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10/01/2020

Especialistas alertam sobre o uso de Leite da Moreira no tratamento de chikungunya

Antonio Fuchs (INI/Fiocruz)


O Leite de Moreira (ou Seiva da Moreira) é apresentado como um produto fitoterápico que melhora dores de cabeça, coluna, musculares ou reumáticas, principalmente em casos de chikungunya, mas seu uso pode ser um risco para a saúde. Apesar de sua formulação informar que as cápsulas são produzidas a partir de plantas medicinas, o médico infectologista André Siqueira e a farmacêutica Lusiele Guaraldo, ambos do do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), ressaltam que seu uso pode trazer sérias complicações para a saúde. “Não existe nenhum estudo científico de eficácia ou segurança deste produto contra chikungunya ou qualquer outra doença”, alerta André.

Lusiele destaca que, “embora o rótulo do produto o identifique como um fitoterápico, há muitas incertezas quanto à sua composição”, o que não garante a qualidade ou eficácia do suposto medicamento. O Leite de Moreira é facilmente encontrado pela internet ou alguns estabelecimentos comerciais, sem nenhum controle da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão que proibiu sua venda.

Em entrevista, os especialistas do INI/Fiocruz esclarecem os potenciais riscos do uso do Leite de Moreira. 

INI/Fiocruz: o que é o Leite de Moreira?

André Siqueira: O Leite da Moreira vem sendo comercializado como produto fitoterápico natural com a indicação informal de servir para diversas condições como dores articulares, infecções, impotência, entre outros. Tem sido muito utilizado por indivíduos acometidos por chikungunya, doença que causa dor articular importante. No entanto, estudos já demonstraram que ao contrário da descrição, o Leite de Moreira não é um produto natural pois apresenta em sua composição corticóides, anti-inflamatórios e diuréticos em dosagens desconhecidas que podem causar sérios comprometimentos à saúde.

Lusiele Guaraldo: Embora o rótulo do produto o identifique como um fitoterápico, há muitas incertezas quanto à sua composição. Segundo a RDC nº 26/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), são considerados fitoterápicos “os medicamentos obtidos com emprego exclusivo de matérias-primas ativas vegetais cuja segurança e eficácia sejam baseadas em evidências clínicas e que sejam caracterizados pela constância de sua qualidade”. Em 2017, pesquisadores da Universidade Federal de Goiás analisaram 12 amostras do produto, coletadas em diversos locais do país, e concluíram que as cápsulas contêm substâncias sintéticas analgésicas e anti-inflamatórias. Por não ser um produto industrializado, ou manipulado por profissional habilitado mediante prescrição, não há registro de sua formulação e, portanto, não se pode conhecer seus componentes, nem afirmar que são sempre os mesmos.

INI/Fiocruz: quais os riscos e/ou efeitos colaterais que uma pessoa pode sofrer ao se auto medicar com esse tipo de produto?

Lusiele Guaraldo: Uma vez que os componentes e suas dosagens não são conhecidos, não é possível estimar quais os riscos. A automedicação com antinflamatórios e analgésicos pode ocasionar vários efeitos indesejados, alguns até graves, como sangramentos gastrointestinais e descompensação de doenças como a diabetes, por exemplo.

André Siqueira: Alguns dos componentes do Leite de Moreira têm efeito contra a dor e a inflamação que acometem pessoas infectadas contra chikungunya, então pode levar num momento inicial à redução dos sintomas. No entanto, sem supervisão médica, sem controle nem da qualidade nem da dosagem destes componentes, há o risco de efeitos tóxicos aos rins, fígado e mesmo sangramento gástrico.

INI/Fiocruz: existem estudos científicos comprovando sua eficácia no tratamento da chikungunya?

André Siqueira: Não existe nenhum estudo científico de eficácia ou segurança deste produto contra chikungunya ou qualquer outra doença.

INI/Fiocruz: os ambulatórios/serviços de saúde estão recebendo pacientes que alegam estar tomando esse produto contra a chikungunya? Aqui no INI já houve relato de casos de seu uso?

André Siqueira: Sim, já atendemos pacientes em uso do Leite da Moreira no INI e em outros serviços da rede pública do Rio de Janeiro. É importante que a população saiba que está sendo enganada e pode sofrer consequências graves pelo uso deste produto.

INI/Fiocruz: Leite de Moreira (ou Seiva da Moreira) é um produto lícito?

Lusiele Guaraldo: Em 2013, a Anvisa publicou no Diário Oficial a Resolução nº 4.954 determinando a suspensão da fabricação, divulgação, distribuição, comércio e uso bem como apreensão e inutilização de todos os produtos denominados Leite da Moreira, encontrados em território nacional por não possuírem registro na agência e por serem de origem e fabricação desconhecida.

Segundo o Código Penal Brasileiro, a comercialização de produtos sem o prévio registro da Anvisa é considerada crime com multas e pena de reclusão de 10 a 15 anos. O cidadão que encontra medicamentos sendo comercializados sem registro pode e deve fazer uma denúncia à Vigilância Sanitária municipal ou estadual ou diretamente à Anvisa.

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