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27/09/2007

Dengue hemorrágica pode se desenvolver na primeira infecção pelo vírus

Bruna Cruz


A dengue continua a ser um problema de saúde pública em todo o mundo. O desenvolvimento da forma grave e letal da doença, a febre hemorrágica da dengue (FHD), é tradicionalmente associado a uma segunda infecção pelo vírus. Entretanto, um estudo do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães (CPqAM) no Recife, mostrou que 52% dos pacientes que desenvolveram a FHD tinham sido infectados pela primeira vez, a chamada infecção primária, um índice superior aos casos relatados em outras regiões do mundo. A pesquisa, que traçou os perfis clínico, laboratorial e avaliou os fatores de risco para o desenvolvimento da dengue hemorrágica, também revelou que a maioria das pessoas que a tiveram era adulta (96,7%), diferindo do padrão asiático, e do sexo feminino (70%).


 A dengue é transmitida pela fêmea do mosquito <EM>Aedes aegypti</EM> (Foto: BVS MS)

A dengue é transmitida pela fêmea do mosquito Aedes aegypti (Foto: BVS MS)


Na literatura, há registros de que mais de 90% dos casos de febre hemorrágica ocorrem após uma segunda infecção em conseqüência da resposta do organismo frente à presença do vírus. “Alguns estudos indicam que o fato de desenvolver a FHD na primeira infecção pode estar relacionado ao tipo de vírus e à virulência da cepa. Precisamos realizar outras pesquisas para verificar se o perfil do nosso trabalho se repete em outras regiões do país”, ressaltou o médico e pesquisador colaborador do Departamento de Virologia e Terapia Experimental do CPqAM Carlos Brito.


A pesquisa foi realizada de fevereiro de 2004 a julho de 2006, com 422 voluntários, de 5 a 86 anos, atendidos nas emergências dos hospitais Esperança e Santa Joana e no Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira (Imip). Amostras de sangue foram colhidas de pacientes com suspeita de dengue na fase aguda da doença (primeira consulta), durante a fase recuperação e após seis meses.


Cerca de 211 adultos (76%) e 65 crianças (24%) tiveram a doença confirmada, com a dengue tipo 3. A febre hemorrágica da dengue atingiu 30 adultos e apenas uma criança, padrão também diferente do asiático, onde a maioria é menor de 15 anos. Com relação ao sexo, 134 casos confirmados da doença eram homens (33 crianças) e 142 mulheres (32 crianças). As mulheres (70%) foram as que mais tiveram a FHD. Para a forma mais branda da doença a diferença foi pequena entre os sexos, sendo 49% de mulheres e 51% de homens. A pesquisa também observou as principais manifestações clínicas nos pacientes. A maioria (99%) apresentou sensação de fraqueza, febre (97%), dor muscular (92%), dor de cabeça (92%), náuseas (85%), dor no fundo dos olhos (82%), artralgia (77%), vermelhidão na pele (72%), coceira (58%), dor abdominal (49%), diarréia (36%) e vômito (35%). As manifestações hemorrágicas mais freqüentes entre os pacientes foram prova do laço positiva (27%) e gengivorragia (10%), além de sangramento nasal e pequenas manchas roxas (7%).


Não houve diferença estatística significativa entre os sintomas gerais apresentados pelos pacientes com DC e FHD, exceto por uma freqüência elevada de prova do laço positiva, presente em 83% dos pacientes com febre hemorrágica, mostrando que os sintomas não servem para predizer a forma mais grave da doença, apesar de a Organização Mundial da Saúde (OMS) associar sintomas como vômitos, hemorragia intensa e pressão baixa ao risco de evolução para forma grave da doença.


Critérios para diagnóstico da FHD precisam ser revistos


Os quatro sinais de alerta utilizados pela OMS para indicar se os pacientes têm ou não risco de desenvolver a febre hemorrágica da dengue (FHD) são quadro clínico compatível com a doença, número de plaquetas (substância do sangue que previne e interrompe sangramentos) inferior a 100 mil milímetros cúbicos (mm3), presença de alguma manifestação hemorrágica e sinal de comprometimento dos vasos sanguíneos. Entretanto, os três primeiros podem ser detectados em pacientes com dengue clássica.


De acordo com Carlos Brito, dois indicadores utilizados no diagnóstico da FHD, apesar de não serem utilizados na prática clínica, foram considerados, pelo estudo, como mais adequados para indicar risco de evolução da doença. O primeiro, que realiza a dosagem de proteína/albumina sérica no organismo do paciente, registrou queda dos valores normais em 93% dos casos de FHD. O exame mostrou-se mais sensível do que a hemoconcentração (aumento do percentual de glóbulos vermelhos no volume total de sangue, chamado de hematócrito), um dos parâmetros utilizado pela OMS para indicar se há alterações nos vasos sangüíneos.


No estudo, apenas 23% dos pacientes com febre hemorrágica apresentaram hemoconcentração maior ou igual a 20%, percentual padrão adotado pela OMS. “A dificuldade em classificar os pacientes como FHD utilizando esse critério é grande mesmo nas formas graves da doença. Se usássemos apenas esse teste para denominar se um paciente poderia ou não ter dengue hemorrágica, subestimaríamos o número de casos”, explicou o pesquisador


Outro teste, a prova do laço, feito com o tensiômetro (aparelho utilizado para aferir pressão), foi positivo em 83% dos pacientes com dengue hemorrágica. “A manifestação mais comum da forma grave, que é o aparecimento de pequenos pontos de sangramento na pele, só aparece se você provocar, como fazemos com a prova do laço”, comentou Brito. Ele afirma que muitos médicos não gostam de fazer o teste, por ser tido como subjetivo e demorado. “Nosso estudo mostrou que ele pode e deve ser feito na triagem dos pacientes suspeitos e como sinal de alerta para o risco de dengue hemorrágica”, complementou.


A partir dos resultados, podem ser sugeridas mudanças nos critérios de classificação dos pacientes e das formas graves da doença. O trabalho faz parte do projeto do CPqAM que pretende desenvolver uma vacina para os quatro sorotipos da dengue. A pesquisa foi orientada pelas pesquisadoras Norma Lucena e Fátima Militão, dos departamentos de Imunologia e Saúde Coletiva do Centro, respectivamente, e apresentada como trabalho de conclusão do doutorado em saúde pública do CPqAM.

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