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20/08/2005

Endoscopia digestiva pode ser risco para hepatite C

Fernanda Marques


A endoscopia digestiva pode ser um fator de risco para a transmissão do vírus da hepatite C (HCV). É o que sugere uma pesquisa realizada pela biomédica Thaís Tibery Espir, aluna de mestrado do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) da Fiocruz. Foram estudados cerca de 250 indivíduos que procuraram o Instituto Estadual de Hematologia (Hemorio), no Rio de Janeiro, com a intenção de doar sangue. Thaís verificou que existe uma tendência de transmissão do HCV por endoscopia digestiva, embora ainda seja cedo para afirmar que essa transmissão ocorra realmente. De acordo com o estudo, o risco de estar infectado pelo HCV seria três vezes maior entre os indivíduos que foram submetidos a uma endoscopia digestiva.

Esse resultado preliminar foi apresentado no 1° Simpósio Pan-americano de Vigilância Sanitária e publicado na Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia. Sob a orientação do médico Luiz Amorim, chefe do Serviço de Hemoterapia do Hemorio, e do pesquisador Cláudio de Moraes Andrade, do INCQS, Thaís já teve seu trabalho aprovado por uma banca prévia. A biomédica, que trabalha no Hemorio, defendeu sua dissertação de mestrado no início deste mês.


A endoscopia é um procedimento no qual o endoscópio, aparelho constituído por um tubo acoplado a lentes e a um sistema de iluminação, explora visualmente o interior do organismo. No caso da endoscopia digestiva, como o próprio nome já diz, o aparelho é usado para examinar o aparelho digestivo.


Eventuais escoriações no tubo digestivo, já existentes ou provocadas pela passagem do endoscópio, liberam secreções e sangue - fluidos que podem conter o HCV e contaminar o equipamento. Segundo a hipótese de Thaís, quando uma pessoa infectada pelo vírus se submete a uma endoscopia digestiva e, depois, o endoscópio não é higienizado de forma adequada, o próximo paciente a fazer o exame corre o risco de contrair o HCV.


Os dados coletados até agora sustentam essa hipótese de Thaís. Dos 253 indivíduos estudados, 54 eram portadores do HCV e 199 não estavam infectados. Entre os portadores, 25,9% haviam se submetido a uma endoscopia digestiva antes do diagnóstico da infecção pelo HCV. Entre os não-portadores, apenas 11,6% já tinham feito esse tipo de exame. A prevalência do HCV foi maior nos indivíduos com antecedentes de endoscopia digestiva, em comparação com os que nunca passaram pelo procedimento. "E a diferença foi estatisticamente significativa", frisa Thaís.


Antes que um indivíduo se torne doador, verifica-se se ele é portador de alguma doença transmissível pelo sangue. Uma pessoa infectada pelo HCV não pode doar sangue. "Desde 1993, o teste do HCV é rotina nos bancos de sangue. Logo, a transmissão do vírus por transfusão diminuiu, mas os casos associados a outras possíveis fontes de risco para infecção - relação sexual com vários parceiros sem uso de preservativo, seringas compartilhadas entre usuários de drogas e instrumentos usados em cirurgias, tatuagens e piercings - continuaram aumentando", afirma Thaís.


Para identificar as formas de transmissão do HCV, Thaís solicitou aos participantes do estudo que respondessem a um questionário. "Alguns dos portadores do HCV não se encaixavam em nenhum dos grupos de risco conhecidos, mas tinham feito endoscopia digestiva", argumenta a biomédica.


Thaís visitou cinco serviços públicos que oferecem endoscopia digestiva. Por ocasião da pesquisa, nenhum deles havia recebido vistoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Apenas um dos serviços tinha um procedimento operacional padrão para a limpeza e a desinfecção do endoscópio.


Não há vacina contra o HCV e o tratamento da doença tem um custo elevado. "As pessoas têm que se prevenir e, para isso, precisam conhecer as formas como a hepatite C é transmitida", ressalta Thaís. "As pessoas não devem temer a endoscopia digestiva. O exame tem que ser feito caso necessário. O problema é que ele virou moda e passou a ser solicitado mesmo quando dispensável", opina. No doutorado, Thaís pretende acompanhar pacientes antes e depois da endoscopia digestiva, para determinar a taxa de conversão de soronegativos em soropositivos para o HCV.

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