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26/09/2007

Cientistas podem ajudar gestores na política de saúde

Paula Lourenço


Por que existe um descompasso entre a produção científica em saúde e sua aplicação pelos gestores públicos brasileiros para doenças transmitidas por vetores, como dengue e filariose? Um estudo desenvolvido pelo Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães (CPqAM), unidade da Fiocruz em Pernambuco, analisou o problema, apontando os gargalos e possíveis soluções para essa situação. A autora da pesquisa, a médica Idê Gomes Dantas Gurgel, verificou que, entre os grandes entraves, estão a falta de flexibilidade entre as duas instâncias – academia e gestão –, a ausência de vontade política do gestor e a dificuldade de acesso às informações produzidas, que, na maioria das vezes estão em inglês (85,8% dos artigos científicos produzidos no país sobre dengue e filariose estão nesse idioma).


 O estudo destaca que a implantação do programa de filariose, uma parceria do CPqAM com a Prefeitura do Recife, tem funcionado a contento tanto para gestores quanto para academia e população

O estudo destaca que a implantação do programa de filariose, uma parceria do CPqAM com a Prefeitura do Recife, tem funcionado a contento tanto para gestores quanto para academia e população


“A língua é, sim, uma dificuldade real, pois muitos gestores não têm domínio do inglês”, argumentou Idê, lembrando que, além disso, há o agravante de eles não terem acesso às revistas científicas internacionais onde se encontram os artigos, embora uma parte deles, no caso da capital pernambucana, possui qualificação profissional, com mestrado e doutorado. “Por isso, é importante que os resultados sejam divulgados não só nas revistas científicas, mas também na grande imprensa, que tem papel estratégico nessa interação”, pontuou a pesquisadora.


Para chegar a essas conclusões, a médica fez uma série de entrevistas com gestores e pesquisadores do Recife. “Em muitas das entrevistas notei que o gestor se queixa da onisciência do pesquisador com visão positivista, com discriminação do conhecimento empírico, sugerindo, inclusive, que os cientistas também passassem por funções de gestão para ter conhecimento diferenciado. O pesquisador também se queixa, dizendo que o gestor sempre quer ter a certeza de resolver o problema, de querer resultado imediato, quando a ciência trabalha com a incerteza, com o desconhecido e também com resultados de longo prazo”, frisou.


Além das entrevistas, ela analisou a política nacional de doenças transmitidas por vetores, de 1990 até 2005, observando como foi sua condução e suas mudanças nesses 15 anos, e concluiu que os modelos de controle baseados na perspectiva ecossistêmica implementados em alguns municípios, como o Recife, conseguem melhores resultados no controle dessas doenças. A partir de uma revisão sistemática da produção científica sobre filariose e dengue, em publicações científicas nacionais e internacionais, Idê verificou que há vasta produção científica tanto na área de dengue, que saltou de um artigo, em 1990, para 92, em 2004, quanto na área de filariose".


A pesquisadora destacou que há o maior domínio do conhecimento baseado nas idéias, crenças e valores tradicionais, o que explicaria a manutenção, por exemplo, de controle químico dos vetores em detrimento de maior investimento em ações de saneamento. “No Recife esse padrão tende a mudar, já que o CPqAM é centro de excelência para filariose e tem vasta produção sobre dengue e controle de vetores”, detalhou Idê, lembrando que, de 2000 até o momento, o Centro vem estabelecendo um diálogo com a Prefeitura do Recife, com a implantação do programa de filariose, o que tem funcionado a contento tanto para gestores quanto para academia e população.


Como forma de resolver esse descompasso e o embate pesquisadores X gestores, Idê apontou a necessidade de criação de fóruns específicos, envolvendo pesquisadores e gestores, e uma maior integração entre esses dois mundos, durante todos os momentos do projeto de pesquisa. Isso permitiria a definição pactuada quanto ao cronograma do estudo e principalmente os resultados finais. “É necessário um contínuo exercício para tornar mais próximo o processo de definição das agendas de pesquisa e de ação política”, argumentou a pesquisadora. Ela esclareceu a necessidade de os pesquisadores estarem sensibilizados para o mundo da gestão e os gestores para a vida acadêmica.


O estudo, intitulado Pesquisa científica na condução de políticas de controle de doenças transmitidas por vetores, foi apresentado como trabalho de conclusão do doutorado em saúde pública do CPqAM, orientado pela pesquisadora Lia Giraldo, do Departamento de Saúde Coletiva (Nesc) do Centro.

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