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12/07/2016

COC/Fiocruz debate a divulgação científica nas mídias sociais

Marina Lemle (Blog de HCS-Manguinhos)


Quase cinco horas por dia é o tempo médio que o brasileiro passa por dia na internet, boa parte dele em redes sociais, principalmente o Facebook. No ranking das mídias mais usadas no país, a TV já caiu para segundo lugar. E o uso do celular para acessar a internet está prestes a ultrapassar o do computador. É neste cenário midiático em constante transformação que as revistas científicas precisam garantir seu lugar. Daí a relevância da mesa O papel das mídias sociais no periodismo científico no último dia do workshop Desafios de revistas interdisciplinares: experiências do Reino Unido, Brasil e América Latina em história, ciências sociais e humanidades, realizado de 22 a 24 de junho de 2016 na Fiocruz, no Rio.

Escalados para a mesa, estavam quatro editores brasileiros com conhecimento de causa e um editor inglês com assumida desconfiança em relação às redes sociais.

Germana Barata, editora do blog Ciência em Revista, que divulga artigos de diversos periódicos, defendeu que investir em divulgação científica nas redes sociais é uma boa estratégia para os periódicos. Ela contou que quando um artigo é bem divulgado, é notória a mudança no padrão de acessos, e o aumento dos acessos se reflete também num aumento do número de submissões de artigos para publicação.

“Atuar nas redes sociais é atingir um público de outras áreas acadêmicas e um grande público. Se o artigo atinge mais pessoas, tem mais chances de ser lido, usado e citado algum dia. Se a revista não trabalhar a divulgação, pouca gente vai ler. É preciso atrair novos leitores e mostrar ao que veio”, afirmou. Apesar das evidências, Germana contou que é necessário um trabalho intenso de convencimento das revistas, porque muitas ainda têm resistência à ideia ou não têm recursos para executá-la. Ela lembrou que o portal SciELO estabeleceu a divulgação científica como condição estratégica para quem quiser se manter no portal.

Na falta de uma equipe própria de divulgação, Germana recomendou que os editores procurem as equipes de comunicação das universidades ou instituições de pesquisa às quais as revistas são ligadas e peçam que divulguem os artigos mais importantes de cada edição. Segundo a editora, um release bem feito, explicando do que tratam os artigos, faz grande diferença. Caso não haja uma equipe de comunicação disponível, ela sugeriu a busca por um canal que já exista, para o qual se possa oferecer conteúdo periodicamente.

Germana destacou ainda o papel dos autores no esforço de divulgação dos artigos, compartilhando-os nas suas redes sociais, comentando e interagindo de uma forma geral. “Deve fazer parte da política de editoração a participação do autor nas redes”, disse.
Ela acrescentou que até os próprios editores às vezes não acreditam que um dado artigo possa vir a ser notícia, apesar da sua relevância regional, nacional ou mesmo internacional. Por fim, a editora ressaltou a importância do acompanhamento das estatísticas de acesso para o delineamento de estratégias futuras.

Café História: trabalho colaborativo

Um caso pioneiro de sucesso em divulgação científica na área de história é o Café História, do jornalista e historiador Bruno Leal. Desenvolvido há oito anos na plataforma Ning, que permite a interação com os usuários, a iniciativa tinha inicialmente duas missões: usar ferramentas das novas mídias para promover a livre troca de ideias entre professores, pesquisadores e alunos e divulgar a pesquisa histórica para historiadores e para a grande audiência (não especialistas). Inspirado no conceito da economia da colaboração, Leal conta com a participação do público para a renovação constante dos conteúdos, além da sua própria produção autoral e das parcerias com universidades e editoras.

De 2008 até hoje, 60 mil pessoas cadastraram-se no Ning do Café História, podendo interagir e contribuir com a rede. Em 2009, ele lançou o perfil no Twitter, que hoje tem 24 mil seguidores, e em 2010, a página no Facebook, que tem surpreendentes 340 mil curtidas. Hoje, 60% dos visitantes chegam no Ning do Café História pelo Facebook. A maioria dos acessos vêm do Brasil: São Paulo, Rio, Minas e Paraná. O editor percebe também uma tendência à internacionalização, principalmente na América Latina, com visitas do Paraguai, Argentina e México.

Em 2013, foi lançado o canal de vídeos Café História TV no You Tube, hoje com 5.800 inscritos e 38 vídeos postados. O Café História tem ainda um Instagram, usado para divulgar livros, e está na rede social do Google, que ainda não decolou.

HCS-Manguinhos: periódico nas redes há três anos

A experiência do periódico História, Ciências, Saúde – Manguinhos com blogs e redes sociais, iniciada em 2013, foi exposta pela sua editora-executiva, Roberta Cerqueira. Ela contou que desde o lançamento da revista, em 1994, houve preocupação com o acesso aberto, a divulgação e a circulação da revista. Releases eram enviados à imprensa e a cadernos de ciência e história, mas não havia muito êxito. O investimento nas novas mídias online foi fruto do incentivo do SciELO.

Roberta explicou que os blogs em português e em inglês e espanhol centralizam os conteúdos divulgados pelas páginas no Facebook e pelo perfil no Twitter. Além de divulgar resumos dos artigos de cada nova edição, temas candentes políticos e sociais são relacionados a artigos publicados anteriormente. Após a divulgação das matérias nos blogs e nas redes sociais, os autores são estimulados a divulgar as postagens nas suas redes pessoais e promover compartilhamentos. “As estatísticas já mostram resultados”, revelou.

Ela contou que as visitas ao blog em português vêm majoritariamente do Brasil, seguido por EUA, Portugal e Argentina. Já as visitas ao blog internacional variam muito mais de país. No blog nacional, a maioria dos leitores é mulher; no internacional, homem. Os usuários concentram-se na faixa dos 25 aos 35 anos.

“Sempre tivemos curiosidade de saber o perfil do leitor da revista. Com a entrada das revistas nas redes temos a chance de saber quem lê, se está na pós-graduação, de onde é, que temas interessam mais. Há uma demanda do público que começamos a observar. Ser uma revista de acesso aberto também contribui para isso”, afirmou.

Segundo Roberta, os desafios neste momento são não perder de vista o escopo da revista e manter o ritmo e a qualidade das publicações nas redes sociais, feitas por jornalistas especializadas.

Roberta ressaltou que as redes sociais e os blogs trazem novas possibilidades de mensuração de fator de impacto de artigos e podem levar à aceleração do ciclo de citações, que é mais lento nas áreas humanas. Ela pondera, porém, que os resultados  altmétricos (das novas metrias alternativas) não se refletem necessariamente em citações.

Fã do Twitter por ser mais dinâmico e não filtrar o conteúdo a ser mostrado – quem faz os filtros é o próprio usuário, e não parâmetros misteriosos como os do Facebook -, Roberta contou que o Twitter é muito usado por pesquisadores estrangeiros, apesar de não fazer tanto sucesso no Brasil. “Atingimos pelo nosso Twitter mais o público internacional, principalmente ingleses e americanos”, disse.

O projeto começou com apoio do Ipea, na categoria de inovação, e hoje é bancado pela Fiocruz e o CNPq.

Ciência pop e cidadã

O físico Ildeu Moreira, editor adjunto de HCS-Manguinhos e entusiasta da divulgação científica, destacou a grande variedade de experiências inovadoras nas redes sociais que permitem avaliação e monitoramento. Um exemplo é a página brasileira do Ano Internacional da Luz no Facebook, a segunda mais acessada do mundo sobre o tema. Segundo Moreira, vídeos e gifs têm compartilhamento muito grande. Outra página com bom público na educação básica é A física na escola, que visa atingir professores e alunos do ensino médio para atualizar o ensino.

Ildeu contou que também há forte interesse do público a respeito da história das ciências e personagens como Einstein, Darwin e grandes cientistas brasileiros, o que se percebe pela quantidade de compartilhamentos dos posts sobre estes temas. Também chama a atenção a participação das pessoas nas investigações sobre a história das cidades, de forma que a história se reconstrói coletivamente. “A rede social é um instrumento importante para apontar para a ciência cidadã”, afirmou.

Outra visão

Na contramão do que foi exposto pelos brasileiros estava o inglês Matthew Brown, editor do Bulletin of Latin American Research, que admitiu não entender o motivo do convite para participar daquela mesa, uma vez que não usa redes sociais e que a revista que edita tem acesso fechado. Ele contou então a sua experiência com o site The conversation.com, apoiado por crowdfunding, que recebe diariamente artigos acadêmicos de até mil palavras, divulgados gratuitamente em licença creative commons. Um dia, um artigo seu apareceu com milhares de acessos, e ele estranhou. Descobriu que o texto havia sido reproduzido pelo jornal britânico The Independent e pelo portal indiano Scroll.in – sites comerciais que, para sua perplexidade, não só não lhe pagaram pelo uso do artigo como nem lhe consultaram ou avisaram sobre a sua reprodução.

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