09/08/2021
Bruno Dominguez (Revista Radis)
Ato corriqueiro na vida dos brasileiros, vacinar ganhou dimensão de emblema na pandemia de Covid-19, a ponto de merecer registro e compartilhamento. Nas redes sociais, multiplicam-se as fotos e os vídeos de pessoas experimentando o alívio de se proteger de uma doença que até 30 de junho já havia matado mais de 518 mil no país. Viva o SUS, o Butantan, a Fiocruz e a saúde pública apareceram em camisetas, legendas, sorrisos e lágrimas. No meio de tantas imagens, algumas engraçadas, outras de protesto ou de lamento, uma se destacou por resumir o momento ao mesmo tempo doce e amargo de ter finalmente o direito de se vacinar quando a tantos outros esse direito foi negado: a da professora Tallyta Bueno de Cerqueira, que enquanto recebia sua injeção de esperança, segurava uma placa com a frase “A vida não espera” — acima da data de falecimento de três familiares.
Tallyta perdeu a mãe, o pai e a avó — ou, como ela própria definiu, metade de sua família — por complicações decorrentes da covid, com diferença de menos de um mês entre as mortes. “Não consigo definir com um único sentimento o fato de ser vacinada. É um misto de gratidão, euforia, tristeza e impotência, por não ter visto meus familiares tendo a mesma oportunidade. Como eu queria ter todos ao meu lado, vacinados, aguardando a segunda dose, saudáveis, e presentes fisicamente. Infelizmente, a vida não espera, não deixa pra depois, não dá uma segunda chance.” Diante da repercussão da sua postagem em 21 de junho no Instagram (@tallyta.cerqueira), a professora de Ponta Grossa, no Paraná, explicou que a intenção ao ser fotografada com a placa era mostrar que as vidas perdidas “não são só números e estatísticas” e que “cada uma das pessoas que se foram tinha uma história e muito a vivenciar”.
Mesmo que há mais de um ano o número de mortos cresça todos os dias e já some mais de meio milhão em uma progressão sem trégua, não há nada de natural ou esperado nessas mortes. Em 24 de junho, dois pesquisadores convidados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 estiveram no Senado para apresentar estudos diferentes com idêntica conclusão: a maior parte das mortes por covid no país
poderia ter sido evitada, ainda antes da disponibilidade de vacinas no mercado internacional, se o Brasil tivesse adotado medidas de controle da transmissão do vírus. “O brasileiro tem noção do tamanho da tragédia, perdeu familiares e amigos, mas não consegue entender ainda que boa parte das mortes não precisariam ter acontecido”, afirmou um deles, o epidemiologista Pedro Hallal, ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), à Radis.
Em um dos cálculos do epidemiologista entregues à CPI, pelo menos 400 mil dos então 507 mil óbitos não teriam acontecido se o Brasil estivesse na média mundial de mortalidade pelo novo coronavírus. “Desde o início da pandemia, o Brasil tem mortalidade acumulada de 2.345 por um milhão de habitantes, enquanto a média do mundo é de 494 por milhão. Ou seja, quatro em cada cinco mortes teriam sido evitadas se estivéssemos na média mundial”, concluiu.
Hallal frisou que a comparação não é com os países com melhor desempenho, mas apenas com a média mundial: “Não estou comparando com Nova Zelândia, Coreia do Sul, Vietnã, mas se estivéssemos na média da mortalidade, como um aluno que tira nota média, teríamos poupado 400 mil vidas”.
Antes que algum senador questionasse a estimativa, apontando por exemplo que o Brasil é um dos países mais populosos do mundo, Hallal afirmou que, mesmo entre os 10 mais populosos, ainda estamos na pior posição por mortes a cada milhão de habitantes. Na comparação por nível de desenvolvimento, também somos o pior dos Brics “disparado” — grupo que reúne, além do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Apenas no recorte da região, o Peru (5.800 por milhão) toma a trágica liderança.
Somente no dia anterior à ida dele ao Senado, 23 de junho, o Brasil respondeu por um terço das mortes mundiais, quando foram registradas 2.392 novas vítimas em 24 horas. No acumulado da pandemia, o país com 2,7% da população mundial concentra 12,8% das mortes por covid no mundo — também uma diferença de mais de quatro vezes em relação ao tamanho da população.
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