09/10/2015
Luiz Felipe Stevanim (Radis/Fiocruz)
Enrique, Gustavo e André têm algo em comum: os três garotos adoram jogar bola. Falante e esperto, Enrique, de 8 anos, também luta jiu-jitsu. Já André, de 13, quer alisar o cabelo como o jogador Neymar, mas ainda precisa convencer o pai. Para Gustavo, de 11, uma das maiores diversões depois que sai da escola é jogar videogame. Os três meninos tiveram que adaptar suas rotinas e as de suas famílias a novos hábitos de vida, como alimentação regrada, consultas frequentes no SUS e acompanhamento constante da glicose, depois de receberem o mesmo diagnóstico de diabetes mellitus.
Assim como eles, cerca de 9 milhões de brasileiros com mais de 18 anos já descobriram a doença, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013, mas esse número pode ser ainda maior, porque 46% das pessoas com diabetes não sabem que têm, como aponta o Atlas 2014 sobre a enfermidade, publicado pela Federação Internacional do Diabetes (IDF, da sigla em inglês).
Esse desconhecimento faz com que a doença possa ser considerada uma epidemia silenciosa, que ainda desafia as estratégias de saúde coletiva. Em todo o mundo, são 387 milhões de pessoas vivendo com diabetes, número que equivale à população da América do Sul, e a expectativa é que sejam 592 milhões em 2035, segundo o mesmo atlas. O crescimento dos casos tem sido maior em países de média e baixa renda, que já concentram 80% da população com a doença — evidência de que as condições de vida podem aumentar os fatores de risco.
Estimular o diagnóstico, enfrentar as informações erradas e os mitos em torno da doença e garantir o acesso a medicamentos e materiais essenciais para o controle da glicose, como as tiras de monitoramento glicêmico, são alguns dos desafios para o Sistema Único de Saúde, segundo relataram para a Radis especialistas, pacientes e familiares. Já para quem convive com a doença em seu dia a dia, a principal lição é aprender a equilibrar os limites de seu próprio corpo.
Mudança de rotina
Foi um susto para a mãe de Enrique, Talita Gil Tierno, quando a criança de apenas um ano de vida ficou internada durante um mês. O menino estava próximo do que os médicos chamam de “coma glicêmico”, causado por um nível muito grande de alteração da glicose no sangue. Depois do diagnóstico do diabetes, a mãe passou a definir sua rotina como uma “luta diária”. Com o tempo, Talita se acostumou a acordar durante a noite para medir a glicemia do filho. Atualmente a criança faz acompanhamento médico no Hospital Federal da Lagoa, no Rio de Janeiro, e participa de atividades educativas em uma associação voltada para pessoas que têm a doença. “Tento deixá-lo o máximo possível bem para que ele possa crescer saudável”, conta a mãe.
O diabetes mellitus é uma doença crônica que afeta os níveis de glicose no sangue, uma das principais fontes de energia para o corpo. O primeiro termo indica a perda de líquido através da urina, já o segundo vem de "mel" e lembra a presença de açúcar no organismo. O pâncreas não fabrica insulina, hormônio responsável por controlar a glicose, ou as células não utilizam essa substância adequadamente. Com o desequilíbrio, pode acontecer tanto a elevação (hiperglicemia) quanto a queda (hipoglicemia). Entre os primeiros sinais mais comuns, estão aumento da urina, da fome e da sede e perda de peso. Os estágios mais graves podem levar a infecções na pele e nas unhas, fraqueza muscular, feridas nas pernas e pés (que demoram a se cicatrizar), problemas de visão, nos rins e na circulação.
Existem dois tipos da doença, que determinam as formas de tratamento. O diabetes de Enrique é de tipo 1, quando pouca ou nenhuma insulina é liberada para o corpo. Aparece geralmente na infância ou na adolescência, devido a uma alteração genética, e corresponde a cerca de 10% dos casos. “Todo paciente com tipo 1 precisa utilizar insulina para sobreviver”, explica a médica endocrinologista Lenita Zajdenverg, chefe do Serviço de Nutrologia e Diabetes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Já o caso de Solange Ferman, que coordena atividades educativas com crianças e adolescentes que possuem a doença, foi um pouco diferente. Ela desenvolveu o segundo tipo durante a gravidez, há 30 anos. O diabetes de tipo 2 abrange os outros 90% dos casos e é mais comum a partir dos 40 anos, porém pode ocorrer em qualquer idade. É quando o corpo não utiliza adequadamente a insulina que produz. O tratamento pode acontecer pelo uso de medicação oral, como comprimidos, mas ao longo dos anos o paciente pode precisar de insulina. Entre os fatores de risco, estão sobrepeso e obesidade, falta de exercícios físicos, hipertensão e colesterol alto, além de histórico familiar. Os especialistas explicam que o consumo de alimentos ricos em açúcar e gordura não leva ao aparecimento da doença, mas aumenta os fatores de risco, no caso do diabetes tipo 2. Quem vive com diabetes, precisa aprender a controlar diarimanete os hábitos alimentares, para que o nível de açúcar no sangue não caia ou suba muito.
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