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22/07/2021

Covid-19: Fiocruz mapeará efetividade da vacinação em estudo inédito na Maré

Aline Câmera (Agência Fiocruz de Notícias)


Maior conjunto de favelas do Rio de Janeiro, onde habitam cerca de 140 mil pessoas, a Maré sediará um estudo liderado pela Fiocruz sobre o impacto da vacinação da Covid-19 em sua população. A iniciativa é uma colaboração entre a Redes da Maré, a Prefeitura do Rio de Janeiro, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, e a Fiocruz. Tendo em vista as peculiaridades presentes em territórios de favelas e periferias, o estudo propõe um olhar que vai além do levantamento da efetividade direta das vacinas na proteção contra o vírus e suas variantes.

“Olhar o impacto da vacinação numa grande comunidade já seria algo inédito. Agora pensar que isso será realizado na Maré, que tem dimensão populacional superior a 96% dos municípios do país, é algo único, que nos permitirá um mapeamento com características singulares. Aspectos da doença em si, como a dinâmica de transmissão do vírus no território, a vigilância de suas variantes e o acompanhamento de possíveis efeitos adversos das vacinas serão outros pontos abordados pelo estudo, para além da efetividade da vacina, que é o foco principal”, explica o pesquisador da Fiocruz e coordenador do estudo, Fernando Bozza.  

Ancorado em dois pilares centrais, a vacinação em massa e a testagem em grande escala da população, o estudo  é um desdobramento de diversas ações de mobilização social que vêm sendo implementadas na Maré desde junho do ano passado com o projeto Conexão Saúde - De Olho na Covid.  O projeto, que hoje é referência no combate à pandemia em territórios de favelas, oferece gratuitamente serviços de testagem, telessaúde e apoio no isolamento domiciliar a pessoas com Covid e foi preponderante para o avanço da pesquisa entre os moradores da Maré.  

A partir desta experiência, que reúne a Fiocruz, SAS Brasil, Redes da Maré, Dados do Bem, Conselho Comunitário de Manguinhos e União Rio, já foram realizados mais de 27 mil testes diagnósticos (entre sorologia e PCR), 10,5 mil consultas de telessaúde, acompanhamento e apoio para o isolamento domiciliar de mais de 1 mil famílias com pessoas que testaram positivo para Covid - além de múltiplas ações de comunicação territorial. 

“Graças à mobilização dos diversos parceiros que se envolveram desde o início, foi possível integrar a atenção básica de maneira sistêmica ao enfrentamento da pandemia na região, oferecendo, desde a possibilidade de um diagnóstico precoce e acompanhamento clínico até a testagem molecular e o rastreamento de contactantes. O impacto foi sentido no controle da pandemia com a redução de 61% da mortalidade nos primeiros dez meses de implantação do projeto. Esse legado é acrescido agora com a vacinação de toda a população, o acompanhamento da sua efetividade na proteção dos moradores e a possibilidade de intensificar a vigilância genômica no território”, ressalta o assessor de Relações Interinstitucionais da Fiocruz, Valcler Rangel.

Desta forma, o ponto de partida do estudo será a campanha de vacinação em massa, promovida pela Secretaria Municipal de Saúde a partir de intensa mobilização no território, que ocorrerá entre os dias 29 de julho e 1º de agosto. A intenção é que, durante os quatro dias de vacinação, toda a população adulta jovem, a partir dos 18 anos, seja vacinada pelo menos com a primeira dose do imunizante da AstraZeneca, produzido pela Fiocruz. A Prefeitura mobilizou também a Subprefeitura da região, a Secretaria de Educação e toda a rede de 45 escolas da Maré, com o objetivo de garantir a mais ampla cobertura vacinal.  

A meta é antecipar a vacinação de 31 mil pessoas, que junto com as demais faixas etárias que já haviam sido contempladas pelo calendário do município, passam a ser monitoradas pelos grupos de pesquisa. A efetividade da vacina será avaliada, levando em conta os seguintes critérios: idade; sexo; tipo de vacina que foi ministrada; tempo de infecção após a vacinação, tempo até a segunda dose, ocorrência de casos graves e prevenção de óbitos. 

Um outro grupo significativo da população é composto pelas crianças e pelos adolescentes que embora não estejam dentro do público-alvo da vacinação, também integram a pesquisa. “Um dos objetivos do estudo é entender a dinâmica da transmissão e a proteção indireta que esse grupo pode adquirir uma vez que a família esteja imunizada. Queremos entender se a vacinação em massa da população adulta inibe a circulação do vírus de forma a proteger também as crianças e os adolescentes”, explica Bozza.

Metodologia em duas etapas

O estudo inclui duas linhas de atuação que serão conduzidas de forma simultânea. A primeira consiste na identificação de casos sintomáticos que serão submetidos ao teste de RT-PCR. Os participantes devem informar imediatamente ao centro caso apresentem os sintomas definidores de suspeita de Covid-19. Além disso, de forma ativa, as equipes do estudo também acompanharão as atividades das Unidades Básicas de Saúde para orientar a realização do teste molecular dentro da janela de sete dias desde o início dos sintomas.

O resultado da testagem será cruzado com o monitoramento da situação vacinal e o desfecho do quadro, com sua classificação final de gravidade. Desta forma, será possível calcular a proteção que a vacina está conferindo à população. Além disso, todos os resultados positivos serão encaminhados para realização de sequenciamento genético, a fim de identificar possíveis variantes do vírus e colaborar na vigilância genômica da região.

Já a segunda linha é caracterizada como uma coorte populacional composta por 2 mil famílias residentes na Maré, mobilizando, ao todo, aproximadamente 8 mil indivíduos, que serão acompanhados por seis meses. Nesta ação será realizada a avaliação de soroprevalência, proporção de vacinados e ocorrência de casos, com o intuito de mapear a transmissão do vírus no ambiente familiar. A análise incluirá também os membros que não são público-alvo da vacinação: “É nesta etapa que conseguiremos levantar os dados para responder a questão se ao vacinar os adultos, também protejo as crianças?”, complementa o coordenador do estudo. 

Mobilização do território como diferencial 

A mobilização dos moradores para adesão à vacinação em massa e ao estudo conduzido pela Fiocruz está sendo liderada pela Redes da Maré, instituição com mais de 20 anos de atuação no território. A organização também tem feito a articulação de outros atores como associações de moradores, influenciadores, comunicadores populares e lideranças para informar e esclarecer a população da Maré sobre a importância das ações. 

Durante os dias de vacinação, mais de 500 pessoas, entre articuladores de campo e  voluntários, estarão envolvidas na logística de mobilização e informação dos moradores. "Este é um momento importante, não só de reconhecimento da potência do território e do nosso trabalho, mas do estabelecimento de direitos, de forma republicana, para os moradores de favelas. A parceria com instituições de diferentes níveis é um caminho concreto para reverter os danos causados pela pandemia e para a implementação de políticas públicas que respondam aos desafios estruturais  que vivenciamos no território", salienta a diretora da Redes da Maré, Eliana Silva. 

“A mobilização social que está por trás de toda essa iniciativa é um fator central para os bons resultados observados até aqui e continuará sendo determinante para o sucesso da campanha de vacinação. Ter a vacina é importante, mas a comunicação eficaz para conseguir mobilizar a comunidade sobre a importância de ir se vacinar é um ponto central. Esse estudo traz um aprendizado fundamental sobre esse aspecto da mobilização na periferia”, conclui Valcler Rangel.

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