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05/11/2015

Doenças virais: seminário debate diagnóstico e atenção

Amanda de Sá e Renata Moehlecke


O uso de recursos laboratoriais como componente estratégico para a vigilância epidemiológica de viroses: essa foi a temática central tratada na mesa-redonda Avanços e desafios no diagnóstico das viroses emergentes e reemergentes, que marcou a abertura do segundo e último dia (4/11) do seminário Vigilância em Saúde das Doenças Virais Chikungunya, Zika e Dengue: desafios para o controle e a atenção à saúde. A atividade contou com a participação de três pesquisadoras: Ana Bispo, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Daniele Medeiros, do Instituto Evandro Chagas (IEC), e Camila Zanluca, do Instituto Carlos Chagas (ICC/Fiocruz Paraná).  

“Nos últimos 20 anos, temos observado padrões diferentes de arboviroses, ou seja, vírus que são transmitidos ao homem por vetores artrópodes, como é o caso da dengue, do chikungunya e da zika. Os vetores dessas doenças têm sido considerados urbanos e fatores como o aquecimento global, a urbanização descontrolada, o desmatamento e a globalização podem explicar essa alteração comportamental”, explicou Bispo. Segundo a pesquisadora, o novo quadro tem influenciado diretamente o trabalho realizado em laboratórios brasileiros, com cada vez mais responsabilidades. “Os laboratórios são cruciais no processo de identificação dessas doenças, servindo para o esclarecimento clínico, para o diagnóstico precoce, para a identificação de novos patógenos, alerta para novas ameaças globais e contribui para o desenvolvimento de imunobiológicos e vacinas estratégicas para o controle de doenças”, apontou.

No caso de viroses emergentes e reemergentes, um dos maiores desafios seria justamente a identificação de que doença se trata, dentre múltiplas possibilidades. “Não podemos testar as amostras para tudo pois não há reagentes [insumos] o suficiente para isso”, esclareceu a pesquisadora do IOC. No que se trata de arboviroses, Medeiros acrescentou ao debate a necessidade de mais pesquisas e avanços nos testes usados atualmente, que, por mais precisos que sejam, ainda podem apresentar resultados falsos ou inconclusivos. “No IEC, em alguns casos, percebemos análises com reações cruzadas, ou seja, testamos a amostra para chikungunya, mas ela dá positiva para outro flavivírus, como o Mayaro”, comentou. “Nessas situações, precisamos verificar atentamente o contexto epidemiológico da amostra testada para determinarmos se se trata de uma reação cruzada ou se é realmente o surgimento de um caso de uma doença não antes detectada no Brasil”.

Zanluca destacou como o ICC/Fiocruz tem trabalhado para desenvolver kits de diagnósticos rápidos e mais sensíveis e específicos, ou seja, mais precisos para o vírus chikungunya. “Em pouco tempo, esse vírus passou de uma virose negligenciada em algumas regiões do mundo para uma ameaça global de saúde pública, despertando nossa atenção de forma alarmante”, destacou a pesquisadora. “Nesse sentido, há a necessidade de estudos para alterar alguns métodos usados em testes específicos para a doença a fim de que possam ser eficazes se produzidos em maior escala”, pontuou. O moderador da mesa-redonda, Marco Horta, da vice-presidência de Pesquisa e Laboratórios de Referência (VPPLR) da Fiocruz, também contribuiu para o debate: “no Brasil, além da produção de testes mais eficazes, também temos como desafio a construção de uma rede de diagnósticos padronizada que nos ajude compreender melhor o contexto epidemiológico nacional de determinadas doenças”.

Desafios na atenção à saúde

Falar sobre dengue, chikungunya e zika nunca foi tão pertinente. Em outubro deste ano foi registrado um aumento no número de casos de dengue em relação ao ano passado. Desde 2014, o Ministério da Saúde (MS) registrou 828 casos de chikungunya no país. Outra preocupação é a notificação de dezenas de recém-nascidos com microcefalia, condição neurológica em que o tamanho da cabeça é menor do que o normal. Na mesa Viroses Emergentes: desafio na Atenção à saúde, o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Kleber Luz disse existir uma possibilidade de relação dos casos de microcefalia com o zika. Essa hipótese, se confirmada, pode tornar o vírus, inicialmente visto como brando, em uma doença letal, já que nessas condições a expectativa de vida da criança seria de até 10 ou 11 anos.

A preocupação com o chikungunya também é grande entre os especialistas. Segundo Melissa Falcão, da Secretaria Municipal de Saúde de Feira de Santana (BA), as dores relacionadas ao vírus, além de serem intensas e impossibilitarem o paciente de se locomover, podem durar até seis anos com possibilidade de evolução dos casos para uma artropatia (afecção articular) destrutiva. Outro agravante é que o país ainda não tem imunidade para o vírus e não possui vacina para prevenção. “Diferente do zika em que muitos pacientes são considerados assintomáticos, o chikungunya acomete as articulações, causando além de muita dor, febre alta e manifestações dermatológicas como manchas e descamação da pele. “A queda de cabelo, alteração da memória e depressão também são queixas frequentes”, comentou a especialista.

Apesar de estas doenças sobrecarregarem a área da saúde, para o infectologista e diretor da Fiocruz Mato Grosso do Sul, Rivaldo Venâncio, a responsabilidade destes casos deve ser compartilhada com outras áreas do Estado. Para ele, as epidemias estão relacionadas diretamente à urbanização desordenada, alta densidade populacional, política de exclusão social, precária coleta de resíduos, falta de limpeza urbana e escassez de água, gerando um armazenamento da mesma de forma improvisada. “Que controle temos nas favelas? Como um agente de controle de endemia pode entrar e atuar numa área de conflito? O Estado é que não está permitindo que a gente tenha uma saúde adequada. Enquanto isso acontecer continuaremos a ter epidemias”, criticou.

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