A esteatohepatite é uma inflamação do fígado com acúmulo de gordura e de tecido fibroso, prejuízo das funções do órgão e possível evolução para cirrose. Não está associada à ação de vírus e, em geral, acomete quem abusa do consumo de álcool, é obeso, sofre de hipertensão arterial, tem diabetes ou apresenta disfunções no metabolismo de lipídeos. No entanto, mesmo quem não se encaixa nesse perfil pode desenvolver esteatohepatite. É o caso de alguns trabalhadores do Pólo Petroquímico de Camaçari (BA). Nesse caso, substâncias tóxicas a que eles são expostos no ambiente de trabalho podem ser a causa do problema. É o que indica um estudo que vem sendo feito há 20 anos pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) em parceria com o Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz (CPqGM), unidade da Fiocruz em Salvador. Os resultados mais recentes acabam de ser submetidos à publicação no periódico científico Liver.
Cena do filme Assim caminha a humanidade (1956), no momento em Na década de 80, um grupo de pesquisadores americanos descreveu casos de esteatohepatite em pacientes que não faziam uso de bebida alcoólica. Desde então o interesse pela doença cresceu. Nos Estados Unidos, 3% da população têm esteatohepatite. "Hoje a esteatohepatite é mais comum que as hepatites virais", afirma o médico Luiz Antônio Rodrigues de Freitas, do CPqGM. A hepatologista Helma Cotrim, pesquisadora da UFBA, acompanhava quase 1.600 trabalhadores de uma empresa do Pólo Petroquímico de Camaçari que apresentavam alteração do perfil hepático. Ela investigou a causa dessa alteração e concluiu que não havia infecção viral nem doença alcoólica em cerca de 20 pacientes. Estes foram, então, submetidos à biópsia hepática (análise de uma amostra do fígado coletada por meio de uma injeção). "Observamos em todos eles a presença da esteatohepatite, na maioria das vezes, de forma leve, ainda com pouca fibrose", conta Freitas. A empresa petroquímica aceitou transferir aqueles cerca de 20 trabalhadores da planta industrial para o escritório. Após alguns meses, uma nova biópsia revelou que todos tiveram melhora do perfil hepático. Esse achado, publicado em 1999, foi o primeiro de uma série que sustenta a hipótese de que a esteatohepatite pode estar relacionada a fatores ambientais. Em seguida, o médico Fernando Carvalho, professor de medicina preventiva da UFBA, orientou uma tese de doutorado que fez uma comparação entre os trabalhadores da planta industrial e os do escritório da empresa, todos com o mesmo nível socioeconômico. A pesquisa mostrou que o risco de alteração do perfil hepático chega a ser 17 vezes maior em quem trabalha na indústria. "Novamente os resultados apontaram para a existência de uma relação entre a esteatohepatite e o ambiente de trabalho", comenta Freitas. Estima-se que 40% dos casos de esteatohepatite não-alcoólica ocorram em indivíduos com obesidade, diabetes, hipertensão arterial ou dislipidemias. Eles têm em comum uma condição preliminar de resistência à insulina, na qual as funções deste hormônio, por alguma razão, ficam prejudicadas. Trabalho recém-concluído pela equipe de Freitas demonstrou que aqueles cerca de 20 pacientes inicialmente estudados por Helma, além de não serem obesos, diabéticos, hipertensos nem dislipidêmicos, não apresentavam sequer resistência à insulina. "É o terceiro indício que nós temos de que a esteatohepatite pode ser deflagrada pela exposição laboral a substâncias tóxicas", diz Freitas. "Mas é muito difícil estabelecer claramente esse nexo causal. Até porque uma petroquímica utiliza diversos hidrocarbonetos aromáticos e parte deles é considerada segredo industrial".
Quem tem esteatohepatite e se infecta com o vírus da hepatite C tende a apresentar um quadro mais grave da doença viral, inclusive porque a resposta ao tratamento costuma ser pior. E é grande a chance de as duas hepatites serem concomitantes: de acordo com um levantamento feito pela equipe de Freitas, em torno de 10% dos indivíduos com hepatite C têm esteatohepatite. |
Estudo sugere relação entre ambiente de trabalho em petroquímicas e
um tipo de hepatite
Publicado em
por Fernanda Marques