Busca do diagnóstico na tentativa de evitar a contaminação

Publicado em
Bel Levy
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O episódio do isolamento do HIV-1 no Brasil e na América Latina, que culmina com a publicação do artigo que descreve o trabalho na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz em 1987, tem início dois anos antes, de forma bastante pitoresca. Em 1985, o casal de virologistas Hélio e Marguerite Pereira forneceu a Bernardo Galvão duas garrafinhas que abrigavam células humanas infectadas pelo vírus da Aids. O material, cedido a Peggy – como Marguerite era conhecida – pelo pesquisador norte-americano Robert Gallo, envolvido no isolamento do HIV-1 nos Estados Unidos, serviu de base para os estudos que levaram ao isolamento do vírus da Aids na América Latina.


 Castelo-Branco: metodologia da Fiocruz para triagem do sangue foi crucial

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Com o material em mãos, o primeiro passo dos pesquisadores do IOC foi trabalhar para implantar as técnicas necessárias para a identificação sorológica da infecção causada pelo HIV-1, dando início ao processo de desenvolvimento do primeiro kit diagnóstico brasileiro, realizado por imunofluorescência – técnica que sinaliza por iluminação ultravioleta a presença de antígenos ligados a anticorpos específicos. Outro objetivo primordial era criar as bases para a triagem do material coletado por bancos de sangue. A iniciativa está ligada à aprovação, 16 anos mais tarde, da Lei 10.205 de 2001, que regulamenta coleta, processamento, estocagem, distribuição e aplicação do sangue, seus componentes e derivados e proíbe o comércio destes materiais no Brasil. A gravidade da situação dos bancos de sangue fica evidente no próprio episódio de isolamento do vírus da Aids: as amostras clínicas que subsidiaram a realização do projeto foram coletadas de um paciente infectado pelo HIV-1 através de transfusão de sangue feita após um acidente de trânsito.


“Na década de 80, bancos de sangue atuavam em todo país sem qualquer  controle. Para estimular a doação, muitos ofereciam dinheiro em troca da coleta, o que atraía populações marginalizadas, como pessoas em situação de rua, profissionais do sexo e usuários de drogas, freqüentemente contaminados pelo HIV-1”, lembra o imunologista Luiz Roberto Castello-Branco, atual chefe do Laboratório de Imunologia Clínica do IOC e autor de um estudo pioneiro de investigação sorológica de mendigos que nos anos 80 identificou forte prevalência de Aids, sífilis e hepatites neste grupo, denunciando o alto risco de contaminação do material biológico distribuído por instituições que coletavam sangue desta população. “Para interromper a difusão de patógenos através da distribuição de sangue contaminado era fundamental a utilização de uma técnica capaz de identificar o HIV-1, para que o material coletado pudesse ser avaliado e selecionado. A atuação do Departamento de Imunologia do IOC, que desenvolveu a metodologia para a triagem do sangue foi crucial para este processo”, reconhece o  imunologista.


Solucionado o problema, os pesquisadores ajustaram o foco de seus microscópios a outro desafio: isolar o vírus da Aids no Brasil. Em 1987, o HIV-1 já havia sido isolado em diversos países desenvolvidos e executar a tarefa no Brasil – e na América Latina – era imprescindível para inserir o país no cenário científico internacional de pesquisa em HIV/Aids. Não fosse o isolamento do vírus circulante no país, seria impossível, por exemplo, desenvolver estudos para a produção de vacinas e medicamentos específicos para a população brasileira de acordo com as características dos vírus que circulam aqui, identificar e comparar os subtipos circulantes nas diferentes regiões do país ou monitorar a resistência de pacientes à terapia anti-retroviral.