02/12/2015
A nova revista Cadernos de Saúde Pública (vol.31 n°9) traz três artigos que debatem entre si. Paulo Fontoura Freitas, Bianca Carvalho Moreira, André Luciano Manoel e Ana Clara de Albuquerque Botura, da Universidade do Sul de Santa Catarina, produziram O parecer do Conselho Federal de Medicina, o incentivo à remuneração ao parto e as taxas de cesariana no Brasil, que buscou investigar como o incentivo à remuneração ao parto, preconizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) do Brasil, influencia as taxas de cesariana. Foi pesquisada uma amostra consecutiva de 600 puérperas. A proporção de cesarianas na amostra foi de 59,2%, sendo 92,3% entre as mulheres tendo parto e pré-natal com o mesmo profissional. As taxas de cesariana foram significativamente mais elevadas exatamente naqueles grupos com maior prevalência do mesmo profissional, ou seja, idade mais avançada, maior escolaridade, pré-natal privado ou por convênio, cesariana prévia e admitidas precocemente. "O entendimento do CFM de que o incentivo ao acompanhamento presencial do trabalho de parto, pago à parte para o mesmo obstetra que realizou o pré-natal, funcionará como incentivo ao parto normal, está exatamente na contramão de nossos resultados, mostrando que as mulheres atendidas pelo mesmo profissional no pré-natal e parto são exatamente aquelas que apresentam as taxas de cesariana mais elevadas."
(Confira na íntegra o volume 31, número 9 da revista Cadernos de Saúde Pública)
O artigo da pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), Maria do Carmo Leal, comenta o artigo sobre o Parecer do Conselho Federal de Medicina. “Me surpreendeu por não imaginar como poderiam ter realizado um estudo sobre este parecer e suas consequências sobre as taxas de cesariana no Brasil, dado que o referido parecer não foi referendado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)”.
Para Maria do Carmo, os autores não examinaram exatamente essas relações nesse artigo, mas utilizaram a temática do parecer do CFM para notificar a sua insuficiência ou inadequação para reverter ou mesmo diminuir as taxas de cesarianas, dado que o maior risco para a ocorrência de uma cesariana é o atendimento ao parto ser realizado pelo mesmo médico que acompanhou a gestante durante o pré-natal. “Nesse sentido, o parecer do CFM não contribuiria para reduzir o problema porque reforça o modelo atual de atenção ao parto que tem mantido um crescimento anual de dois pontos percentuais na taxa de cesariana”. Para a pesquisadora, o artigo de Freitas et al. mostra claramente que ter o mesmo médico no pré-natal e no parto é uma variável mediadora do tipo de parto, mas não é o fato de ser o mesmo médico em si que representa risco para a ocorrência de uma cesariana. “Essa variável é, na verdade, uma proxy do modelo de assistência obstétrica que temos no país, e por isto tem poder para potencializar as associações entre as variáveis independentes desse estudo e a ocorrência de cesariana”.
Paulo Fontoura Freitas, Bianca Carvalho Moreira, André Luciano Manoel, Ana Clara de Albuquerque Botura respondem às colocações de Maria do Carmo Leal em outro artigo. “Entendemos a surpresa do leitor ao se deparar com um estudo que, aparentemente, busca analisar o impacto de um parecer não referenciado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Entretanto, da mesma maneira que a variável ‘mesmo médico’ é uma proxy do modelo de assistência obstétrica no país, conforme detectado, com propriedade, por Leal, entendemos que o teor do parecer defendido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), independentemente de sua aprovação pela ANS, representa o pensamento de grande parte da comunidade obstétrica, fator central que instiga a presente análise”.
A opinião do conselheiro federal e coordenador de comissão do CFM, que tratou do tema, ao postular que o incentivo à remuneração é essencial para favorecer a realização de partos normais e que “Esse fator, a remuneração, é sem dúvida um dos elementos essenciais de um conjunto de ações coordenadas que o CFM vem discutindo para reverter a elevada proporção de cesarianas hoje no Brasil”, foi na verdade o ponto de partida para o nosso estudo.
Quanto à impossibilidade de acessar com exatidão “pagamento à parte”, os resultados dos autores mostram que a quase totalidade das mulheres que tiveram o parto pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com o mesmo médico que realizou o pré-natal declararam não ter pago pelo parto e que a totalidade daquelas que referiram ter pago haviam realizado pré-natal privado deixando em segundo plano, ao nosso ver, a importância da variável “pagamento à parte”, tanto como parte do modelo multivariado, por praticamente duplicar a informação da variável “status do parto”, quanto pela construção das conclusões finais. Subsidiando esse raciocínio, os resultados informam que o “pagamento à parte” pelo parto não é condição sine-qua-non para ter o mesmo médico, apontando para o ‘potencial para negociação’ paciente/obstetra, já referido por outros estudos.
Fatores associados à adequação do cuidado pré-natal e à assistência ao parto em São Tomé e Príncipe, 2008-2009 é o título do artigo de Claudia Cristina de Aguiar Pereira, Iuri da Costa Leite, Mariza Miranda Theme Filha, da Ensp/Fiocruz, e Patrícia Alexandra da Graça Dantas dos Reis, da Universidade Intercontinental de Cabo Verde, no qual foram identificados fatores sociodemográficos associados com o cuidado pré-natal e com a assistência ao parto em São Tomé e Príncipe. A amostra foi composta por 1.326 nascidos vivos de mulheres de 15 a 49 anos que participaram do Inquérito Demográfico e Sanitário de São Tomé e Príncipe, 2008-2009. A adequação global do cuidado pré-natal foi de 26% e da assistência ao parto de 7% quando realizado por médicos e de 76% quando realizado por enfermeiras/auxiliares. Os fatores associados ao pré-natal e à assistência ao parto adequados foram: ordem de nascimento, educação materna e o índice de bem-estar econômico. O local de residência se mostrou fator importante apenas em relação à assistência ao parto. Observou-se que os efeitos aleatórios referentes às áreas onde as mulheres residem exerceram impacto importante sobre a chance de realizar pré-natal adequado e parto com profissionais capacitados. A importância dos fatores socioeconômicos aponta para a elaboração de ações que visem reduzir a desigualdade social em São Tomé e Príncipe.
Intitulado Pode o arcabouço regulatorio sobreviver ao 21st Century Act Cures?, o artigo das pesquisadoras Claudia Garcia Serpa Osorio-de-Castro e Vera Lúcia Edais Pepe, da Ensp/Fiocruz; e Rosângela Caetano, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), tratam do objeto de exame por parte da comunidade acadêmica no EUA: em julho de 2015, a Câmara dos Representantes do Congresso dos Estados Unidos aprovou um ato, conhecido como a Lei de 21 do século Cures, para acelerar a descoberta, desenvolvimento e entrega de curas do século 21, e para outros fins. “Opiniões sobre o ato divergem entre aqueles que veem as suas medidas para promover a inovação como insuficiente e aqueles que consideram o ato um revés para a proteção da saúde, porque prejudica a importância da avaliação da eficácia e segurança dos medicamentos e outras tecnologias da saúde”. Segundo o texto, consequências imprevisíveis para a máquina de regulamentação internacional pode, no entanto, não só ser prejudicial, mas permanente, considerando a influência mundial da Food and Drug Administration (FDA) sobre assuntos regulatórios. “Aspectos específicos desta nova legislação deve ser discutido por causa de suas implicações, que, em nome da flexibilidade e velocidade, podem comprometer um quadro regulamentar que levou muitos anos para aperfeiçoar e minar as bases científicas e éticas para o processo de aprovação das tecnologias da saúde”.
No artigo Fatores associados ao desenvolvimento neuropsicomotor em crianças de 6-18 meses de vida inseridas em creches públicas do Município de João Pessoa/Paraíba, os pesquisadores Ângela Cristina Dornelas da Silva, da Universidade Federal da Paraíba, Elyne Montenegro Engstron, da Ensp/Fiocruz; e Cláudio Torres de Miranda, da Universidade Federal de Alagoas, verificaram a prevalência de alteração no desenvolvimento neuropsicomotor em lactentes inseridos nas creches públicas de João Pessoa/Paraíba e analisaram fatores associados ao desenvolvimento infantil. A prevalência de alteração no desenvolvimento foi 52,7%. Associou-se à alteração no desenvolvimento a criança ter mais que 12 meses de idade, o parto vaginal, a fototerapia e a creche não ter apoio da Estratégia Saúde da Família. Os achados sugerem que o desenvolvimento infantil é o reflexo das condições familiares, bem como da assistência recebida pelos serviços de educação e saúde.