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18/04/2008

Brasil ganha primeiro laboratório de referência em hidatidose

Marcelo Garcia


O Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz passou a abrigar o primeiro laboratório de referência em hidatidose do país. O Laboratório de Helmintos Parasitos de Vertebrados do IOC foi reconhecido pelo Ministério da Saúde (MS) como referência nacional para o diagnóstico da verminose, que afeta principalmente o fígado e pode levar à morte. A hidatidose é causada por parasitos da família das tênias, que têm no homem um hospedeiro acidental. No Brasil, são conhecidas duas espécies de vermes que podem causar a doença: Echinococcus granulosus, comum na Região Sul, e Echinococcus vogeli, presente no Norte.  Na natureza, o cão é o hospedeiro definitivo das duas espécies. As fezes de cães com os ovos do verme contaminam o meio ambiente – água e solo –, no peridomicílio, podendo chegar às pastagens. No Sul, os hospedeiros intermediários são ovinos e bovinos; no Norte, animais como pacas e cutias.


 A coroa de ganchos de <EM>E. vogeli</EM> permite que o verme adulto se fixe no intestino de seus hospedeiros

A coroa de ganchos de E. vogeli permite que o verme adulto se fixe no intestino de seus hospedeiros


“A fase larvar do verme, que forma o chamado cisto hidático, ocorre preferencialmente no fígado, podendo afetar outros órgãos”, explica a pesquisadora Rosângela Rodrigues e Silva, do, responsável pelo novo serviço de referência e consultora do MS para hidatidose. “Quando o homem caça uma paca, por exemplo, em geral não aproveita as vísceras, que viram alimento para os cães, recomeçando o ciclo da doença”, esclarece.


A infecção humana acidental acontece com a ingestão dos ovos do parasito adulto, por meio da água e de alimentos contaminados. Especialmente no caso de crianças, a infecção pode acontecer ao levar as mãos à boca após contato direto com os animais domésticos contaminados. “O principal fator que contribui para a doença é a falta de saneamento básico e de educação sanitária”, pondera a pesquisadora. “Em especial no Norte a situação é mais grave, pois além da falta de informação, a distância e os obstáculos de acesso dificultam e encarecem o diagnóstico e o tratamento”, justifica.


No ser humano, a doença atinge principalmente fígado, pulmão e cérebro, levando à formação de cistos. A infecção por E. vogeli costuma ter um tratamento mais difícil, por ocasionar a aparição de diversos cistos ao invés de apenas um. Os sintomas variam de acordo com a localização e o tamanho do cisto, podendo incluir dores abdominais, fadiga, febre, manifestações alérgicas, tosse e, quando os cistos se rompem, choque anafilático. “No entanto, em muitos casos, a fase inicial da infecção pode ocorrer de forma assintomática”, afirma a pesquisadora. “Isso, aliado à gravidade da doença e à pouca informação disponível sobre ela, faz com que, quando diagnosticada já em um estágio avançado, a hidatidose apresente alto grau de mortalidade”.


Em geral, a hidatidose é tratada com remédios anti-helmínticos e, em muitos casos, é necessária uma cirurgia para remover o cisto. Não existem dados oficiais sobre a ocorrência da doença, mas em 2007 o Laboratório de Helmintos Parasitos de Vertebrados do IOC notificou 32 casos positivos de hidatidose no Brasil, de um total de 73 análises realizadas. Rosângela espera que, com a consolidação do serviço de referência, este quadro possa mudar. “O estabelecimento de um centro de referência para onde as amostras suspeitas da doença podem ser encaminhadas certamente facilitará a notificação de casos, ampliando o conhecimento sobre a real ocorrência da doença no país”, resume.


O serviço de referência disponibilizado pelo laboratório engloba testes de sorologia e análises morfológicas do parasito. O primeiro é um teste de diagnóstico, em que as amostras são analisadas para indicar ou não a possibilidade de infecção. Em testes positivos, caso o paciente apresente manifestação clínica compatível, exames complementares realizados no local, como exames por imagem como raio-X e ultra-sonografia principalmente, podem apontar a necessidade de intervenção cirúrgica para a retirada do cisto. Posteriormente, o laboratório recebe esse material para análise morfológica, para confirmação parasitológica e determinação da espécie do parasito. “Isso é importante, por exemplo, no acompanhamento da doença após a cirurgia, caso trate-se de um E. vogeli, que apresenta uma forma policística. Com o conhecimento que temos hoje, sabemos que ele necessita de um tratamento mais prolongado do que o tratamento conhecido na literatura para E. granulosus”, explica a pesquisadora.


Desde 2005, o laboratório já recebia amostras de pacientes de diversas regiões do Brasil, suspeitos de estarem contaminados com a doença. “No início, o interesse era apenas a pesquisa científica, mas logo se criou uma rotina de exames de diagnóstico, com amostras de diversas partes do Brasil, como Pará, Amazonas, Amapá e Mato Grosso”, resume. “É importante alertar as pessoas sobre a doença e suas formas de contaminação, pois ela ainda é muito desconhecida e recebe poucos investimentos em seu estudo”, afirma. A pesquisadora destaca, também, o trabalho conjunto do laboratório com todos os laboratórios centrais (Lacens), hospitais e universidade do Brasil que atuam no controle da hidatidose. “O trabalho de equipe é fundamental, pois só com a colaboração de instituições de todo o país é possível atingir a população”, garante. A iniciativa recebe recursos do Programa de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde Pública (PDTSP) da Fiocruz.

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