17/03/2022
Penélope Toledo (INCQS/Fiocruz)
Os agrotóxicos, de acordo com a Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989, são produtos e agentes de processos destinados à preservação da flora ou da fauna perante a ação danosa de seres vivos considerados nocivos. Também costumam ser chamadas de pesticidas, porém, o termo é contestado por profissionais da saúde, pois pesticida (do latim pestis, a doença, + cida, o que mata) significa “o que mata as pestes”, sendo que estas substâncias podem matar também organismos vivos benéficos, conforme explicam as integrantes do Setor de Resíduos do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz), Lucia Helena Bastos, Maria Helena Wohlers e Angélica Castanheira.
Elas alertam que os agrotóxicos, quando usados em quantidade fora do padronizado, podem provocar riscos ao meio ambiente e à saúde pública. Seus resíduos, se ingeridos por meio de alimentos e água contaminados, podem causar intoxicação e acarretar problemas que vão desde tontura, náusea, diarreia e irritações, até dificuldades respiratórias, convulsões, desmaios e, mesmo, morte.
O consumo seguro destas substâncias é medido pelo índice da Ingestão Diária Aceitável (IDA), que é a quantidade estimada de resíduo que pode ser ingerida diariamente e durante toda a vida sem oferecer risco apreciável à saúde. Este valor, segundo códigos internacionais, varia de substância para substância e seu cálculo em termos de saúde é relacionado ao peso corpóreo de 60 kg, o que exclui as crianças, que apresentam peso muito inferior. A avaliação contínua dos níveis de resíduos de agrotóxicos nos alimentos de origem vegetal que chegam à mesa do consumidor é feita pelo Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), coordenado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Todas as vezes em que excedemos a IDA de um determinado agrotóxico, há um risco de saúde envolvido”, advertem as profissionais do INCQS/Fiocruz.
Além disso, há aqueles que mesmo ingeridos em pequenas quantidades são suspeitos de serem teratogênicos (capazes de produzir dano ao embrião ou feto), carcinogênicos (cancerígenos) e/ou mutagênicos (capazes de gerar mutação nas células). Estes são proibidos pela legislação atual e podem ser flexibilizados pelo PL 6299/2002, o que geraria impacto negativo na saúde pública, conforme explica o manifesto de pesquisadores do Grupo de Trabalho Agrotóxicos e Saúde da Fiocruz.
INCQS/Fiocruz e o controle de qualidade dos resíduos de agrotóxicos
O INCQS/Fiocruz faz o controle de qualidade dos resíduos de agrotóxicos em alimentos. Para tanto, analisa os produtos (hortifrutigranjeiros, em sua maioria) e verifica se os Limites Máximos de Resíduos (LMR) estipulados no processo de registro do agrotóxico em questão estão sendo obedecidos e se aquele tipo é permitido à cultura do produto analisado.
As integrantes do Setor de Resíduos do INCQS/Fiocruz esclarecem que no Brasil estes valores, de acordo com a legislação atual, são designados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), avaliando a relevância agronômica; a Anvisa, voltada à saúde humana e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), cuidando da proteção ao meio ambiente. Com o PL 6299/2002, isso pode mudar e se concentrar no Mapa.
Em uma participação no Seminário do Grupo de Trabalho Técnico-Científico e Agroecológico Uerj (GT-TECA), em 2018, intitulado PL do Veneno: Uma conversa necessária à prevenção de doenças no Brasil, Lucia Helena Bastos já havia externado o seu receio em focar o processo de registro dos agrotóxicos apenas na relevância agronômica, excluindo os cuidados com a saúde (Anvisa) e com o meio ambiente (Ibama).
“Os dados obtidos nos programas de monitoramento do INCQS/Fiocruz já demonstram a necessidade de medidas educacionais e de vigilância no campo. Entretanto, com a nova proposta de legislação, os problemas podem ser ainda maiores, uma vez que concentra no Ministério da Agricultura, Pesca e Abastecimento [Mapa] a tomada de decisão sobre esses produtos, retirando atribuições de estados, municípios e dos ministérios da Saúde [MS] e do Meio-Ambiente [MMA]”, explicou.
Perguntadas sobre o que as pessoas precisam observar nos rótulos dos alimentos para a Ingestão Diária Aceitável de agrotóxicos, Lucia, Maria Helena e Angélica declaram: “As pessoas não têm como avaliar essa IDA em rótulos ou qualquer outra condição. O que a população pode e deve fazer é fortalecer a Anvisa no seu programa de monitoramento de agrotóxicos, observando os alimentos e fazendo denúncias. Além disso, pode valorizar a agricultura orgânica e preferir o consumo de produtos nas safras e com preços mais acessíveis”.