17/11/2022
Elisandra Galvão (VPPCB/Fiocruz)
As restrições colocadas à distribuição de material biológico pela legislação de países como Índia, África do Sul e Brasil excluem linhagens para servir como linhagem tipo, ou seja, material para a validação ou publicação válida de nomes de espécies de bactérias. Este problema é o tema central do artigo How legislations affect new taxonomic descriptions (Como as legislações afetam as novas descrições taxonômicas, em tradução livre), publicado em novembro na revista científica Trends in Microbiology. A discussão desse problema vai além da questão da taxonomia de procariotos e é relevante também para outras áreas da pesquisa biológica.
Com participação de pesquisadora do Biobanco Covid-19 da Fiocruz, o artigo cita como principal exemplo das dificuldades enfrentadas por pesquisadores um caso de 2020, envolvendo o International Journal of Systematic and Evolutionary Microbiology (IJSEM). Na época, a publicação informou a seus autores que não aceitaria mais comprovação de depósito de linhagens tipo provenientes de países como Índia, África do Sul, Brasil, ou da Coleção Microbiana Polar e Alpina, da Coréia do Sul. Isso ocorreu devido a requerimentos do Código Internacional de Nomenclatura de Procariotos (INCP, na sigla em inglês).
A decisão da IJSEM está relacionada, principalmente, às exigências colocadas pelas respectivas legislações do Brasil, Índia e África do Sul quanto ao compartilhamento de material biológico. Os autores apresentam ainda uma síntese dessas legislações destacando os requerimentos que envolvem o acesso a recursos genéticos e reforçam, como parte da solução, um maior diálogo entre comunidade científica, taxonomistas e coleções de cultura com as instâncias do governo.
"Em instituições brasileiras, incluindo a Fiocruz, o impacto já vem sendo sentido nos últimos anos com o impedimento da validação de novas espécies de bactérias de origem brasileira. Este empecilho causa grande prejuízo para o conhecimento da diversidade microbiana, assim como para pesquisa e desenvolvimento tecnológico e, consequentemente, para a bioeconomia", comentou a pesquisadora da Fiocruz, Manuela da Silva, que participante do artigo. "Além disto, considerando que as comprovações de depósito fornecidas pelas coleções de culturas brasileiras não são aceitas para a validação de novas espécies, os depósitos de linhagens de fora do Brasil foram reduzidos".
O artigo é assinado por Manuela da Silva (Biobanco Covid-19 da Fiocruz), Philippe Desmeth (Escritório Belga de Política Científica), Stephanus N. Venter (Departamento de Bioquímica, Genética e Microbiologia e Instituto de Biotecnologia Florestal e Agrícola da Universidade de Pretória – África do Sul), Yogesh Shouche (Centro Nacional de Recursos Microbianos, Centro Nacional de Ciência Celular – Índia) e Andrey Youkov (Instituto Leibniz DSMZ – Coleção Alemã de Microorganismos e Culturas de Células), e pode ser acessado integralmente no site da Trends in Microbiology.