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24/05/2013

Consolidação das Leis Trabalhistas, criada por Vargas, completa 70 anos

Viviane Tavares


O ano era 1943. O cenário, um Brasil desenvolvimentista. Ainda que a maior parte da mão de obra se encontrasse no campo, os sindicatos e os trabalhadores da cidade já buscavam seus direitos com diferentes manifestações e greves. Getúlio Vargas era o presidente da República no período em que mais de 15 mil leis trabalhistas circulavam no país. Conquista para uns, jogo político para outros, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) é considerada até hoje um dos maiores avanços dos direitos sociais trabalhistas no país.

Legislação sindical estabelecida pelo getulismo começa em 1931 e chega a 1937, ano da instalação do período ditatorial do Estado Novo, com a organização do trabalho na Constituição
 

Famoso pelos seus discursos de 1º de maio sempre marcantes, Vargas anunciou naquele ano de 1943 que, a partir de então, todos os trabalhadores, exceto os rurais, domésticos, servidores e empregados públicos seriam regidos pela CLT. Nesta mesma data foi promulgada também a criação da Justiça do Trabalho, da Lei Orgânica da Previdência Social e do Salário Adicional para a Indústria. O decreto, que passou a regular as relações entre empregadores e empregados, entrou em vigor no dia 10 de novembro do mesmo ano. Em reportagem publicada pelo Jornal do Brasil em 2 de maio de 1943, é relatado que o presidente declarou que para a elaboração da nova legislação trabalhista ele buscou o equilíbrio entre o capitalismo e o socialismo. "As nossas realizações em matéria do amparo ao trabalhador constituem um corpo de normas admiradas e imitadas por outros países. Para atingir esse objetivo não desencadeamos conflitos ideológicos nem transformamos o Estado em senhor absoluto e o trabalhador em escravo", dizia Vargas durante o discurso que reuniu mais de 100 mil trabalhadores.

Fazem parte das principais conquistas o limite de horas da jornada de trabalho semanal, além do período de descanso, as férias anuais, a determinação de salário igual para trabalhador igual, a licença maternidade e a instituição da carteira profissional. Na análise do economista Marcio Pochmann, o impacto da CLT no momento de sua criação foi pequeno. "Ela se voltou fundamentalmente a trabalhadores urbanos. Em 1940, para cada dez trabalhadores brasileiros, nove estavam no meio rural e apenas um a cada dez estavam na cidade. Portanto, a cidade ainda era minoritária do ponto de vista da geração de emprego, mas tinha valor estratégico especial porque havia o projeto brasileiro de expansão urbana e industrial. Na década de 1980 passamos a ter cinco em cada dez trabalhadores submetidos à legislação social e trabalhista", explicou.

De acordo com o professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Ricardo Antunes, a CLT nasceu num contexto particular no Brasil, num período que ele chama de "revolução entre aspas". "A Revolução de 30 foi mais do que um golpe e menos do que uma revolução burguesa. Ela é um levante político militar das classes dominantes, porém, mudou o projeto de país, de um capitalismo de base agrária mercantil exportadora centrada no café para um projeto modernizador industrializante de perfil nacionalista. E isso significava mudar o conjunto das frações dominantes no poder, com um relativo desprivilegiamento da burguesia cafeeira em favor de um relativo fortalecimento das demais frações da burguesia agrária e um natural incentivo a um projeto industrializante", explica o professor.

CLT e os sindicatos

Antunes defende que o surgimento da CLT deve ser encarado a partir de duas frentes. O primeiro é como conquista de direitos trabalhistas, mais comum na análise até hoje. A outra, como forma de organização sindical. "A legislação sindical estabelecida pelo getulismo começa em 1931 e chega a 1937 com a organização do trabalho na Constituição. Toda a esquerda e os críticos da época disseram que a Constituição de 1937, no que concerne à relação sindical, era uma súmula da Carta del Lavoro do fascismo italiano, porque tinha embutida a ideia de que o sindicato é um órgão controlado pelo Estado", analisa o professor da Unicamp. E completa: "Até nisso o getulismo é complexo. Na medida em que a legislação sindical de controle era claramente estatizante, antiautônoma, anticlassista, pró-conciliação, fundada no imposto sindical, no assistencialismo, baseada no enquadramento sindical, também garantia a um conjunto de categorias como os bancários, a possibilidade de criar sindicatos porque a lei permitia a partir de então", avalia.

Durante o período do getulismo foram criados o Ministério do Trabalho, em 1930, e a chamada Lei da Sindicalização, em 1931, com o decreto 19.770, ambos reconhecidos como formas de frear o sindicalismo. Em consequência, o professor relembra que a legislação sindical embutida na CLT era predominantemente controladora e coercitiva quando se tratavam de sindicatos influenciados pelo anarquismo e comunismo. "Fecham-se esses sindicatos e cria-se o sindicato oficial do metalúrgico em São Paulo, por exemplo. Getúlio fez uma coisa importante: só tinha direito à legislação trabalhista quem fosse filiado ao sindicato oficial. Para as categorias organizadas, o getulismo era repressão pura. Para aquelas com menor nível de organização, foi possível criar um sindicato legal que antes o patronato não aceitava. É por isso que a CLT é, na sua riqueza, na sua contradição, nas suas consequências, nas suas multitendências, um documento importante", explica. Antunes chama a atenção também para a questão da unicidade sindical. Segundo o professor, esta determinação é prejudicial porque impõe uma forma de organização. "Só um sindicato pode ser criado em uma categoria em uma base territorial, que pode ser um município, um estado ou um país", informa.

Flexibilização

Ao longo destas sete décadas, surgiu uma extensa quantidade de leis com o intuito de flexibilizar a legislação social trabalhista. Entre os pontos mais críticos são destacados o fim da estabilidade após dez anos no mesmo trabalho, que ocorreu em 1966, com a lei 5.107, que, em contrapartida, criou o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS); e a criação de empresas de trabalho temporário pela lei nº 6.019, de 1974 e pelo Decreto 73.841/74 . Além disso, outras iniciativas foram surgindo mais recentemente, como o contrato por tempo determinado, o banco de horas no lugar da hora extra, ambos pela lei 9.601 de 1998 , e a ampliação da jornada de diversas categorias, por meio de diferentes projetos de lei.

O professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) José Roberto Reis explica que hoje a maior disputa é para que se mantenham os direitos garantidos pela CLT. "O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em um discurso feito no ABC, declarou que a CLT é o AI-5 dos trabalhadores brasileiros. Esta declaração é explicada porque ela exige uma unidade sindical e o imposto sindical obrigatório, que, de alguma forma, criou um viés corporativo, impediu a livre negociação", analisa o professor. "Mas, com o passar do tempo e a vinda da tempestade neoliberal entre 1970 e 1980, que no Brasil foi um pouco mais a frente, iniciada pelo presidente Collor e intensificada com o Fernando Henrique Cardoso nos anos 1990, deixamos de ver a CLT como uma coisa cheia de problema e passamos a lutar por ela. É aquele velho ditado: ruim com ela, pior sem ela", completa.

De acordo com a Câmara dos Deputados, tramitam na casa cerca de 5 mil projetos que propõem alguma alteração normativa nas leis trabalhistas. No Senado, este número chega a cerca de 400 projetos de lei. Exemplos são o PLP 31/2011, do deputado Filipe Pereira (PSC-RJ), que propõe a contratação de trabalhador com pagamento por hora trabalhada; o projeto de lei nº 948/2011 , de autoria do deputado Laércio Oliveira (PR-SE), que pretende alterar a CLT para que o empregado não tenha direito de reclamar direitos trabalhistas, caso não tenha se manifestado até o momento da rescisão; e o projeto de lei nº 4.193/2012 , do deputado Irajá Abreu (PSD-TO), que assegura o reconhecimento das convenções e acordos coletivos, com propósito de estabelecer a prevalência do negociado sobre o legislado. E no que toca aos sindicatos, um exemplo é o projeto de lei 252/2012 , que modifica o prazo de duração dos mandatos sindicais e altera os critérios para eleições nas organizações sindicais.

Um ainda mais drástico, de autoria do deputado Silvio Serafim Costa (PTB-PE), visa ao fim da CLT e o surgimento do Código do Trabalho (1.463/2011 ). "Eu sou inteiramente contra o fim da CLT no que concerne aos direitos do trabalho. Essa transformação dos anos 90 no Brasil faz com que o capital exija o fim da CLT. Com isso, numa tacada, quebram-se todos os direitos do trabalho e cria-se o império do negociado sob o legislado, que seria uma tragédia", opina Ricardo Antunes. E reitera: "Mas sou completamente a favor da democratização sindical eliminando tudo na CLT que estatiza, controla e leva à perda da autonomia sindical. Em verdade, na Constituição de 1988, parte deste trabalho já foi feito".

Além de tantos projetos de lei, a entidade patronal Confederação Nacional da Indústria (CNI), elaborou um documento intitulado 101 propostas de modernização das relações trabalhistas ,que entregou recentemente à presidente da República, Dilma Rousseff. O documento contou com a participação de economistas, advogados, contabilistas e consultores e foi lançado em dezembro de 2012 durante o 7º Encontro Nacional da Indústria (Enai), em Brasília. Entre as propostas estão os "espaços de negociação individual", que propõe que cargos de gestão, definidos pelo documento como o dos profissionais que não são "hipossuficientes", possam ter autonomia para negociar as cláusulas dos seus contratos de trabalho. A "caracterização de trabalho escravo" é outro item em que o documento propõe o estabelecimento de critérios legais, objetivos e adequados para caracterizar o trabalho escravo. Como diz o texto: "situações de mera informalidade contratual ou de descumprimento de normas específicas da legislação trabalhista são comumente gravadas como trabalho análogo ao de escravo pelas instituições fiscalizadoras do trabalho". Em relação à hora in itinere, aquelas relativas ao tempo gasto pelo trabalhador no deslocamento casa-trabalho e vice-versa, e que são computadas na jornada, desde que o transporte seja oferecido pela empresa e o local de trabalho de difícil acesso, o documento afirma que com esse direito, além de se tributar um benefício oferecido ao trabalhador, "limita-se a possibilidade de realização de horas extras para suprir uma eventual necessidade de aumento da produção, visto que uma parte da jornada é consumida com o tempo de deslocamento".

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