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24/09/2018

Atividade discute impactos da austeridade em políticas públicas

Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)


A Fiocruz foi palco, na última sexta-feira (21/9), do lançamento do livro Economia para poucos: impactos sociais da austeridade e alternativas para o Brasil, da editora Autonomia Literária. O lançamento, realizado no Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), ocorreu após o debate Impactos sociais da austeridade e alternativas para o Brasil, que teve a participação de quatro dos autores, todos economistas: a co-organizadora do livro Esther Dweck, do Instituto de Economia da UFRJ, que discorreu sobre Impactos sociais da austeridade e alternativas para o Brasil; Carlos Octávio Ocké-Reis, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que abordou os Efeitos sobre o gasto público federal em saúde; Bruno Sobral, da Faculdade de Ciências Econômicas da Uerj, que tratou de Austeridade, segurança pública e federalismo; e Gustavo Souto de Noronha, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com a apresentação A questão agrária, a Emenda Constitucional 95 e possíveis alternativas.

Evento de lançamento debateu os impactos sociais da austeridade e alternativas para o Brasil (foto: Raquel Portugal, Icict/Fiocruz)

 

Na abertura do evento, o diretor do Icict, Rodrigo Murtinho, disse que a atividade se insere na celebração dos 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos, dos 40 anos da Declaração de Alma-Ata e dos 30 da Constituição brasileira e também da lembrança do Relatório MacBride, lançado em 1980. A mediação do debate foi feita pelo coordenador de Ações de Prospecção da Fiocruz, Carlos Gadelha, que abriu a atividade afirmando que a atual situação do Estado do Rio de Janeiro é um espelho da austeridade, fazendo com os problemas daqui sejam mais perversos.

Esther Dweck abriu sua intervenção dizendo que a intenção da Autonomia Literária – que lançou um selo intitulado Anti-austeridade – foi a de reunir pesquisadores de diferentes áreas para promover uma discussão macroeconômica e reunir reflexões sobre os impactos das medidas e programas de austeridade nas políticas públicas e consequentemente na vida da população. “Essas áreas não são competidoras entre si. Pelo contrário, têm que andar juntas, mostrando as mazelas desse projeto concentrador de renda”. O livro dá sequência a um estudo anterior, chamado “Austeridade e retrocesso”, e é uma construção coletiva que contou com a participação de 29 colaboradores de 18 instituições.

Para Esther, “o discurso da austeridade é baseado em mitos, como o mito do orçamento doméstico. É claro que a austeridade pessoal, na vida de cada indivíduo, é positiva. Mas não no caso de um país. A austeridade não aumenta o crescimento e tem fortes impactos distributivos e sociais. Ela acaba por gerar um círculo vicioso, no qual há queda na arrecadação, redução no crescimento do PIB. E se não há crescimento da economia verifica-se queda nos investimentos sociais. Infelizmente não estamos vendo essas questões serem debatidas no atual processo eleitoral”.

Carlos Octávio Ocké-Reis disse que diante do atual cenário a política de saúde precisa ganhar relevância para resistir. “A Saúde corresponde a 9,1% do PIB. No gasto público na área, cada real aplicado representa R$ 1,70 em investimento”. Ele lembrou que o SUS é redistributivo e que é importante reafirmar “o papel indutor das políticas de saúde sobre o emprego, a produção, a renda e a inovação tecnológica. Essa natureza redistributiva é evidente, assim como as implicações sobre a produtividade do trabalho, o bem-estar social e o crescimento econômico”.

Para Ocké-Reis, “o quadro a partir da aprovação da EC 95 apresenta piora nas condições de vida e saúde e a volta de doenças evitáveis e algumas já erradicadas. Precisamos de investimentos em saúde para desenvolver o país e distribuir renda. Os serviços públicos de saúde estão sucateados”. Segundo ele, a EC 95 “destrói princípios constitucionais do SUS e precisa ser revogada.  Existe uma clara alternativa a esse modelo iníquo. No entanto, isso só será conseguido com a união de nossa base social e política, que precisa estar irmanada para derrotar esse processo”.

Em seguida, Bruno Sobral observou que o Rio de Janeiro é atualmente “um estado tutelado. Continuaremos assim com o próximo governador? O Rio de Janeiro está com suas potencialidades ociosas e reprimidas pelo controle de grandes agiotas”. Para ele, o Rio de Janeiro está sob um projeto que prevê submeter as demandas e necessidades legítimas da população a uma política de austeridade que é perversa e pune os mais pobres. “Uma reforma tributária é fundamental para mudar esse quadro, mas com um olhar político, como foram o Plano Marshall e o New Deal. Precisamos induzir a economia, defender a Constituição de 1988 e fazer política pública social. Do contrário vamos continuar namorando o fascismo”.

Em sua intervenção, Gustavo Noronha disse que o Brasil é refém da bancada ruralista, que segundo ele foram fundamentais para o retrocesso de direitos. “Sem uma reforma agrária radical o país não vai avançar. Todos os países que vemos como modelos passaram, nas mais variadas formas, por uma reforma agrária. O Brasil é o país da reforma agrária perene. O Índice de Gini no campo ainda é o mesmo da década de 1940. O país é refém da agenda do atraso. Atualmente vemos uma hegemonia paulista agro-financeira, no que pode ser chamado de ‘vingança de 1932’ [em uma alusão à Revolução Paulista de 1932, derrotada pelo governo de Getúlio Vargas]. São as velhas elites da República Velha voltando a dar as cartas”. Ele comentou que o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), um dos raros impostos sobre a propriedade no país, “poderia aumentar o valor que arrecada, atualmente de cerca de R$ 800 milhões anuais, para R$ 8 bilhões apenas com uma fiscalização mais eficiente por parte do governo federal. É mais um entrave dos ruralistas”.

O economista lembrou que, “se o ajuste liberal introduzido pela ex-presidente Dilma Rousseff e seu ministro da Fazenda Joaquim Levy já comprometiam, em 2015, o orçamento das políticas públicas voltadas para o campo e a floresta, os números do ultraliberal governo atual são ainda piores”. Para ele, o que se propõe é a desconstrução de políticas públicas que foram montadas, governo a governo, pelo menos desde 1995, com a introdução do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Noronha disse que manter o atual modelo agrário exportador é causar problemas no mercado interno e comprometer a soberania alimentar nacional. Para ele, a EC 95 desestrutura o país e deve ser combatida numa percepção que leve “à formação de uma frente ampla contra o fascismo”.

Livro

Quais os efeitos da austeridade na ponta? No acesso aos direitos sociais como saúde e educação? Na vida das pessoas do campo? Na preservação do meio ambiente? No acesso à cultura da população mais carente? Como fica o papel do Estado na garantia de direitos humanos básicos? Na redução do déficit habitacional? E como ficam os princípios básicos da Constituição de 1988 nesse contexto de austeridade? Há alternativas a esse projeto? O livro Economia para poucos: impactos sociais da austeridade e alternativas para o Brasil organizado por Pedro Rossi, Esther Dweck e Ana Luiza Matos de Oliveira, busca responder a essas perguntas e, ao fazer isso, articula o tema da gestão orçamentária com a agenda dos direitos sociais.

Trata-se de uma abordagem pouco comum na literatura especializada que usualmente separa a dimensão macroeconômica (orçamento público, regime e política fiscal) e a dimensão social (políticas setoriais, financiamento de programas específicos). Para isso, os dois capítulos iniciais do livro são voltados para os aspectos macroeconômicos e políticos da austeridade fiscal enquanto os demais se dirigem às áreas sociais – seguridade social, saúde, educação básica, educação superior, meio ambiente, cultura, segurança, moradia, agricultura familiar, reforma agrária, mulheres e direitos humanos. Os capítulos buscam apresentar aos avanços e limites recentes das políticas públicas, mostrar o impacto sociais dos cortes orçamentários e de outras mudanças nas orientações de políticas e apontar caminhos para uma agenda positiva para as áreas.

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