19/07/2017
Gustavo Mendelsohn Carvalho (Agência Fiocruz de Notícias)
Com a tradução para o português recém lançada pela Editora Fiocruz, Anatomia de uma Epidemia: pílulas mágicas, drogas psiquiátricas e o aumento assombroso da doença mental parte da constatação de que desde os anos 1990 houve um aumento expressivo de doenças mentais nos EUA, justamente quando os meios científicos e órgãos governamentais da área da saúde festejavam o surgimento de drogas psiquiátricas supostamente mais eficientes (e também mais caras). Jornalista experiente e premiado por seus artigos sobre temas médicos, Robert Whitaker investiga os efeitos da abordagem medicalizante dos transtornos mentais, do uso crescente de “pílulas mágicas” agravando ou simplesmente criando falsos quadros patológicos. Livro premiado e traduzido em diversos idiomas, Anatomia de uma Epidemia aborda a contravertida questão das drogas e tratamentos psiquiátricos, que o autor considera “um tremendo campo minado político”.
Whitaker foi impulsionado pela leitura de uma matéria que denunciava maus-tratos em pesquisas com pacientes psiquiátricos. Entre eles, experiências financiadas pelo Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA, como o uso de medicamentos para exacerbar sintomas em esquizofrênicos, ou ao contrário, privando-os de antipsicóticos. Sempre com riscos para os pacientes-cobaias, até com a ocorrência de mortes durante os testes. Ao iniciar uma série de reportagens sobre esses experimentos, o autor confessa que estava convencido de que estavam sendo desenvolvidas novas drogas psiquiátricas que ajudavam a “equilibrar” a química cerebral, e que seria antiético retirar a medicação dos pacientes experimentalmente. Seria como retirar a insulina de diabéticos, para ver com que rapidez eles adoeceriam, pensava.
No entanto, ao concluir as reportagens, restava um certo incômodo os resultados de duas pesquisas com que havia deparado em sua investigação. A primeira era da Faculdade de Medicina de Harvard, que, em 1994, anunciara que “os resultados observados nos pacientes de esquizofrenia nos Estados Unidos haviam piorado durante as duas décadas anteriores, e não estavam melhores agora do que tinham sido cem anos antes”. A segunda era da Organização Mundial da Saúde, que contatara que os resultados sobre a esquizofrenia eram muito melhores em países pobres do que em países desenvolvidos. Consultando especialistas a este respeito, Whitaker ouviu que os maus resultados nos EUA, por exemplo, tinham origem em “políticas públicas e valores culturais” e que nos países pobres os pacientes tinham mais apoio das famílias.
Insatisfeito com a explicação, o autor reviu seu material de pesquisa e ficou sabendo que nos países pobres apenas 16% dos pacientes eram tratados com antipsicóticos. Seguindo em frente na investigação, esbarrou com descobertas da OMS, “que parecia haver encontrado uma associação entre os resultados positivos (no tratamento de esquizofrênicos) e a não utilização contínua desses medicamentos”. A partir daí dedicou-se a “busca intelectual” que originou este livro, que, segundo Whitaker, “conta uma história da ciência que leva os leitores a um lugar socialmente incômodo (...) estas páginas falam de uma epidemia de doenças mentais incapacitantes induzidas pelos fármacos”.
O livro analisa e questiona o resultado de pesquisas que sustentam a aprovação, comercialização e prescrição desses medicamentos em escala alarmante, não só nos EUA, mas no Brasil e em diversos outros países. Traz depoimentos de vários pacientes submetidos a tratamentos medicamentosos de longo prazo, para mostrar a consequência no funcionamento do cérebro e questionar a eficácia das drogas psiquiátricas. O jornalista detalha o conluio entre empresas farmacêuticas, instituições e formadores de opinião para garantir a disseminação dos psicofármacos, mas também aponta alternativas terapêuticas, nas quais os medicamentos não são o centro do tratamento e sim um recurso a que se pode lançar mão de forma consciente e cuidadosa.
Na AFN
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