26/09/2023
O comportamento suicida e a autolesão são relativamente comuns nas primeiras décadas da vida, mais ainda na adolescência, porém, são pouco reconhecidos, especialmente nas faixas etárias mais novas. Em todo o mundo, o comportamento suicida é a quarta causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. O relatório mundial de 2021 alerta que quase 46 mil adolescentes morrem por suicídio a cada ano, sendo uma das cinco principais causas de morte nessa faixa etária.
Na busca por informar e dialogar sobre a prevenção do comportamento suicida e da autolesão com profissionais que estão diariamente envolvidos no cuidado e na atenção a milhares de crianças e adolescentes, o Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli (Claves) da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) lança, com o apoio do CNPq e da Faperj, durante o Setembro Amarelo (mês em que se reforça a importância da prevenção do suicídio) o livro Comportamento Suicida e Autolesão na Infância e Adolescência: conversando com profissionais sobre formas de prevenção, parte da série Violência e Saúde Mental Infantojuvenil.
A obra é assinada pelas pesquisadoras da Ensp/Fiocruz Joviana Avanci e Simone Assis; além de Orli Filho, do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz); Aline Ferreira Gonçalves, Pedro Henrique Tavares e Nelson Marriel. A publicação aponta que a autolesão entre adolescentes oscila bastante entre países, devido à falta de consenso sobre conceitos, distintos grupos investigados e aspectos geográficos e socioculturais. Entre os norte-americanos, as taxas são de 7,3%; entre os australianos 10,1%; e entre os espanhóis 55,5%. Numa pesquisa com adolescentes brasileiros, 90% dos alunos entrevistados em Vitória e Campo Grande afirmaram ter algum colega, amigo ou conhecido que já tenha se machucado de propósito, e, estatisticamente, as meninas se sobressaem em comparação com os meninos.
Os pesquisadores que assinam o livro destacam que grandes lacunas persistem entre as necessidades de saúde mental e o financiamento de políticas voltadas a essa área, que ficam em torno de 2% dos orçamentos governamentais de saúde alocados para gastos com saúde mental em todo o mundo. “O fato é que o comportamento suicida e a autolesão podem ser prevenidos e evitados. Prevenir compreende qualquer medida que antecipe a ocorrência de um agravo à saúde. Para isso, precisamos conhecer o que pode ativar e perpetuar os gatilhos para a ideação, planejamento, tentativa, suicídio consumado e a autolesão, para se pensar em formas mais precisas de preveni-los", destacaram os autores.
Os fatores de proteção na infância e adolescência são também fundamentais, pois podem impedir, retardar ou diminuir a ocorrência desses problemas de saúde mental. "No mundo todo, muitos profissionais e instituições estão voltados a implementar ações e programas de prevenção sobre esses fenômenos. Por isso, conhecer um pouco dessas experiências é fundamental”, destacou Joviana Avanci, autora da publicação.
Segundo ela, o livro nasceu de várias pesquisas sobre o tema do suicídio, pois sabe-se que principalmente na fase da adolescência, ele alcança patamares elevados e na infância é um fenômeno discutido recentemente, embora sempre tenha ocorrido na vida das crianças. "Há toda uma discussão sobre conceito de reversibilidade, que significa, por exemplo, a criança saber/ compreender - a partir de 8/9 anos - que as pessoas morrem e não vão mais voltar. Ou seja, há questões conceituais envolvidas, mas o livro alerta para a sensibilização dos profissionais de saúde sobre o diagnóstico do comportamento suicida na infância e na adolescência, algo que já é um fenômeno mais consolidado, como demostram os números de internações e de mortes, como um fenômeno muito destacado nesta faixa etária", lamentou Avanci.
O livro também aborda a autolesão, que pode ou não fazer parte do comportamento suicida, mas que também é um fenômeno muito frequente principalmente em meninas na adolescência. De acordo com Joviana, o ato de se ferir de propósito pode estar ligado ou não as ideações suicidas. "Ele traz ainda os aspectos tanto do comportamento suicida quanto da autolesão, sobre o que pode levar meninos e meninas a desencadear esses comportamentos; o que pode protegê-los de não desenvolverem esses comportamentos; o que os profissionais de saúde precisam estar atentos quando se deparam com situações suspeitas; e como lidar quando se deparam com algum caso", explicou ela.
Controle das emoções como forma de prevenção
Para Joviana, um ponto muito relevante da publicação é o destaque dado a questão do controle das expressões das emoções, um aspecto valorizado em diversos estudos e reforçado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma estratégia de prevenção. "O fato de possibilitar espaços para falar sobre o que sente e como sente, para desenvolver empatia, saber como é se colocar no lugar da outra pessoa, ou seja, ações que podem ser desenvolvidas desde a infância, tem sido muito valorizadas como forma de prevenção do comportamento suicida", descreveu.
O livro também destaca o papel da Escola, que tem lugar privilegiado na prevenção do comportamento suicida e da autolesão, além do importante papel do Sistema Único de Saúde (SUS), estratégico principalmente na Atenção Primária à Saúde e nos serviços especializados que atuam na prevenção, no cuidado e na atenção deste problema de saúde pública. Por fim, Joviana apontou que o fenômeno das redes sociais, com a nova forma de se relacionar virtualmente, também é apresentado na publicação como fundamental para ser discutido no âmbito do comportamento suicida e da autolesão. "As redes sociais apresentam muitos riscos para o comportamento suicida e para a autolesão na infância e adolescência, mas também é vista pelos jovens como um lugar de proteção e acolhimento, com relação a outros jovens que se enxergam na mesma situação. Este fenômeno precisar ser observado e ponderado, como debatemos no livro", ressaltou ela.
Livro é destinado a profissionais da saúde e educação
O livro é destinado aos profissionais de saúde, da educação e do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (em destaque da assistência social e conselho tutelar). Esses profissionais precisam ter conhecimento sobre o que é o comportamento suicida e a autolesão, como e quando se manifestam, e como podem apoiar e intervir junto as crianças, adolescentes e suas famílias. Pais e grupos de suporte ao público infantojuvenil podem também se beneficiar da leitura.
Pesquisas do Claves como referência
O livro foi elaborado a partir de pesquisas sobre comportamento suicida e autolesão desenvolvidas no Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/Ensp/Fiocruz). A obra nasceu de uma extensa revisão bibliográfica sobre estratégias de prevenção do comportamento suicida e da autolesão baseada no referencial teórico da inteligência emocional e de outras habilidades socioemocionais, que reuniu 97 artigos científicos, relatórios e outros materiais bibliográficos.
O livro também apresenta falas oriundas de entrevistas com 22 adolescentes com comportamento suicida e ou autolesão, 18 familiares e 20 profissionais de saúde, especialistas na prevenção do suicídio, participantes de dois estudos realizados nos anos de 2017 e 2022, em Dourados/Mato Grosso do Sul, Porto Alegre/Rio Grande do Sul e São Gonçalo/Rio de Janeiro.
Organização do livro
A intenção da publicação é ser clara e de fácil leitura. Os temas estão apresentados em seis capítulos, que abordam aspectos conceituais, epidemiológicos, fatores que podem desencadear os problemas bem como os que os protegem, além das estratégias de prevenção e de atenção diante de casos de comportamento suicida e autolesão envolvendo crianças e adolescentes.
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