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26/08/2024

Encontro de Inovação na Gestão da Fiocruz debate desafios no setor público

Claudia Lima e David Barbosa (Agência Fiocruz de Notícias)


A construção de um Estado que atenda as demandas da sociedade e o papel dos servidores públicos nesse processo. Essa foi a tônica da conferência magna de Gabriela Lotta, doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), convidada para abrir o Encontro de Inovação na Gestão da Fiocruz. Com o tema Inovação na Gestão Pública - desafios e impactos para o fortalecimento da democracia, a professora de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e da Escola Nacional de Administração Pública falou para uma plateia de 350 profissionais da gestão. 

Encontro reuniu mais de 350 trabalhadores da Fiocruz para discutir temas relacionados à gestão (foto: Peter Ilicciev, CCS/Fiocruz)

 

“Precisamos construir novas perspectivas. Voltar para 2000 e ver todas as políticas públicas que deram certo não faz mais sentido, porque não respondem mais aos desafios da sociedade atual", avaliou Gabriela. "Construímos um Estado robusto, grande, incomparável. A Constituição foi ambiciosa para um país tão grande, heterogêneo e desigual. Porém, a expansão parou, a qualidade dos serviços é limitada, a redução da desigualdade estacou”, afirmou Gabriela. Somaram-se a esses fatores a falta de confiança da sociedade no Estado, a crise da democracia e da gestão, as múltiplas crises de natureza complexa, o desmantelamento e destruição do aparato estatal. 

Gabriela Lotta ressaltou a necessidade de pensar a administração pública do futuro a partir de hoje (foto: Peter Ilicciev, CCS/Fiocruz)
 
 

“Hoje a discussão não é mais o tamanho do Estado, mas o fim do Estado”, apontou. Ela ressaltou fatores do contexto atual como a criminalização da política e da própria gestão, além do fortalecimento dos órgãos de controle que não dialogam com as entregas para a sociedade e reduzem muitas vezes a ação do Poder Executivo. Diante do cenário atual, propôs a questão: “qual é o futuro que a gente vai construir para esse novo Estado?”. E destacou que o futuro precisa ser construído hoje, com processos, políticas e quadros de servidores que serão contratados e permanecerão no serviço público por pelo menos 20 anos. 

Futuro 

Ao usar a máxima de que problemas complexos exigem soluções igualmente complexas, Gabriela Lotta levantou uma série de caminhos para a gestão do futuro. “A administração pública do futuro é uma administração que não pode ter caixinhas organizacionais que criem barreiras para a articulação e a parceria. A gente precisa ter novos modelos muito mais arrojados de pensar articulação, negociação, intersetorialidade, arranjos federativos complexos, inclusive arranjos e parcerias internacionais que potencializem a solução de problemas complexos”, disse.  

“A segunda questão que nos pressiona para um estado muito mais transversal é o Estado departamental é ineficiente. A gestão compartimentalizada, o modelo que a gente tem hoje, não só compromete em termos de efetividade, como a eficiência”, afirmou a cientista política. “O terceiro elemento na ideia do Estado do futuro é que é composto por pessoas que defendam a instituição do Estado e tenham um ethos republicano. Entendam que trabalhar na administração pública deve ser vinculado ao que a gente chama da ética do servir”, afirmou. 

Conferência magna abriu o Encontro de Inovação na Gestão, na quarta-feira (foto: Peter Ilicciev, CCS/Fiocruz)
 
 

Gabriela destacou a importância da formação de líderes depois de destacar os pressupostos para a gestão pública. “Por fim, esse Estado do futuro é um Estado que pensa numa lógica sustentada, democrática, com equidade, verde, digitalizada e tecnológica. Isso é muito longe de boa parte que temos no presente”, enumerou. “E quais são as práticas organizativas da administração pública que potencializem esse futuro?”, questionou. Entre vários elementos, ela falou da necessidade de pessoas com competências de transitar entre a política e a técnica; com capacidade de gerar e gerir inovação; e competência de liderar de forma engajadora, transformadora, respeitosa, diversa e voltada ao ethos republicano. 

Gestão na Fiocruz 

A conferência magna foi precedida por falas da diretora da Escola Corporativa Fiocruz, Carla Kaufmann; da coordenadora-geral de Gestão de Pessoas, Andréa da Luz; do diretor-executivo, Juliano Lima; e do presidente da Fiocruz, Mario Moreira. “Nós temos uma reponsabilidade muito grande, como instituição. A Fiocruz tem no seu centro aquilo que para mim é a alavanca principal num país que se pretenda desenvolvido e possa dar uma vida digna à população. A gente lida com ciência, saúde e educação”, afirmou Juliano Lima. 

“Depois de tudo o que a gente passou, ao longo dos últimos anos, a responsabilidade da Fiocruz no apoio à reconstrução desse país – e não só à reconstrução, mas com transformação - é muito grande. E a gente não faz isso sem uma gestão forte”, afirmou. “É muito importante que nós, trabalhadores da gestão, estejamos diretamente conectados àquilo que é nossa questão fundamental: a gestão não é processo, é fazer aquilo que a gente tem que fazer para melhorar as condições de saúde e vida da população brasileira. E os gestores da Fiocruz têm um caráter distintivo: o comprometimento de todos é digno de nota”, elogiou. 

Presidente Mario Moreira destacou que a gestão é fundamental para o desenvolvimento institucional (foto: Peter Ilicciev, CCS/Fiocruz)
 
 

O presidente Mario Moreira lembrou que é analista de carreira no serviço público. “Foi na Fiocruz que pude me desenvolver como gestor público”, afirmou o presidente, que trabalhou 12 anos no IBGE e está há 30 anos na Fundação. “Especialmente na Fiocruz, a gestão é fundamental não só para as atividades que lhe cabem, ordinárias – que são seguir as regras, cuidar da sustentabilidade econômica -, mas para o desenvolvimento institucional da Fiocruz”, lembrou. “Essa é a grande contribuição que nós temos, colocar a Fiocruz num caminho de futuro, de desenvolvimento, melhoria das suas atividades, da qualificação das entregas para a sociedade”, disse. 

Homenagem a Pedro Barbosa

O evento também homenageou o diretor-presidente do Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), Pedro Barbosa. Pedro é pesquisador aposentado da Fiocruz e foi vice-presidente de Gestão e Desenvolvimento Institucional, um dos fundadores do Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc-SN), idealizador e primeiro CEO da Fundação de Ensino, Pesquisa, Desenvolvimento e Cooperação à Escola Nacional de Saúde Pública (Fensptec), que, mais tarde, se tornou a Fundação para o Desenvolviemnto Científico e Tecnológico em Saúde (Fiotec). 

A homenagem incluiu um vídeo resgatando depoimentos de colegas e momentos marcantes da carreira de Pedro. O pesquisador também leu uma carta que relembrava toda a sua trajetória profissional e se emocionou em vários momentos. A surpresa teve a participação de seus dois filhos, Eduardo e Diana. Leia a cobertura completa na página da Escola Corporativa. 

Educação corporativa

A manhã do primeiro dia de evento se encerrou com o painel Educação Corporativa e Gestão do Conhecimento: uma integração necessária para a Gestão, ministrado pela professora Marisa Eboli, especialista no tema e coordenadora de projetos da Fundação Instituto de Administração (FIA). A palestrante elencou os princípios fundamentais para o sucesso da educação corporativa — competitividade, perpetuidade, conectividade, disponibilidade, cidadania, parceria e efetividade.  

Marisa Eboli apresentou princípios de sucesso da educação corporativa (foto: Peter Ilicciev, CCS/Fiocruz)
 
 

Marisa ressaltou a importância da conectividade, que se refere à construção coletiva do conhecimento. “A soma de tudo que as pessoas sabem na empresa levam à excelência na sua atuação, e o conhecimento deve ser convertido em valor. Tudo o que vocês fazem gera valor para a sociedade”, destacou. “Mas enfatizo que conhecimento não é coleção, é conexão. Gerir conhecimento significa gerir interações. E a educação corporativa pode favorecer essa aplicação da gestão do conhecimento, transformando a cultura da empresa, promovendo e gerando novos conhecimentos.”  

A palestrante também apresentou os resultados da última edição da Pesquisa Nacional de Práticas e Resultados da Educação Corporativa, realizada em 2021. Marisa, que coordenou o estudo, enfatizou a percepção dos participantes sobre o papel dos líderes no processo da educação corporativa. Na visão da maioria dos participantes, os líderes costumam atuar como comunicadores e patrocinadores, reforçando a importância da educação e possibilitando os processos de aprendizado por meio de investimentos. Por outro lado, menos pessoas enxergaram seus gestores como visionários e controladores, isto é, atentos às tendências do futuro e participantes ativos do processo de aplicação dos conhecimentos desenvolvidos.  

“Queria deixar como reflexão para vocês duas perguntas: quais são as oportunidades de gerir os conhecimentos existentes na Fiocruz e como vocês podem estimular que as pessoas pratiquem essa gestão do conhecimento? A liderança é fundamental para o sucesso da educação corporativa”, concluiu Marisa. 

Painéis temáticos

Programação da tarde incluiu mesa sobre geração de conhecimento, painéis temáticos e exposição de trabalhos acadêmicos (foto: Peter Ilicciev, CCS/Fiocruz)
 
 

À tarde, os participantes do encontro assistiram a uma mesa sobre geração de conhecimento no campo da Gestão, com a coordenadora-geral de Pós-Graduação da Fiocruz, Cristina Guillam; o coordenador do programa de pós-graduação em Saúde Pública - Modalidade Profissional do Instituto Aggeu Magalhães (IAM), Garibaldi Gurgel; e o coordenador dos cursos de doutorado e mestrado profissional em Políticas de CT&I em Saúde, José Maldonado. Paralelamente, foram realizados painéis temáticos e oficinas sobre temas como ciência das redes e ecossistema digital da Fiocruz. 

"Um dos painéis discutiu um estudo sobre os impactos da atuação da Fiocruz no enfrentamento à Covid-19. A pesquisa foi conduzida pelos pesquisadores Janaina Pamplona, André Campos e Rebeca Feltrin, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); pelos pesquisadores e assessores da Presidência da Fiocruz Mariana Medeiros e Pierre Chagnon; pelo jornalista Gustavo Mendelsohn de Carvalho, da Coordenação de Comunicação Social (CCS) da Presidência da Fiocruz; e pela coordenadora-geral de Inovação e Informática em Saúde do Ministério da Saúde, Paula Xavier, que é servidora da Fundação. Além dos autores, participaram da apresentação a coordenadora de Comunicação Social da Fiocruz, Pamela Lang; a coordenadora do Escritório de Testagem, Maria Clara Lippi; e a analista dos Programas de Desenvolvimento de Pessoas da Escola Corporativa da Fiocruz, Priscila Lucas, que participaram do estudo por meio de uma avaliação dos impactos de suas áreas de atuação no período da pandemia".

André Campos apresentou dados sobre a produção vacinal e a produção científica da Fiocruz (foto: Peter Ilicciev, CCS/Fiocruz)
 
 

Durante a exposição, o pesquisador André Campos apresentou números que comprovam a dimensão das atividades realizadas pela Fiocruz no enfrentamento à Covid-19. Ele lembrou que, no Brasil, a emergência de saúde só foi controlada em julho de 2021. Até então, 95% das vacinas utilizadas no país eram produzidas pela Fundação e pelo Instituto Butantan. Os imunizantes produzidos pela Fundação custaram, em média, R$ 3 bilhões a menos que as vacinas importadas, representando uma economia de 34% para o SUS.

No triênio de 2020 a 2023, a produção científica da Fiocruz cresceu 61% em relação ao período pré-pandemia (2017 a 2020), passando de 3.027 para 4.886 artigos publicados. Também houve um aumento de 20% nas colaborações científicas com outras organizações. "Identificamos aqui essa característica de flexibilidade institucional. Outro aspecto importante é que há uma proximidade maior com a população. A produção de conhecimento se deu baseada no diálogo com movimentos sociais e isso levou a outras relações de confiança e parceria. Vai se criando uma rede que vai preparar a instituição para respostas futuras", ressaltou Campos.

Pamela Lang destacou o papel da comunicação na resposta às emergências sanitárias (foto: Peter Ilicciev, CCS/Fiocruz)
 
 

Em relação às ações de comunicação, a Fiocruz obteve uma média de 18 participações por dia em matérias da grande imprensa durante o ano de 2021, totalizando 6.838 reportagens naquele ano. O índice de percepção positiva da presença da Fundação na imprensa esteve o tempo todo acima dos 70%, considerado índice de excelência. Nas redes sociais, em 2021 e 2022, a Fundação chegou a alcançar 162 milhões de pessoas pelo Facebook e 36 milhões pelo Instagram. Foram produzidos materiais em diferentes formatos, como cartilhas, vídeos e infográficos — vários deles voltados especificamente para populações vulneráveis, como moradores de favelas e periferias, quilombolas e indígenas.  

"A comunicação é uma parte integral dessa resposta às emergências porque permite que os indivíduos mais vulneráveis possam tomar decisões com base nas evidências científicas e adotar as medidas protetivas", destacou Pamela Lang. "O contexto da pandemia era bastante desafiador, porque o país estava em forte polarização; cresciam os movimentos negacionistas e antivacina; e havia uma lacuna de informações qualificadas e de orientações claras para a população, gerando um ambiente de incerteza e insegurança. Era muito importante sustentar a imagem da Fiocruz no campo técnico-científico para que ela pudesse justamente gerar essa confiança, representar essa estabilidade".

Os participantes do evento também puderam conferir uma exposição de trabalhos acadêmicos produzidos por alunos do Programa de Pós-Graduação da Escola Corporativa Fiocruz. A mostra destacava a produção técnica-científica dos discentes, com foco em trabalhos voltados ao desenvolvimento institucional da Fundação.

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