Início do conteúdo

13/02/2012

Estudo pioneiro analisou aspectos da imunidade entre o mosquito transmissor da malária e o parasito

Cristiane Albuquerque


O ciclo da malária, uma das doenças de maior impacto no planeta, envolve o protozoário causador da doença (plasmódio), o vetor (mosquito anofelino) e o homem. Um estudo pioneiro realizado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) analisou as moléculas que participam da interação entre Anopheles aquasalis, principal vetor da malária nas regiões litorâneas do Brasil, e Plasmodium vivax, agente etiológico responsável pela maior parte dos casos da doença no país. Os resultados apontaram mecanismos imunes adotados por A. aquasalis para combater o P. vivax: os cientistas identificaram o momento exato em que a resposta imune do vetor atinge seu pico e verificaram que o fim da resposta imune coincide com o avanço do ciclo evolutivo do parasito para uma nova fase.


 <EM>Anopheles aquasalis</EM>, principal vetor da malária nas regiões litorâneas do Brasil

Anopheles aquasalis, principal vetor da malária nas regiões litorâneas do Brasil


Desafio desde o princípio

 

Como o genoma do A. aquasalis ainda não foi sequenciado e poucos de seus genes são conhecidos, os pesquisadores precisaram recorrer a abordagens alternativas. “Tendo em vista a escassez de dados sobre a genética do vetor, utilizamos duas estratégias. Resumidamente, a primeira (subtração de cDNAs) compara amostras de A. aquasalis em duas condições distintas e revela os genes expressos de forma diferenciada em cada situação analisada. Na segunda (PCR com primers degenerados), genes do A. aquasalis são obtidos a partir de ‘modelos’ desenhados com base em genes de imunidade já descritos em outros insetos”, explica a recém-doutora Ana Bahia, que desenvolveu o estudo durante seu doutorado no Programa de Pós-Graduação em Biologia Celular e Molecular do IOC, orientada pelos pesquisadores Yara Traub-Csekö, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Parasitos e Vetores do IOC, e Paulo Pimenta, chefe do Laboratório de Entomologia Médica da Fiocruz Minas.

 

A hora H da imunidade

 

No estudo, foram acompanhados e comparados dois grupos de insetos: um deles foi alimentado artificialmente com o sangue de pacientes diagnosticados com malária, enquanto o grupo controle foi alimentado com sangue de indivíduos sadios. Os insetos foram observados duas, 24, 36 e 48 horas após a alimentação sanguínea (ou seja, após a infecção no caso do primeiro grupo de anofelinos).

 

“Os experimentos de subtração de cDNAs não revelaram muitos genes de imunidade nas etapas iniciais da infecção, após duas e 24 horas, o que indica que o P. vivax não ativa o sistema imune do A. aquasalis de forma tão eficiente como foi observado em outros insetos”, destaca a pesquisadora. “No caso do A. aquasalis, a presença do parasito na hemocele (cavidade que se origina da expansão do aparelho circulatório embrionário do inseto) 36 horas após a infecção se mostrou mais importante no desencadeamento da resposta imune do vetor do que sua presença no intestino”.

 

Na procura de genes por meio da técnica de PCR com primers degenerados, foram escolhidos candidatos da chamada via JAK-STAT, uma das vias que coordenam o sistema imune e cuja importância, em insetos, tem sido descrita na imunidade contra vírus, bactérias e plasmódios. “Resultados de expressão gênica revelaram que os genes STAT, PIAS e NOS são ativados após 24 horas e chegam a seu pico máximo de expressão 36 horas depois da infecção com P. vivax. Experimentos usando outras técnicas de genética mostraram que insetos com a expressão do gene STAT suprimida eram mais susceptíveis a infecções por P. vivax. Estes resultados comprovaram que a via de sinalização JAK-STAT é importante na resposta imune do A. aquasalis contra o P. vivax”, ressalta Ana Bahia. Estes dados, associados a resultados de microscopia, mostraram que o tecido responsável pela maior parte da resposta imune do A. aquasalis contra o P. vivax é o corpo gorduroso.

 

Desativação em seguida ao pico

 

“Nossos dados indicaram que a resposta imune do A. aquasalis é ativada 24 horas após a infecção por P. vivax, atingindo seu máximo com 36 horas, mas 48 horas após a infecção a resposta imune se encontra completamente desativada”, descreve Ana Bahia. “A desativação precoce do sistema imune do inseto coincide com a mudança de fase do parasito, que deixa de ser um oocineto e vira um oocisto. Com isso, provavelmente, ele se torna irreconhecível para o sistema imune do inseto”.

 

Os dados inéditos gerados pelo estudo apontaram possíveis alvos para estratégias de bloqueio da transmissão da malária. “A manipulação genética destes insetos, de modo a ampliar a duração de sua resposta imune ao parasito, pode ser uma alternativa interessante no desenvolvimento de mecanismos de interrupção do ciclo da doença”, conclui Ana Bahia.


Publicado em 9/2/2012.

Voltar ao topo Voltar