Entre os meses de junho e julho, a sala da paleopatologista Sheila Ferraz Mendonça permaneceu trancada. Durante 20 dias, a pesquisadora trocou o escritório com computador e a bancada do laboratório na Fiocruz em Manguinhos, Zona Norte do Rio de Janeiro, pelas margens do Rio Cubatão, em Joinville, Santa Catarina. O objetivo: coordenar a escavação inicial de um dos sítios arqueológicos da região. É a primeira vez que a equipe da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz está à frente de um trabalho desse tipo.
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Escavações em Joinville para entender as doenças da pré-história (Foto: Sheila Mendonça) |
Antes, o grupo de paleopatologia estudava as doenças da pré-história a partir da análise de ossos, múmias, fezes fossilizadas e outras amostras enviadas à Fiocruz ou pertencentes ao acervo de museus. Agora, com o financiamento do Centre Nacional de la Recherche Scientifique, órgão francês de incentivo à pesquisa, Sheila e sua equipe participam de um trabalho pioneiro no Brasil em bioarqueologia, com o objetivo de fazer um levantamento demográfico associado à saúde na pré-história.
O sítio, um amontoado intencionalmente construído com pedras, terra e conchas, tem dez metros de altura, parece ser um antigo cemitério e deve abrigar mais de cem esqueletos com idades entre três e cinco mil anos. Com pás, pincéis e muita paciência, os pesquisadores, pouco a pouco, vão desvendando seus mistérios. Os primeiros achados foram os restos de uma mulher adulta sepultada ao lado de um jovem, ambos com as mãos espalmadas sobre o rosto e em posição fetal. Esses e outros materiais já estão em laboratório para análises.
À primeira vista, o projeto pode parecer uma aventura digna de filme de Hollywood. “A realidade, porém, é bem menos glamourosa”, confessa a pesquisadora, que enfrentou chuva, frio e mosquitos em um lugar onde não há banheiro e o celular não pega. “Apesar das dificuldades, é muito gratificante trabalhar ao ar livre, em uma paisagem muito bonita, ouvindo os passarinhos”.
A dor e a delícia do trabalho de campo não são exclusivas da equipe de Sheila. Na Fiocruz, muitos outros pesquisadores, freqüentemente, deixam seus postos habituais e vão fazer pesquisa em outros ares. Uma tradição da Fiocruz desde o início do século passado, quando os primeiros pesquisadores partiram para os confins do Brasil em expedições científicas.