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15/02/2016

Doença de Chagas: ensaio clínico analisará perfis de parasitos

Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)


O início de uma nova fase no maior ensaio clínico já realizado sobre doença de Chagas crônica foi marcado por um workshop sediado no Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Conhecido pela sigla em inglês Benefit, o estudo de Avaliação do Benzonidazol para Interrupção da Tripanossomíase vai investigar as características genéticas dos parasitos Trypanosoma cruzi – causadores da infecção – detectados em amostras de sangue de mais de mil pacientes. Para discutir a metodologia que será utilizada nos experimentos, o workshop coordenado pelo Laboratório de Biologia Molecular e Doenças Endêmicas do IOC reuniu cientistas do Brasil, Argentina e Colômbia. Serão analisadas amostras coletadas nestes países, além de Bolívia e El Salvador. O encontro foi realizado entre os dias 25 e 29 de janeiro, no campus da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Manguinhos, no Rio de Janeiro. A doença de Chagas é considerada um agravo infeccioso relacionado à pobreza, com especial importância na América Latina.

Integrante do comitê central do estudo Benefit, a chefe do Laboratório de Biologia Molecular e Doenças Endêmicas do IOC, Constança Britto, explica que o T. cruzi é um parasito com grande variedade genética. Os microrganismos que infectam pacientes são classificados em seis genótipos – cientificamente chamados de Unidades Discretas de Tipagem (DTU, na sigla em inglês) – e existe ainda uma linhagem identificada inicialmente em morcegos que pode causar doença em humanos. “A prevalência das diferentes cepas varia entre os países. Na Colômbia, por exemplo, existe um predomínio da DTU I. Já no Brasil, os dados apontam para uma diversidade maior de parasitos. Com a investigação da iniciativa Benefit, teremos a oportunidade de avaliar a correlação entre estas diferenças genéticas dos parasitos e a progressão clínica da doença em um grande número de pacientes”, comenta a pesquisadora.

Iniciado há mais de 12 anos, já com a participação do IOC, o estudo Benefit investiga os efeitos da terapia com o medicamento benzonidazol – que atua contra os parasitos T. cruzi – em pacientes com problemas cardíacos provocados pela doença de Chagas crônica. No ano passado, o ensaio teve resultados relevantes publicados. De acordo com os pesquisadores, a investigação do perfil genético dos parasitos pode contribuir para esclarecer questões levantadas pela etapa anterior da pesquisa. “Verificamos diferenças regionais na resposta ao tratamento com o medicamento benzonidazol. As evidências indicam que o medicamento pode ter atingido mais os parasitos do Brasil, Argentina e Bolívia, do que os patógenos da Colômbia e de El Salvador. É possível que parte dessa diferença possa estar associada a variações genotípicas do parasito”, afirma o pesquisador Otacílio da Cruz Moreira, do Laboratório de Biologia Molecular e Doenças Endêmicas do IOC, que coordenou o workshop.

Padrão internacional

A definição de um protocolo único para os testes de genotipagem que serão realizados na pesquisa é considerada uma etapa importante pelos cientistas. Para caracterização do genótipo dos parasitos, os pesquisadores utilizam uma metodologia baseada na técnica de PCR. Cada amostra é submetida a uma bateria de testes, com a avaliação de diferentes marcadores moleculares. Em seguida, os resultados obtidos são comparados com cepas de referência de T. cruzi das diferentes DTUs. Segundo Constança, frequentemente, os testes de genotipagem são antecedidos por uma etapa de isolamento de parasitos, que é feita colocando as amostras de sangue dos pacientes em um meio de cultura favorável à multiplicação do T. cruzi. Ao ampliar a quantidade de parasitos presente nas amostras, esse método facilita a genotipagem. No entanto, ele também pode provocar um efeito de seleção, com uma determinada DTU se multiplicando mais rapidamente do que as outras, o que tem potencial de ‘mascarar’ o resultado da análise. “Por esse motivo, a proposta do estudo Benefit é fazer a genotipagem sem a etapa de isolamento dos parasitos, ou seja, analisando diretamente as amostras de sangue dos pacientes”, avalia a pesquisadora, acrescentando que esse tipo de teste exige metodologias sensíveis para captar e analisar pequenas quantidades de material genético.

Os três laboratórios que concentram os testes de PCR do estudo Benefit já possuem protocolos estabelecidos para realizar testes de genotipagem de parasitos T. cruzi diretamente em amostras de pacientes. No workshop realizado no IOC, os cientistas compararam as metodologias e fizeram ensaios com algumas amostras coletadas na pesquisa. Integrante do grupo liderado por Sergio Sosa-Estani no Instituto Nacional de Parasitologia Dr. Mario Fatala Chaben, na Argentina, o pesquisador Juan Carlos Ramirez Gomez contou que os experimentos mostram que há vantagens na combinação de protocolos. “Considerando a ampla região geográfica do estudo Benefit, estamos lidando com cepas de T. cruzi de características muito diferentes. O workshop foi fundamental para otimizar nossa metodologia”, avalia o cientista. “Além de um protocolo único, teremos um painel de cepas de referência, incluindo linhagens do Brasil – vindas da Coleção de Protozoários do IOC –, da Colômbia e da Argentina”, completa Otacílio. “Teremos o mesmo padrão para analisar as amostras dos cinco países. Isso é uma forma de validar nossos dados, pois saberemos que os resultados obtidos nos diferentes laboratórios não sofrem influência de divergências metodológicas”, enfatiza a pesquisadora Yzeth Bogotá Tellez, que integra o grupo liderado por Felipe Guhl na Universidade de Los Andes, na Colômbia.

A expectativa dos cientistas é que a inclusão de novas metodologias no estudo Benefit amplie a contribuição da pesquisa para a abordagem da doença de Chagas crônica. Além dos testes de genotipagem, estão em andamento análises de carga parasitária, que devem apontar a concentração de T. cruzi presente nas amostras dos pacientes. Para realizar estes exames, os pesquisadores também precisaram estabelecer um protocolo, que partiu de um workshop sediado no IOC em 2010. Atualmente, 75% dessas análises já foram concluídas. “Em algumas doenças, a carga parasitária é considerada um marcador da evolução do agravo. Essa é uma contribuição que o estudo Benefit pode trazer para o tratamento da doença de Chagas crônica. O mesmo vale para a investigação sobre o genótipo dos parasitos”, destaca Otacílio.

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