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21/05/2009

Estudo propõe sistema de monitoramento da leptospirose

Renata Moehlecke


Considerada um importante problema de saúde pública e associada à falta de saneamento e à pobreza, a leptospirose, no Brasil, é classificada como uma doença endêmica, ou seja, está habitualmente presente entre os brasileiros. Em centros urbanos, ambientes com alta densidade demográfica, é comum ocorrerem surtos epidêmicos anuais, principalmente, durante a época de chuvas intensas. Com base na necessidade de se realizar uma vigilância epidemiológica dessa doença, o sanitarista Wagner Tassinari, em tese de doutorado defendida na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), resolveu explorar diferentes técnicas de análise espacial e temporal para monitorar a leptospirose urbana nas cidades do Rio de Janeiro e Salvador. Nesse trabalho, Tassinari levantou alguns dos principais fatores de risco de natureza ambiental, individual e socioeconômica nessas áreas.


 Surtos epidêmicos de leptospirose ocorrem, principalmente, durante a época de chuvas intensas (Foto: <A target=_blank href="http://www.vivaterra.org.br">www.vivaterra.org.br</A>)

Surtos epidêmicos de leptospirose ocorrem, principalmente, durante a época de chuvas intensas (Foto: www.vivaterra.org.br)


“Poucos trabalhos apresentam propostas preventivas capazes de diminuir o impacto da doença, seja em situação endêmica ou em enchentes. São ainda mais raros os estudos que contribuem para compreender o percentual da população atingida em cada uma das situações epidemiológicas que fogem ao tradicional grupo ocupacional de risco”, comenta Tassinari. “Os sistemas de informação geográfica (SIGs), técnicas de baixo custo e com interfaces amigáveis, permitem a visualização espacial, por exemplo, do número de casos de uma determinada doença em uma região. Basta dispor de um banco de dados e uma base geográfica, como um mapa de bairros, que o SIG é capaz de apresentar um mapa colorido, possibilitando não só a visualização do padrão espacial do fenômeno, mas também o padrão de potenciais fatores de exposição”.


O estudo de Tassinari é dividido em três artigos. O primeiro analisa 488 casos identificados na cidade do Rio de Janeiro entre 1997 e 2002. Segundo o pesquisador, a utilização dos SIGs mostrou que o efeito das chuvas na região por si só explica toda a variabilidade de ocorrências dos casos notificados, sendo as variáveis socioeconômicas e ambientais não significativas. “A leptospirose endêmica e epidêmica acontece nos mesmos grupos populacionais, sendo a epidemia um resultado direto da pluviosidade acima de um determinado ponto de corte: 4 mm no caso do Rio de Janeiro”, explica o pesquisador.


O segundo artigo se refere a um estudo realizado entre 2004 e 2005 com 6.466 pessoas moradoras de uma comunidade em Salvador. O terceiro e último artigo é uma continuação do trabalho anterior, mas com apenas 1.204 indivíduos, acompanhados até o ano de 2007. Os resultados das duas pesquisas apontaram que os homens têm 1,32 mais chance de contrair a doença do que as mulheres. Indivíduos que tiveram contato com a água da chuva durante as enchentes apresentaram 8,31% mais probabilidade de serem contaminados pela doença. “As enchentes são importantes para casos severos, porque a água que fica dentro dos nichos dos ratos é trazida para a superfície e se concentra no solo onde as pessoas vivem”, explica o pesquisador. “No caso dessa comunidade estudada, o fato de o nível de altitude do solo ser menor do que o nível do mar pode auxiliar no aumento da contaminação do solo em épocas de muita chuva e umidade, já que a água escoa para essas áreas”.


De acordo com Tassinari, o SIG fornece informações que não seriam possíveis através de questionários. “Variáveis como altitude do domicílio em relação ao nível do mar, distância de lixo e esgoto aberto, na maioria das vezes, apresentaram efeitos significativos nas análises estatísticas e a presença delas foi de fundamental importância para a calibração dos modelos estatísticos”, explica Tassinari. “Apesar disso, ainda falta uma integração mais sólida entre os profissionais que desenvolvem e operam os SIGs, os epidemiologistas e os bioestatísticos. Essa integração representa um avanço importante, viabilizando o desenvolvimento e a utilização dessas técnicas em prol da saúde pública”.


O pesquisador acrescenta ainda que, apesar de ser considerada uma doença endêmica no Brasil como um todo e de apresentar manifestações clínicas graves, a leptospirose ainda não é vista como um problema que necessite de estudos e de medidas de intervenção sistemática. “O impacto da leptospirose é de grande importância social e econômica, pois apresenta elevada incidência em determinadas áreas, especialmente na população economicamente ativa, epidemias urbanas cíclicas com elevado custo hospitalar e medidas terapêuticas de alto custo e complexidade”, comenta Tassinari.


Publicada em 20/05/2009.

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