Moradores de baixa renda do Recife que têm acima de 30 anos estão morrendo mais de doenças do coração se comparados a pessoas da mesma idade que desfrutam de melhores condições socioeconômicas. O estudo - desenvolvido na Fiocruz Pernambuco - aponta que o infarto agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral (AVC), popularmente conhecido como derrame, são responsáveis, respectivamente, por uma média de 207 e 183 óbitos para cada 100 mil habitantes em 28% dos bairros da cidade com piores condições de vida. Os critérios usados na classificação das localidades foram nível de escolaridade, condições sanitárias e faixa salarial.
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Condições sanitárias dos domicílios influenciam óbitos por doenças do coração (Foto: Paulo Lopes/PCR) |
Em 63% dos bairros com melhores condições socioeconômicas, os coeficientes são mais baixos: aproximadamente 164 mortes por infarto e 122 por AVC para cada 100 mil habitantes. “Embora o número de óbitos, quando analisados por bairros, tenha sido bastante heterogêneo, o estudo demonstrou que, de uma forma geral, à medida que pioram as condições de vida, cresce o número de óbitos por doenças do aparelho circulatório”, comentou a sanitarista Sarita Ferraz, autora do trabalho. “Antigamente, costumava-se afirmar que as chamadas doenças do coração só afetavam pessoas com elevado padrão de vida”, complementou.
Com as mudanças econômicas e sociais ocorridas nas últimas décadas, os casos de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) nas classes menos favorecidas da população vêm aumentando. “O estresse diário, a dificuldade no acesso aos serviços de saúde, o consumo de alimentos mais gordurosos e industrializados e a falta de atividade física são alguns dos fatores que colaboram para o surgimento dessas doenças”, esclareceu Sarita. Atualmente, as DCNT são a principal causa de morte da população acima dos 30 anos não só capital pernambucana como no restante do país.
Das 58 localidades pesquisadas, conforme dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítica (IBGE), em 2000, quase 60% delas têm condições de vida desfavoráveis; em torno de 27% estão em situação intermediária; e apenas cerca de 13% apresentam padrão de vida mais confortável. Entre as localidades apontadas com piores condições de vida estão a Imbiribeira, na Zona Sul, e os bairros do Recife e de São José, no 'coração' da cidade. Em condição intermediária, aparecem bairros como o Cordeiro e a Iputinga, na Zona Oeste. Os lugares que apresentaram melhores condições de vida foram Aflitos, Casa Forte, Tamarineira, Jaqueira, Engenho do Meio, Torreão, Hipódromo, Rosarinho e Encruzilhada, situados nas zonas Norte e Oeste; Boa Viagem e Ipsep, na Zona Sul; e Derby, Graças, Espinheiro, Paissandu, Ilha do Leite, Soledade e Boa Vista, nas imediações do centro da cidade.
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Boa Viagem: localidade apresenta boas condições de vida (Foto: Rita Vasconcelos/Fiocruz) |
Para estabelecer a correlação entre mortes por doenças do aparelho circulatório e situação socioeconômica das pessoas, Sarita utilizou o Indicador Composto de Condição de Vida (IC-CV), com base nas informações do censo do IBGE, e o comparou com os dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) da Diretoria de Epidemiologia e Vigilância à Saúde da Secretaria de Saúde do Recife. Nos domicílios analisados, o cálculo do índice levou em consideração a existência (ou não) de água canalizada, esgotamento sanitário, pessoas analfabetas com idade entre 10 e 14 anos e chefes de família com três anos ou menos de estudo cuja renda mensal fosse igual ou inferior a dois salários mínimos.
Segundo a sanitarista, os resultados do estudo podem ser utilizados pelo poder público local no planejamento de ações e serviços para diminuir ou sanar as iniqüidades de saúde e de condições de vida na área estudada. A pesquisa, intitulada Mortalidade por doenças do aparelho circulatório e condição de vida na cidade do Recife, foi a dissertação de mestrado em saúde pública de Sarita, que teve a orientação de Eduardo Freese, diretor da Fiocruz Pernambuco e pesquisador do Departamento de Saúde Coletiva.