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22/01/2007

Estudo alerta para os perigos da internet no desenvolvimento de distúrbios alimentares

Danielle Neiva e Roberta Monteiro


Até que ponto vale o sacrifício de arriscar a própria vida para conseguir um corpo perfeito? Para milhares de jovens que possuem a magreza como referencial de beleza vale tudo, de forçar o vômito, tomar laxantes, fazer uso de automedicação e até mesmo a auto-agressão. Para tentar compreender de perto e de forma atualizada como funciona este mundo, a psicóloga e doutora em saúde da criança e da mulher pelo Instituto Fernandes Figueira (IFF), unidade materno-infantil da Fiocruz, Ana Helena Rotta Soares, desenvolveu o estudo Apologia aos transtornos alimentares na internet: o perigo dos grupos pró-ana e pró-mia para crianças e jovens.


 A psicóloga Ana Helena Rotta Soares (Foto: Roberta Monteiro)

A psicóloga Ana Helena Rotta Soares (Foto: Roberta Monteiro)


O estudo teve como base uma ampla pesquisa na internet sobre o tema, focando a busca de ciberespaços que fazem apologia à conquista de um corpo magro e “perfeito”. Segundo a pesquisadora, foram identificadas 120 comunidades do site de relacionamentos Orkut que tratam tanto a anorexia quanto a bulimia como um estilo de vida, e não como doenças. O estudo também abordou 50 weblogs gerados com o propósito de estabelecer uma rede de suporte para jovens que seguem o acima citado “estilo de vida”.  Nesses espaços virtuais, as meninas se identificam como pró-ana (pró-anorexia) e pró-mia (pró-bulimia) e os depoimentos podem ser lidos como verdadeiros diários com histórias de jovens que depositam na internet o sonho de terem um corpo perfeito. “O grande perigo do fácil acesso à informação está na identificação de quem tem a doença com outros portadores do distúrbio e na formação de um grupo social devotado ao corpo esquelético, perpetuando e reforçando a conduta, o que dificulta o processo de reconhecimento e busca de tratamento”, explica a psicóloga.


A anorexia nervosa é um transtorno alimentar em que a pessoa passa a não se alimentar, levando a um emagrecimento a níveis abaixo do peso mínimo normal. O portador do distúrbio costuma se considerar acima do peso e não suporta a idéia de vir a adquirir mais peso, possuindo um intenso temor à obesidade. Já a bulimia nervosa leva o indivíduo a ter episódios freqüentes de ingestão alimentar compulsiva. Em pouco tempo o bulímico consome grande quantidade de alimentos, de preferência alimentos hipercalóricos, e induz vômitos, usa laxantes, diuréticos e pratica exercícios físicos de forma obsessiva. As vítimas de distúrbios alimentares negam, quando questionadas, a existência do transtorno. Alguns sintomas da doença são a ausência de ao menos três ou mais menstruações, lábios ressecados, dores de cabeça, transtornos metabólicos, alterações gastrointestinais, cardiovasculares e neurológicas.


No Brasil, o culto ao corpo perfeito, em que mídia e sociedade são partes integrantes, estigmatiza os obesos e faz com que milhares de pessoas coloquem a estética como prioridade em suas vidas, o que muitas vezes pode gerar os distúrbios. É o caso da personagem Gisele, de 15 anos, interpretada pela atriz Pérola Faria, em Páginas da vida, novela da Rede Globo, que sofre de bulimia. Assim como na ficção, crianças e jovens do mundo inteiro, principalmente entre 13 e 17 anos, desenvolvem a doença, que atinge mais mulheres do que homens e que conta com um fundo psicológico, neurológico e/ou psiquiátrico.


Para a administradora de empresas Beatriz Ayres, de 35 anos, vítima de anorexia nervosa, a doença deve ser levada a sério e não ser vista como um capricho. Os sintomas são sutis e possui um fundo psicológico mais propriamente do que físico. “O corpo fica extremamente debilitado, mas é a cabeça que está doente”, diz Beatriz. Em entrevista, ela alerta sobre a falta de informação a respeito da doença e conta como foi o tratamento a base de doces. “Tive que reaprender o prazer em comer”, revela a administradora. Segundo Ana Helena, o país enfrenta um grande desafio no que diz respeito ao reconhecimento e tratamento dos transtornos alimentares, “Infelizmente, no Brasil, essas patologias ainda são muitas vezes discutidas a partir do plano moral e reducionista. Não é amoral sofrer de um transtorno alimentar. Essas patologias não são simples caprichos de meninas ricas e vazias nem problemas exclusivos de modelos ou bailarinas”, explica Ana Helena.


A partir do estudo, fundou-se a organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) Seu Abrigo, em parceria com a ONG Protegeles, da Espanha. A Oscip funciona virtualmente e pode ser acessada neste endereço eletrônico. Ana Helena explica que para alcançar usuários do mundo pró-transtornos alimentares foi construído um cenário semelhante aos sites criados pelas “anas” e “mias”, utilizando os mesmos símbolos e linguagem. O que há de diferente é o conteúdo, que desmistifica as dicas nutricionais e comportamentais e oferece informações verdadeiras sobre o que realmente são os transtornos alimentares e as conseqüências e riscos das práticas inseridas na rede. “O nosso propósito é acolher crianças e jovens que buscam estes ciberespaços como fonte de suporte e motivá-los por meio de e-mails e salas de bate-papo virtuais para procurar centros de tratamento especializados nos transtornos alimentares”, explica Ana Helena. Atualmente, a Oscip busca estabelecer contato com empresas de suporte à rede para o bloqueio e desligamento das páginas que fazem apologia aos distúrbios.


A psicóloga alerta famílias sobre a necessidade de observar os espaços visitados na internet por seus filhos, pois a o mundo virtual oferece dicas nutricionais que comprometem significativamente a saúde do indivíduo. “É importante que a família participe da vida virtual de seus filhos e conheça os espaços onde circulam, gerando regras claras sobre o uso da internet”, diz Ana Helena. Na rede, jovens podem encontrar informações sobre dietas com baixo teor calórico e protéico, indicações de drogas que inibem o apetite, além da reprodução da cultura de estigmatização de pessoas obesas. Além disso, são comuns informações de como driblar pais e médicos e esconder os transtornos e seus sintomas. “A doença é fácil de ser escondida. Na maioria das vezes a família só percebe quando a magreza é tão exacerbada que prejudica o tratamento”, alerta a pesquisadora.

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