artigo citado

Capa da edição de setembro, que traz o artigo citado


Os autores são o presidente da Fiocruz, Paulo Buss; o vice-presidente de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico, José Carvalheiro; o diretor do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos), Eduardo Costa;  o diretor do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS), Carlos Morel; e a analista de ciência e tecnologia do Projeto Inovação, Carmen Romero. No artigo, eles enfrentam a questão de por que, apesar do bom desempenho da ciência brasileira, as descobertas científicas não conduzem a novos tratamentos para doenças como malária, hanseníase, dengue, leishmaniose e Chagas. De modo geral, brasileiros assinam cada vez mais artigos científicos, mas a taxa de patentes por artigos publicados é baixa.


Os dados sinalizam que o país carece de uma estrutura capaz de absorver o conhecimento gerado nos laboratórios e introduzi-lo no mercado. Para aprofundar essa discussão, os autores abordam as atuais políticas de ciência e tecnologia no Brasil sob uma perspectiva histórica. Originadas nos anos 50, elas consideravam que a ciência básica seria suficiente para o progresso tecnológico, econômico e social. “Esse paradigma se mostrou útil em países desenvolvidos com infra-estrutura industrial forte. Mas no Brasil ele culminou em uma comunicação pobre entre a academia e a indústria”, diz o artigo.


Nos anos 90, o governo brasileiro adotou políticas que trouxeram ainda mais dificuldades para as indústrias. A competição internacional aumentou e várias companhias brasileiras farmacêuticas e de biotecnologia não sobreviveram. “Hoje, a conseqüência dessas políticas é um déficit anual de US$ 2 bilhões na balança comercial para produtos farmacêuticos e de mais de US$ 3 bilhões para todos os produtos médicos”, exemplifica o artigo.


Embora esses números não sejam animadores, o Brasil também tem histórias de sucesso na área de vacinas e fármacos – como exemplos, a própria Fiocruz e o Instituto Butantã, no setor público, e as companhias Aché, Cristália e Nortec Química, no setor privado. Além disso, nos últimos anos, destacam-se iniciativas como a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) e a Lei de Inovação. Elas podem ajudar a preencher a lacuna existente entre pesquisa básica e inovação em diversos segmentos, como no combate às doenças negligenciadas, mas isso não será tão fácil. “Áreas que tradicionalmente requeriam pouca tecnologia (como o desenvolvimento de vacinas), dando ao setor público uma vantagem, estão sendo dominadas por processos de produção tecnologicamente intensivos e caros”, lembra o artigo. “Existe, portanto, uma necessidade urgente de criar novos mecanismos, estratégias e políticas, dentro da estrutura da PITCE, para tratar de questões centrais que afetam a saúde da população.”


Entre essas estratégias, está a aproximação entre academia e indústria e entre os setores público e privado, bem como cooperações internacionais. Nesse sentido, merece destaque um acordo recente firmado entre a Fiocruz e a empresa americana de biotecnologia Genzyme, com o objetivo de desenvolver novos tratamentos para doenças negligenciadas. “Esse fortalecimento de colaborações internacionais e de parcerias entre o público e o privado, bem como melhorias nas políticas para a indústria e a educação, é crucial para o Brasil avançar rumo a um efetivo sistema de inovação nacional e continuar no caminho para a recuperação”, conclui o artigo.

Voltar ao topo Voltar